terça-feira, 29 de julho de 2014

OS TRENS NA MEMÓRIA DE CADA UM


Pátio da estação ferroviária de Inacio Martins, no ramal de Guarapuava, que teve seus trens de passageiros extintos também nos anos 1980; a linha sobrevive com movimento cargueiro pois liga a velha Itarará-Uruguai à Ferroeste (Foto Daniel Trevisan, em 2004)\
.
O artigo que escrevi ontem, "Ferrovias: Nada faz sentido no Brasil" fez-me receber alguns comentários interessantes. Um deles veio de Leandro Chiarello de Souza, de Caçador, SC, cidadão que não conheço, mas que me escreveu um e-mail muito interessante, que, além de confirmar alguns fatos, como a data do fim dos trens de passageiros no Paraná e Santa Catarina, conta de que forma ele aprecia as ferrovias - estradas que não mais existem, ou que são simples sucatas naquela região da qual vieram parte de meus antepassados.

O texto segue abaixo, transcrito exatamente como o recebi.

"Boa noite Sr. Ralph, acabei de ler seu post cujo título segue acima e ele me deixou ainda mais pensativo ainda sobre o assunto ferrovias no Brasil.

Não há um só dia da minha vida que eu não pense nelas, especialmente na linha sul da EFSPRG/RVPSC/SR-05/EF-153, como queiram chama-la. Parece até uma patologia, uma ideia fixa que requer um tratamento com especialista, tamanha é a angustia que este assunto provoca em quem gosta de ferrovias. Bem, quero dizer que o culpado por isso é meu pai que teve a ideia de me levar junto com ele em uma viagem de Caçador a Piratuba-SC, no mês de fevereiro de 1980, mais especificamente sábado de carnaval, num já moribundo trem misto, cuja saída de nossa cidade foi às 11h:30min e a chegada ao destino foi às 20h:00min. Nunca mais pude fazer o mesmo trajeto na minha vida. Os trens mistos, já praticamente “condenados pelo progresso” acabariam de vez em 1983, na esteira da enchente que devastou o sul do Brasil naquele ano.

A nossa linha sul seguiu funcionando para cargas por mais 12 anos, com pelo menos um trem por dia, até que na metade dos anos 90, mais ou menos em 1995, começaram a rarear as cargas e a sombra da privatização já se fazia sentir. Depois, ainda privatizada a linha funcionou mais um ano aproximadamente. Os trens chegavam e partiam das estações sem que houvesse uma alma viva para recebe-los, no período em que funcionou sob concessão da FSA/ALL. Os únicos funcionários que se viam eram maquinistas. Não haviam mais agentes de estação ou manobristas. Depois disso, inexplicavelmente, de um momento para outro, os trens sumiram do Vale do Rio do Peixe e... do Vale do Paranapanema, do Vale da Ribeira, do trecho Maringá – Cianorte, Panorama, etc.

Até hoje penso numa explicação plausível para isto e as encontro aos montes: linha cheia de curvas, antieconômica, não há capacidade para trens de maior número de vagões, falta de demanda para cargas, etc. Só que antes havia. Passavam trens com 40, 50 vagões e quando ocorria de interromper o tráfego no TPS, o que não era incomum na década de 90, todos os trens de lá passavam a correr pelo trecho Mafra – Marcelino Ramos. O que houve que agora não dá mais? O que mudou tanto assim? Quais as tecnologias que as concessionárias adotaram que não é compatível com esta e com as linhas que eu citei?

De fato, não dá para entender o que foi este processo enganoso e equivocado de privatização em nosso país. Eu vou ainda mais além. Ou, melhor, mais atrás no tempo. Era necessário que a introdução da indústria automobilística no país demandasse a destruição de nossa malha ferroviária? Já li à respeito da CMBEU (Comissão Mista Brasil –EUA) que tratou de modernização do Brasil e dos célebres grupos de trabalho formados no regime militar e cujo trabalho culminou com a classificação de muitos trechos ferroviários como inviáveis e antieconômicos, sendo estes desativados posteriormente.

Agora, não dá para compreender qual o fator determinante neste processo todo mas, verificando a demora em desenvolver a logística brasileira leva qualquer um a acreditar numa teoria da conspiração.

Tenho para mim que parece um plano para que o país não cresça aquilo que dele se espera. Todo mundo sabe que o remédio para melhorar a competitividade do Brasil no exterior é a melhoria dos entraves logísticos e que passam por alternativas viáveis à dependência exclusiva da malha rodoviária. Porém, pouco ou nada se faz para isso.

Daí não se poder entender como que temos uma linha ociosa, abandonada no oeste de SC, quando a agroindústria depende enormemente de insumos que chegam por via rodoviária, a um custo muito alto. Bem, são estas as considerações que julgo pertinentes. De fato, o titulo de sua postagem é bem apropriado. Nada faz sentido mesmo.

Grande abraço e boa semana."

Um comentário:

  1. Teoria da conspiração seria inteligente. Não creio que haja competência para tanto.

    ResponderExcluir