sábado, 5 de julho de 2014

SAUDADES DOS TRENS É NOSTALGIA OU NECESSIDADE?


A estação de Três Corações, MG, em 1939, quando ainda se tinha respeito pelo passageiro (Autor desconhecido)
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Continuo pesquisando sobre ferrovias como sempre - ou como faço desde 1996. Ainda gosto muito do assunto, mas a verdade é que da minha ingenuidade de 1996, quando pensava que os trens de passageiros que ainda rodavam naquela época (eram poucos) e mesmo a FEPASA, que ainda existia, capenga, iriam existir para sempre, era apenas uma questão de chegar um governante que faria o que foi feito com a CPTM poucos anos depois, ou seja, recuperá-la e deixar suas linhas de uma forma que elas nunca foram.

Minha pesquisa, todos que conhecem meu site e meu blog sabem, era inicialmente focada nas estações ferroviárias, mas em pouco tempo se estendeu às próprias linhas e principalmente às que tinham ainda trens de passageiros. Somente para relembrar, e salvo algum esquecimento, quais ainda rodavam em 30 de abril de 1996, dia em que a febre começou, a 227 quilômetros de São Paulo na histórica (pelo menos para a minha família) cidade de Porto Ferreira?
Estação de Garça, anos 1970. Hoje está arruinada. (Autor desconhecido)
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É verdade que eu demorei algum tempo para saber que essas linhas ainda rodavam nesse dia, senão eu teria feito o possível para andar em todas em que fosse possível, mas vamos à lista:

Fora do Estado de São Paulo:

 - Barra Mansa-Ribeirão Vermelho (RJ/MG)
 - Campo Grande - Ponta Porã (MS)
 - O "Barrinha", ou seja, Japeri-Barra do Pirai, RJ;
 - O "Xangai", Matias Barbosa-Benfica, MG.
 - O Trem do Sertão, Montes Claros-Monte Azul, MG.
 - O subúrbio Barreiros-Rio Acima, MG.

Não falo aqui de trens turísticos, nem do da E. F. Amapá, do Vitória-Minas e do da E. F. Carajás, porque estes dois últimos funcionam até hoje, por incrível que pareça. E trens turísticos vão e voltam, poucos permancem. Dessa época até hoje, andavam os turísticos da E. F. Campos do Jordão e o Curitiba-Paranaguá, além do Anhumas-Jaguariúna, este da ABPF.
Estação de Oficinas, em Ponta Grossa, PR - lotada, hoje está em ruínas, sem trilhos (Autor desconhecido)
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Em São Paulo, os trens de longa distância que ainda trafegavam diariamente (não conto aqui os trens metropolitanos, que já funcionavam, embora em termos precários, tanto em São Paulo como em outros estados) eram, todos da FEPASA:

 - São Paulo-Barretos;
 - São Paulo-Santa Fé do Sul;
 - São Paulo-Panorama;
 - Campinas-Araguari;
 - São Paulo-Presidente Epitácio;
 - Santos-Embu-Guaçu;
 - Santos-Juquiá;
 - O TIM - Santos/Ana Costa-Samaritá;
 - O subúrbio Amador Bueno-Mairinque.

E, surpreendentemente, mais um trem foi implantafo, no final de 1997, pela FEPASA, que foi o Sorocaba-Apiaí. Este acabou sendo o único em que eu andei, em maio de 1998. Acabou em 2001 junto com os últimos.

Fora estes, andei, mas antes de minhas pesquisas, nos trens: São Paulo-Santos (anos 1960), São Paulo-Engenheiro Ferraz, pela Sorocabana (1969), São Paulo-Rio de Janeiro (o Santa Cruz), em 1975 e no São Paulo-Panorama, em 1977.

E andei em diversas linhas de bondes em São Paulo e em Santos nos anos 1950 e 1960.

Andei também em trens turísticos, como o Campinas-Jaguariúna (várias vezes), o E. F. Campos do Jordão (duas vezes) e o Curitiba-Paranaguá (este, três vezes), além de uma já lendária viagem Curitiba-Ponta Grossa em 2009, num trem comemorativo que só rodou essa única vez. E, lógico, ando constantemente de metrô e CPTM em São Paulo e andei no metrô do Rio.

Do que consigo me lembrar de todas estas viagens, foram todas muito bacanas. Todas valeram a pena.
Estação de Itahum, MS - funcionou até o final de atividade dos trens de passageiros na linha, em junho de 1966 - hoje está abandonada e depredada (Foto Thobias Pezzoni em 2014)
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Aí vão dizer que é nostalgia. Afinal, por que luto tanto, como um Dom Quixote, para a volta dos trens de longa distância e mesmo de VLTs, que não passam de bondes modernos, ou, se quiserem, de litorinas, quando têm percursos um pouco maiores?

Bom, o fato é que todos os trens citados acima nas duas listagens acabaram entre o mesmo ano de 1996 e março de 2001. Alguns deles aos poucos, diminuindo o trajeto, outros, de uma vez por todas. Todos eles, no entanto, tinham boa frequência. Suas desativações foram um descaso ao povo brasileiro que deles se utilizavam, bem como sua não modernização ao longo dos anos antes da cessação de suas atividades.
Parada que ainda funciona hoje no trem de Carajas, MA: Lotada, mas claramente sem estrutura para abrigar tanta gente. Mas sua existência num país quase sem trens é um símbolo e acaba sendo uma boa coisa. Porém, suas condições ainda mostram descaso das autoridades (Autor desconhecido)
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Hoje, percebo tudo isso, que não percebia em 1996. E vejo que, embora exista nostalgia, sim, a questão fundamental e principal não é essa: pelo menos, desde 1854, quando o primeiro trem de passageiros fora implantado no Brasil pelo Barão de Mauá, o povo tinha um veículo para se movimentar de uma cidade a outra, sem necessitar de vagarosos jumentos, jegues, carros de boi e cavalos. Houve períodos melhores e houve piores; porém, mesmo o trem Sorocaba-Apiaí que tomei em 1998 era confortável, tinha refeição, tinha banheiro. Nenhum dos itens na categoria "maravilhosa", mas eles funcionaram. Emocionou-me ver trens cheios e estações cheias no trajeto, até à meia-noite (o trem saía às seis da tarde de Sorocaba e chegava às 2:30 da madrugada em Apiaí), e mesmo depois, onde havia automóveis esperando ao lado de plataformas de concreto sem cobertura no meio do nada para pegar uma pessoa que descia do trem ali.

As reclamações da desativação dos trechos citados não foram pequenas. Prejudicou muita gente e prejudica até hoje. Portanto, su ausência nõ nos dá somente nostalgia: dá-nos também uma sensação de que o governo pouco se interessa em saber o que realmente importa para o povo.

Pior ainda: em outros temas que não são ferroviários, é o que vem acontecendo também. De trens entendo alguma coisa. De outros assuntos entendo menos, Mas não sou burro e tenho cultura suficiente para saber que um país que age da forma como vem fazendo nos últimos trinta anos não tem futuro: não durará muito. Resta apenas saber quanto tempo será.

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