Estação de Cruzeiro, em 2010 - foto Thiago Henrique Teixeira
Quando neste país as ferrovias eram respeitadas e tinham todas elas seus trens de passageiros circulando noite e dia, surgiam as velhas rixas entre cidades, causadas pelo orgulho de cada uma delas tinha de sua cidade, sua estação, seus trens.
Até os anos 1950/60, quando começou a era do "automóvel mais barato para todos", ruas pavimentadas e ônibus circulando para as áreas mais afastadas, as cidades brasileiras eram pequenas em geral e com um povo que delas gostava. Aquela área que se chamava de área urbana e que muitas vezes terminava bruscamente num portão de fazenda, numa grande fábrica ou depósito ou mesmo na linha do trem e sua estação era a cidade realmente.
Até hoje, não é muito difícil, mesmo para quem não conheceu essa época, delimitar a "cidade velha", cujos limites pouco se alteraram entre a fundação e os anos 50 do século 20. Basta olhar as casas, a saída de ruas tortuosas, velhas estradas rurais, o limite da linha do trem ou da área rural que em muitos casos ainda sobrevive.
Nos anos 1910 e 1920, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro começou a expandir sua linha-tronco para o rio Grande, primeiro colocando a bitola larga entre Rio Claro e São Carlos no ligar da bitola métrica oriunda ainda da Rioclarense. Em 1928, a linha estava alargada até Rincão, próxima ao rio Mogi-Guaçu.
Desta estação, saíam duas linhas métricas: uma, que seguia para Guatapará, onde cruzava o rio e dali para Pitangueiras, onde começava a São Paulo-Goiaz. Também saía outra que se mantinha à margem esquerda do mesmo rio e seguia para Bebedouro e Barretos. Durante os anos 1920 a Paulista recebeu inúmeros apelos da prefeitura da cidade de Jaboticabal, que pertencia à linha-tronco métrica que seguia de Rincão para Barretos a oeste do Mogi-Guaçu, para que a linha fosse alargada por ali. Era o que parecia lógico e o que se esperaria.
Porém, no final, alegando motivos de melhor localização da linha e de topografia mais favorável, a Paulista acabou por decidir-se por seguir pela margem leste do rio, comprando para isso o trecho da São Paulo-Goiaz entre Passagem e Bebedouro e alargando a linha de forma a cruzar duas vezes o rio Mogi: uma vez em Guatapará e outra em Passagem, o que a fez reconstruir essas duas pontes. O alargamento seguiu até o rio Grande, em Porto Cemitério, hoje Colombia.
A cidade de Jaboticabal não se conformou com isso. Alegou que a linha somente passou pelo outro lado por causa das terras dos Prado, na época os maiores acionistas da ferrovia. A cidade de Bebedouro, que no final teria bitola larga qualquer que fosse o caminho escolhido, lançava inúmeras provocações caçoando de Jaboticabal. A Paulista foi praticamente excomungada e amaldiçoada nesta cidade.
Até meados dos anos 1940, a cidade tentou ter a sua linha alargada, pois, depois de 1930, essa linha métrica passou a ser o "ramal de Jaboticabal", ligando Rincão a Bebedouro, desvalorizando os terrenos e investimentos na cidade. Em 1946, a cidade pediu à Paulista o alargamento, também não concedido. No final, em 1969, o ramal foi eliminado.
Também em Cruzeiro, linha da Central do Brasil, neste mesmo ano de 1946, havia um trem de passageiros chamado de "Expressinho" (ou, oficialmente, o trem SP-5), que ligava a cidade a São Paulo, saindo de lá às 5 da manhã e chegando de volta à meia-noite. Este trem era parados, ao contrário do Cruzeiro do Sul, na época o trem Rio-São Paulo de luxo da Central.
Veio então a ferrovia e mudou o ponto inicial da linha para Valparaíba (que era como se chamou a cidade de Cachoeira Paulista por um curto espaço de tempo nos anos 1940), 15 km além, sentido Rio. A cidade se revoltou, dizendo que não havia motivo para isso, que era um absurdo o trem chegar mais tarde em Cruzeiro, que o movimento na outra cidade era muito menor etc. A Central dizia que tal alteração havia sido consequência de seus estudos, ao que a cidade retrucava que eles estariam loucos.
Enfim, há mais exemplos. Tempos em que o orgulho de ser cidadão de uma ou outra cidade era forte e gerava rixas e conflitos.
Hoje, não temos mais nem trens de passageiros nem o velho orgulho. As cidades se parecem cada vez mais umas com as outras. As áreas fora das velhas zonas urbanas são cada vez mais iguais umas às outras e as próprias áreas urbanas sofreram inúmeras descaracterizações. O Brasil da primeira metade do século XX definitivamente está agonizante e vivendo com instrumentos, se já não morreu.
sábado, 1 de setembro de 2012
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Não conhecia esse fato sobre Cruzeiro. Sem falar que em Cruzeiro muitos passageiros acredito eu faziam conexão com os trens da RMV e essa mudança deve ter atrapalhado um bocado as conexões.
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