segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TREM RAPIDO É COISA SÉRIA

Foram-se há muito os trens a vapor da velha Paulista, herdados da Douradense nesta foto em Jaú, em 1964.

O texto transcrito abaixo deste parágrafo é uma junção de uma série de respostas dadas por Nicholas Burman numa lista de discussões de trens nos últimos dias. Foi escrito por ele em pelo menos 4 e-mails e é a opinião de uma pessoa que entende bastante de trens pelo mundo todo. Não houve correções e os textos foram escritos relativamente rápido por ele. A pergunta era sobre se seria possível o compartilhamento de trens tipo Intercity de passageiros (bastante rápidos) nas linhas atualmente utilizadas pelas concessionárias.

Chega de remendos. É hora de o Brasil começar a fazer as coisas por medidas inteiras... ademais, o conceito dos HST já tem 30 anos e num mercado onde as operadoras britânicas tem que competir com empresas como Wizzair, Ryanair e afins, está começando a ficar insuficiente. Tanto que o governo britânico já anunciou planos para a HS2, a segunda linha de alta velocidade britânica, a correr entre Londres St. Pancras (atual terminal da HS1) e Birmingham. A julgar pelo barulho na imprensa, a obra irá sair mesmo com a crise econômica. Ainda por cima com a linha convencional atual se aproximando rapidamente do ponto de saturação. Se o conceito HST ainda fosse válido, o governo britânico não estaria pensando numa linha nova...

A tal alta velocidade dos anos 1970 não é mais alta velocidade. É mera velocidade de cruzeiro hoje. Assim, o traçado da linha SP-RJ não serve mais para transporte de passageiros em alta velocidade legítima. E a MRS não vai querer nem saber de abrir mão de sua linha, especialmente na serra. Se for segregar, segregue tudo, com um traçado novinho em folha, separado da linha atual e passando fora daquela cidades que não terão paradas.

Trem a 3 a 4 horas não vinga, mais um pouco e vão sugerir "reciclar" os Budds. Repito, para atrair o público o trem deve ser competitivo com a Ponte Aérea e deve correr com frequencia similar. E elétrico, CO2 e cerrado oblige...

Essa história de compartilhar via não vinga. Ainda mais aqui. É simplesmente impossível vc fazer coincidir na mesma via trens de minério com 200 vagões a 60 Km/h e trens de passageiros a 200 Km/h. Impossível, quanto maior a diferença de velocidade entre tipos distintos de composições, menor a capacidade de transporte de uma linha - mesmo que duplicada, triplicada ou quadruplicada. Exemplo é o Corredor Nordeste da Amtrak, detestado pelos trens de carga de longo percurso (a linha ainda é frequentada por "cata-jecas" que atendem os clientes com ramais) da Conrail (que hoje seguem por um "caminho da roça" mais para o interior) em parte devido à impossibilidade de se compatibilizar trens de carga com uma enxurrada de trens de passageiros, não só de longo percurso mas suburbanos também. Isso em uma linha que apresenta via sextupla em alguns pontos!

Esqueça também restringir o tráfego de carga para a madrugada. Isso também reduz o volume de carga que você pode passar numa via - justo o contrário do que se necessita nessa hora. Mesmo na Grã-Bretanha há muito tráfego de carga diurno e não são todas as linhas que estão disponíveis de madrugada para a carga - pelo contrário, muitas linhas são fechadas à noite para permitir manutenção de via ou intervenções na infra-estrutura. A sorte é que a infra-estrutura britânica possui redundância suficiente (leia-se caminhos alternativos) para absorver esses fechamentos. Manter um serviço de trens de alta velocidade requer manutenção super-intensiva, muitas vezes incompatível com um uso alternativo noturno. Os japoneses descobriram isso logo durante o planejamento da primeira linha de Shinkansen - eles queriam usar o período da noite para correr trens de conteineres na mesma linha, porém tiveram que desistir ao perceber que necessitariam das madrugadas para dar conta da manutenção da via.

Esqueçam da linha tradicional do Vale do Paraíba. Entre os subúrbios de SP e RJ, a Serra das Araras, a MRS e o traçado, a linha é inutilizável para altas velocidades reais. Nem duplicando, triplicando, decuplicando (esqueceram das travessias das zonas urbanas??? Duplicar como em Caçapava, Taubaté, Cachoeira....), que seja. Basta de remendar o remendado...se vc tiver que fazer um traçado novo através da baixada fluminense e da Serra das Araras, aproveite e faça um traçado totalmente novo até São Paulo.

Esqueçam também do conceito de "trenzinho fazendo em 3 ou 4 horas", é muito leviano. Mais um pouco e irão sugerir "reciclar" os carros Budd...chega, hora de novo paradigma!!!!! Necessitamos de um serviço que seja mais rápido do que o ônibus e que consiga bater cara a cara com a Ponte Aérea (e complementar a rede aérea nacional também). O exemplo europeu que melhor se encaixa na situação brasileira é a linha AVE Madrid - Barcelona da RENFE - distâncias similares, mercados similares.

O uso de trens a diesel em serviços de "velocidade alta" (por que não dá mais para chamar o HST de "alta velocidade" - 200Km/h hoje é fato corriqueiro). Os alemães experimentaram isso recentemente com o ICE-TD (um ICE diesel com pendularismo para servir linhas sem eletrificação), com resultados desastrosos - as 13 composições ficaram imobilizadas de 2003 a 2007 por problemas técnicos e hoje estão servindo em linhas para o qual não foram projetados (arremedo para justificar o uso continuado delas) no norte da Alemanha (justo onde eles não precisam do mecanismo pendular!). Na Grã-Bretanha os HST receberam novos motores diesel nos últimos 5 anos (MTU ao invés dos Paxman Valenta originais - ficaram mais silenciosos e menos beberrões), porém os trens estão hoje com mais de 30 anos de serviços intensivíssimos e o governo britânico planeja sua substituição na próxima década. Na substituição veio a boa nova - depois de quase 30 anos está se planejando embarcar em um novo plano massivo de eletrificação de vias (especialmente a linha Troncal do Oeste da Inglaterra - ALELUIA!!!!!!), parte para permitir melhorias nos serviços de passageiro, parte para poder passar um maior volume de transporte de carga para tração elétrica.

O modal diesel já deu o que tinha que dar, para altas velocidades legítimas só elétrico. Apesar que parte da frota de HSTs já usa uma mistura de biodiesel e diesel comum a título experimental, o uso em massa ainda é discutível - nem toda a produção de todas as lojas de fish & chips britânicas daria conta de manter a frota funcionando... sem lembrar daquele velho mote "o barato sai caro": sai mais barato colocar diesel agora, porém a longo prazo o custo é muito mais alto. É como a disputa VLT x BRT - inicialmente o BRT é mais barato, porém a longo prazo o VLT é infinitamente melhor...

Da última vez que eu viajei de HST a viagem deu tanto desgosto que na volta eu voltei de ônibus... foi muito mais conveniente...

A Grã-Bretanha (por ora - a situação é muito fluída) possui 6 operadores de carga: DB Schenker (ex English Welsh & Scottish Railway, operador de carga geral e o único a lidar com vagões indiviuais), Freightliner (intermodal e carvão), GB Railfreight (intermodal), Direct Rail Services (DRS - resíduos nucleares e produtos químicos), Mendip Rail (agregados para a construção civil) e Colas Rail.

2 comentários:

  1. Olá,
    passei para retribuir a visita e conhecer seu blog, que me agradou muito. Parabéns..
    Muito interessante as considerações de Burman sobre os trens de alta velocidade. Não entendo a razão de não se investir em malha ferroviária no Brasil.
    Continue com o ótimo trabalho.
    Abraço.

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  2. Ralph, não dá para voar se nós não conseguimos nem andar. A Inglaterra só pode partir para os HS porque já fez seu dever de casa com os trens lentos convencionais e pendulares de média velocidade. Não adianta ter q1 única linha rápida se não tiver outras para alimentar.

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