Milagre: a Vale investe em novos trens de passageiros, que começarão a circular daqui a pouco tempo. Foto da Internet, não sei o autor
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Qual é, afinal, o grande problema com as estradas de ferro brasileiras? Por que o governo (leia-se aqui que não estamos falando do governo atual apenas, mas de uma série de governos que remontam a pelo menos sessenta-setenta anos para trás) não se mexe para instalá-las de uma vez, em vez de ficar prometendo, gastando dinheiro em projetos que nunca são postos em execução e com licitações que também têm custos bem altos e que na maioria das vezes dão em nada?
Será a velha teoria da conspiração, sendo a indústria automotiva os seus adversários? Será incompetência ao extremo? Serão os dois motivos?
Como pode o governo prometer uma série de ferrovias como uma das formas de ter votos, quando na maioria dos casos (a exceção são os metrôs e trens metropolitanos, que são, aliás, uma mera questão de nomes, já que são a mesma coisa), quando ele mesmo extinguiu diversas delas desde basicamente 1960 e as reações em contrário foram muito abaixo do que se podia esperar em um país com péssimas estradas de rodagem?
Como podem as ferrovias cargueiras, que são as que ele diz que está construindo e demoram décadas para ficarem prontas, trazerem votos para um governo, sendo elas transportadoras de carga (o nome já diz), com um mercado de trabalho bastante restrito em relação ao que já foi no passado?
Como pode o governo, quando fala em trens de passageiros, dizer que vai fazer estudos de percurso e de uso desses trens se ele teve mais de cem anos de experiência nesse campo, pois, em 1960, quando o percurso dos trens de passageiros atingiu seu ponto culminante no Brasil - 37 mil quilômetros - isso já estava mais do que estudado? Como podem governos dizer que trens de passageiros são ultrapassados - e ao mesmo tempo afirmar que o Brasil precisa deles - e em nenhum dos dois casos construir coisa alguma, apenas prometer e prometer?
Por que as ferrovias que foram concessionadas entre 1996 e 1998 - queremos dizer, todas, exceto as de metrô e de trens metropolitanos (está bem, algumas poucas destas o foram) serviam para concessão naquela época e hoje não servem mais? São apenas quinze anos de concessão! Que não diga que é porque estão sucateadas, pois quem as sucateou foram as próprias concessionárias!
Como pode o governo anunciar que, em vez de modernizar as ferrovias já existentes e que foram concessionadas, elas deverão ser erradicadas porque as concessionárias não as querem? Será que ninguém as quer? Nem para passageiros, por trechos mais curtos do que os originais?
A impressão clara que fica é que não há qualquer plano sério para as ferrovias no Brasil. Durante todo o tempo em que as ferrovias funcionavam sob a bandeira de diversas firmas diferentes, ou mesmo no tempo em que somente existiam a RFFSA e a FEPASA (e outras menores, sem entrar em detalhes), diversos planos foram apresentados pelo governo federal e para ele. Nenhum deles foi feito à risca. No máximo, iniciado. Não vem ao caso aqui comentar se eram bons ou maus planos. Conforme dizia meu sogro, "um mau plano é melhor do que plano algum".
Hoje, como no passado, não há plano algum. Há mapas que correm espalhados pela Internet e pela imprensa escrita que mostram as atuais ferrovias brasileiras. O último que vi foi o da Revista Ferroviária. Tem erros. E tem erros porque, se hoje alguém fizer um levantamento dos trilhos assentados neste país, quando acabar sua tarefa, a situação já terá mudado. E para pior. De qualquer forma, esse mapa citado não é um plano. É uma tentativa de se mostrar qual é a situação em um determinado momento.
É um crime o que se faz com as estrada de ferro hoje em dia. Aliás, é um crime o que foi feito com elas desde a crise do café de 1930, ou do final da segunda guerra (1945), ou da introdução da indústria automobilística (1957), ou da pavimentação e melhoria das rodovias brasileiras (anos 1960). Cada um dá um desses eventos como sendo o começo do fim, mas, na verdade, todos eles juntos e mais a incompetência federal causaram a decadência, que hoje se transformou em quase o fim.
Tento acompanhar as notícias ferroviárias de hoje em dia. É muito difícil, realmente. Concessionárias que trocam de nome, de linhas e de donos a "toda hora", declarações governamentais confusas, adiamentos de licitações para construção de novas linhas, recursos impetrados pelo Ministério Público, um órgão de controle federal que não controla coisa alguma, na verdade há mais de um, e até o IPHAN foi metido na história.
Por outro lado, pedidos de volta de trens de passageiros pipocam a toda hora como se fosse uma grande coisa (seria, se as pessoas tivessem confiança no que os administradores governamentais falam)... no duro mesmo, as únicas obras confiáveis hoje em dia são as de metrô, Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) e de trens metropolitanos em alguns estados, que seguem mais ou menos cronogramas razoavelmente confiáveis. São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Bahia...
O que se vê também são ferrovias em estado muito ruim, com trilhos roubados, trilhos pendurados, se estavam sendo utilizadas nunca são recuperadas, ou nem usadas estavam sendo. Um dos maiores exemplos é a antiga Santos-Juquiá, com um leito desativado há onze anos e que aguentaria - com as devidas reformas, claro - excelentes trens de passageiros que correriam ao lado de uma rodovia constantemente congestionada. Outro seria a linha Bauru-Panorama, da antiga Companhia Paulista, que sempre foi, enquanto funcionava, uma das linhas mais concorridas da empresa.
É muito estranho que políticos que se dizem sérios e preocupados com o bem-estar do povo em geral não mexam seus pauzinhos para manter essas e outras ferrovias. No sul de Minas, região de Leopoldina, a linha da bauxita (parte da antiga Linha do Centro da Leopoldina) está em seus últimos dias de atividade de transporte de bauxita, sabe-se Deus por que, pois a mina em Cataguazes continua produzindo minério. Já que a concessionária prefere encher de caminhões de minérios as estradas (uma delas, a BR-116), por que não aproveitar a linha para um trem metropolitano que ligue Cataguazes a Três Rios, acompanhando em parte do percurso o rio Paraíba do Sul? O que dizer dos bairros rurais que ainda mantém suas estações ao lado da linha vendo o trem passar direto? Reativem os trens e as estações... por que a estrada que une esses bairros é de terra batida e poeirenta.
O que está errado conosco? O mundo inteiro está errado mantendo trens de passageiros e linhas de carga funcionando e somente nós estamos corretos, eliminando cada vez mais nossos trens?
Este assunto daria um livro de mil páginas, facilmente. Mas a questão não é escrever livros. É repor os trens nos trilhos do país inteiro. Não só onde há ou onde houve trilhos uma vez, mas também em novas linhas, como é o caso da Norte-Sul, que avança suas obras como uma tartaruga cansada. Só que, de preferência, enchendo a tartaruga de vitaminas. Chega de dilapidar patrimônio ainda passível de ser recuperado, como linhas, estações e material rodante. O prejuízo aumenta cada vez mais, até no atraso da construção das ferrovias novas. E nada se faz, somente se reclama.
segunda-feira, 28 de julho de 2014
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