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domingo, 20 de agosto de 2017

A ESTRADA DE FERRO ITARARÉ-FARTURA

Pontilhão de pedras em Itararé por onde, sobre ele, passaria a E. F. Itararé-Fartura. Foto de O Guarani, 1984

A Estrada de Ferro Itararé-Fartura, que ligaria estas duas cidades do sudoeste paulista e que deveria ter um prolongamento até a estação de Ourinhos, teve sua concessão dada a particulares pelo governo do Estado de São Paulo no ano de 1921.

Não encontrei tantos dados quanto desejaria para escrever uma história mais detalhada e com mais certezas com relação a esta ferrovia. 
Traçado da E. F. Itararé-Fartura entre as duas cidades que lhe davam o nome. Mapa calcado sobre mapa do Google Maps em 2016.

Seu idealizador foi um certo Sr. José de Sá Fragoso e o projeto de locação foi realizado pelo engenheiro Paulo Voigtlander. Outros nomes envolvidos eram os dos engenheiros C. Ladeira Roca, Eduardo Engler, Afonso Samartino, José David e Felix Schenizielow. Em 1924, os estudos definitivos foram aprovados pelo Presidente do Estado, Sr. Carlos de Campos. Em 28 de março deste ano, houve uma grande comemoração em Fartura, para comemorar "o lançamento das últimas balisas das picadas que estão sendo abertas para a construção da estrada de ferro". A licença para a sua construção, no entanto, somente foi dada em no final de junho (O Estado de S. Paulo, 28/6/1924).

As obras, que deveriam começar imediatamente, foram sendo postergadas. No início de janeiro de 1925, elas ainda não tinham sido iniciadas e houve de ser emitida sucessivas prorrogações do prazo concedido para o início dos trabalhos. Em fevereiro, o governo assinou o contrato para as obras com o Sr. Fragoso.

Porém, somente em 26 de agosto de 1925 finalmente foram iniciadas, com festas, as obras que, pelo que entendi, ligariam inicialmente a estação de Itararé e o posto telegráfico do Cerrado, no km 15 da ferrovia. 

Estas obras prosseguiram até novembro de 1926 aparentemente sem grandes percalços. Entretanto, a essa altura, os pagamentos para os trabalhadores estava sendo feito pela empresa construtora, a Lafayette, Siqueira e Cia., que, por sua vez não estavam recebendo os repasses contratuais que deveriam estar sendo feitos pela Cia. Estrada de Ferro Itararé-Fartura. 

Em abril de 1927, os operários estavam sem receber os quatro últimos salários mensais. No início, a construtora continuou afirmando que não estava recebendo o repasse da empresa propriatária. Logo depois, porém, desapareceram e a obra foi paralisada. Nesta altura, pelo que se conta, alguns quilômetros de trilhos tinham sido assentados e a estação inicial estava praticamente pronta, tendo sido feita nos altos da cidade de Itararé. Também estava pronto um viaduto de pedras da linha sobra a rua Treze de Maio, no limite da área sul da cidade. Esta estrutura é a única coisa que sobrou desta ferrovia, existindo até os dias de hoje sem qualquer função.

Não se sabe se o problema financeiro foi resolvido então. Aparentemente, como sói acontecer neste triste país em que vivemos, tudo ficou por isso mesmo e os trabalhadores, e provavelmente a empresa contratada também, tiveram de arcar com seus prejuízos. Aparentemente a sequencia de repasses foi parada no primeiro elo: o Governo do Estado, que era responsável pelo empréstimo de metade do valor do financiamento total da estrada. A empresa proprietária também parece ter parado de pagar sua parte à construtora. 

No final de abril de 1927, o presidente Carlos de Campos faleceu ainda no cargo. Foi substituído por Dino Bueno em caráter interino, até a posse do novo Presidente, Julio Prestes, em 14 de julho. Em 16 de maio, Dino ainda assinou um decreto desapropriando terrenos na comarca de Itararé. Depois de empossado em julho, Julio, pelo que se conta, teria abandonado de vez qualquer repasse do empréstimo.

Este mapa, desenhado sobre um mapa do Google Maps em 2017, mostra o que poderia ter sido as linhas da Itararé-Fartura caso lhe fosse realmente anexada a linha da Santos-Juquiá em 1927. Recomenda-se clicar sobre o mapa para vê-lo em maior tamanho. A linha amarela, à esquerda, mostra o que deveria ser a Itararé-Fartura conforma idealizada no seu início. A linha vermelha à direita mostra  a linha Santos-Juquiá em 1926. A linha preta mostra as ligações propostas Juquiá-Buri e Juquiá-Itapeva-Itararé. A linha azul mostra a ligação proposta Juquiá-Itararé via Ribeira. As linhas carmin mostram o tronco da Sorocabana (SP-Ourinhos) e o ramal de Itararé (Iperó-Itararé) em 1928.

Porém, há vários outros problemas a se considerar: a entrada, no final de 1926, de uma oferta de venda da Southern São Paulo Railway (que depois foi incorporada à Sorocabana e se tornou o ramal Santos-Juquiá) para a E. F. Itararé-Fartura, parece ter sido uma manobra para o Estado se livrar da sua parte do pagamento do financiamento para a ferrovia. Isto pode ter sido uma das prováveis causas de todo o problema do pagamento a ser repassado para a sua construção. 

A Santos-Juquiá, uma ferrovia de capital inglês então já operando havia 13 anos e com volume de cargas muito baixo por atravessar uma zona litorânea então muito pobre na época, não tinha renda suficiente para ser uma solução. Ela estava sendo anexada pelo governo paulista para que não fechasse e deixasse à míngua os transportes da região.

Não se sabe exatamente o porque de se supor que a SSPR pudesse ser uma solução para a EFIF, mas algumas notícias da época afirmam que a ligação da primeira com a segunda, feita ou em Itararé, ou em Itapeva ou em Buri, todas estas três estações do ramal de Itararé da Sorocabana, poderia resultar em mais cargas para o transporte da EFIF e também de uma ligação desta com o porto de Santos.

Julio Prestes começou a investir pesadamente na Sorocabana. Em 1927 ele iniciou a construção da estação que hoje leva seu nome no centro de São Paulo e, logo depois, iniciou a construção da linha Mairinque a Santos. Por que ele se importaria com uma ferrovia particular e muito menor e que ainda estava longe de ser terminada? Além disso, pelo menos em teoria, a EFIF seria um agente desviador de cargas da Sorocabana. Prestes, também, no mesmo ano de 1927, determinou a incorporação da SSPR e, logo depois, sua anexação à estatal Sorocabana. Note-se também que a linha desta última foi em parte utilizada para o traçado da Mairinque-Santos na baixada (Paratinga-Santos).

Nos anos seguintes, cada vez menos ouviu-se falar da E. F. Itararé-Fartura. Em 1946, a Sorocabana fez correr a notícia de que poderia reativar as obras da EFIF, o que jamais ocorreria.

(Este post foi atualizado em 22 de novembro de 2017)

terça-feira, 13 de outubro de 2015

COMO SE ACABA COM 900 KM DE FERROVIA ELIMINANDO 150

Mallet era assim em 1900...

Uma das coisas que mais me intrigam na história nem tão deslumbrante das ferrovias brasileiras é a insensatez de certas decisões tomadas pelos dirigentes que por ela passaram.

Curiosamente, a maior parte das decisões errôneas e, em alguns casos, surpreendentes, foram tomadas durante o período em que as estradas de ferro eram estatais.
...e em 2000 estava assim (Foto Luciano Pavloski)

Bom, não é tanta surpresa assim. Após 1961, todas elas já eram estatais. A  última a ser privatizada foi a Companhia Paulista, em meados de 1961. Antes dela, foram estatizadas a Mogiana (1952), a Leopoldina (1950), a Great Western (1950), a E. F. de Ilhéus (1950), a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (1942) e a São Paulo-Paraná (1944). As outras ferrovias brasileiras foram para as mãos dos governos estadual e federal antes disso.

As decisões de erradicação de ramais inteiros ou dos seus trens de passageiros somente se deram a partir de 1956. Não por tanta coincidência assim. Afinal, em 1957, a RFFSA foi formada. Somente as ferrovias de São Paulo que pertenciam ao governo estadual e mais a Companhia Paulista, ainda então particular, ficaram de fora. Com a estatização desta, começou-se imediatamente a se falar sobre a formação da futura FEPASA, que se deu em 1971. Porém, durante os anos 1960, as estradas de ferro paulistas já passaram a ser tratadas como se fossem uma só.

Uma das maiores bobagens que vi ter sido feita foi a erradicação da linha férrea entre Irati, no Paraná (mais precisamente, a estação de Engenheiro Gutierrez) e a de Porto União da Vitória, na divisa deste Estado com o de Santa Catarina, em 1996.

Por mais que possam dizer o contrário, não se justifica que um trecho de linha com menos de 150 quilômetros e parte de um total de 890 quilômetros (de Itararé até o rio Uruguai), possa ter quebrado uma das linhas mais importantes do Brasil, por ligar São Paulo e Rio de Janeiro ao sul do país.

Dirão alguns: já havia outra (o Tronco Principal Sul), que também descia para o sul, pronta desde 1970 (São Paulo - Ponta Grossa - Rio Negro - Lajes - General Luz) e com traçado mais moderno, mais recente.

Porém, esta linha passa por região despovoada.

Os trens de passageiros da Itararé-Uruguai existiam desde 1900 e terminaram em 1983, não por acaso, no mesmo ano em que a grande cheia desse ano inundou diversas partes da linha.

A quebra de linha teria tido como motivo, entre outros, o de que nunca mais se repusesse esses trens? Pouco provável, pois eles já haviam sido eliminados treze anos antes.

A linha era ruim? Ora, nesse caso, por que não se eliminar a linha inteira e não somente um trecho no meio dela?

Essa quebra inviabilizou o trecho catarinense (Porto União da Vitória - Rio Uruguai), pois, para se seguir por esta linha vindo do norte, os trens, cargueiros ou não, passaram a ter de vir de Ponta Grossa via Mafra, dobrar para oeste e chegar a União da Vitória e descer para o interior catarinense.

Foi evidente que as cargas diminuíram tanto no trecho que a concessionária que ficou com a linha não se interessou por ela. Aliás, é um verdadeiro milagre que os trilhos ainda existam no trecho apesar de estarem em mau estado e sujeitos a inundações no rio do Peixe, que acompanha a linha muito de perto.

Seis cidades perderam sua linha e, com estradas longe de serem ideais, definharam, pois nasceram com a ferrovia: Rebouças, Rio Azul, Mallet, Paulo de Frontin, Paula Freitas e União da Vitória e mais quatro bairros, Roberto Helling, Minduí, Dorizon e Vargem Grande. Isso, fora as muito mais cidades catarinenses que a mantiveram, mas com a linha abandonada e sem tráfego, como Porto União,

Também com essa manobra de quebra de linha inviabilizou-se o trecho da linha do São Francisco entre Porto União e Mafra, que está na mesma situação: sem trens de qualquer espécie e com trilhos em mau estado. Afinal, ele hoje dá acesso apenas à linha até o rio Uruguai.

Durante todos os anos em que a ALL vem sendo a concessionária do trecho, ou seja, desde 1997, muitas cidades do percurso Mafra - rio Uruguai vêm tentando ter cargas transportadas pela ferrovia, sem qualquer interesse por parte da ALL.

Como diz o Pernalonga: "That´s ALL, folks!" Lamentável.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

DE SÃO PAULO A PORTO ALEGRE DE TREM - EM 1935



 Trem de passageiros em Uruguai, SC, a poucos quilômetros de Marcelino Ramos, anos 1950 (Acervo Joeli Laba).
Depois da “reorganização” da Brazil Railway em 1918/1920, as ferrovias entre São Paulo e Porto Alegre passaram a ter administrações independentes e proprietários diferentes. O artigo abaixo, publicado em diversos jornais do Brasil com o nome de “O Senso da Velocidade” em outubro de 1935 e escrito por Sud Mennucci, meu avô, que viajou por essa linha nessa época para atender à Exposição Comemorativa dos 100 anos da Guerra dos Farrapos, em Porto Alegre, mostra uma crítica severa ao sistema que nesse momento era gerido por três ferrovias diferentes – a Sorocabana, a RVPSC e a VFRGS. Basta ler um detalhe do texto sobre a viagem de automóvel de Sud de Florianópolis a São Paulo, passando por Curitiba, dois anos antes (1933):

“Uma vez em Curitiba, esperava-me o meu Fordinho, que viera de São Paulo no mesmo dia da minha chegada. Estava resolvido que iríamos a São Paulo de auto, para encurtar a viagem”.

Ou seja, em 1933, já era mais rápido ir de Curitiba para São Paulo pelas péssimas estradas de rodagem de então, do que pelo trem. Além do mais, eram comuns as viagens interrompidas devido a enormes pinheiros que caíam sobre a linha na hora da derrubada pelas madeireiras, sempre próximas à linha. A retirada podia demorar horas. Na verdade, a duração da viagem tanto criticada pelo autor jamais foi reduzida substancialmente, pois as paradas continuaram sendo muitas e a linha, quando teve uma alternativa de trajeto mais de 30 anos mais tarde, jamais transportou passageiros – o Tronco Sul de 1969.

Abaixo, o texto de Sud em 1935.

“Civilização e velocidade são hoje sinônimos. Desde Marinetti, no seu célebre manifesto de 1909, ninguém mais põe em dúvida, em nossos dias, que a característica fundamental da civilização é o senso da velocidade das massas. E pode dizer-se, sem intuito de fazer paradoxo, que a civilização de um povo é diretamente proporcional ao seu sentido de velocidade nas relações humanas. Diz-se que esse conceito partiu da verificação inglesa de que “tempo é dinheiro”.

(...) Um exame, mesmo superficial, do Brasil, quanto à sua aquisição deste sentido moderno, revela-nos que andamos com o nosso relógio muito atrasado. A não ser São Paulo e o Rio de Janeiro, em que a preocupação da rapidez já se insinuou até entre as mais baixas camadas sociais, tudo o mais está fora da regra universal. Em São Paulo esse aspecto constata-se na luta entre a estrada de ferro e a de rodagem. (...) Ainda agora, a mais poderosa empresa ferroviária do Estado, a mais bem organizada do País e talvez da América do Sul, a Companhia Paulista, está modificando toda a superestrutura de sua via permanente entre Jundiaí e Rincão (286 km de linha eletrificada) para fazer com que os seus trens corram, em média, 100 km horários, de maneira que dentro em breve se possa ir em pouco mais de três horas de São Paulo a Araraquara.

(...) E no resto do Brasil? (...) Tornou-se patente o fenômeno ainda recentemente, com a inauguração da Exposição Farroupilha. Muita gente de São Paulo desejou ir à terra gaúcha tomar parte nos festejos comemorativos da maior guerra interna que o Brasil teve e muita gente desistiu diante do tamanho da viagem ferroviária. Alegar-se-á que restavam outros dois recursos: o mar e o aeroplano. Contudo, as passagens estavam tomadas e havia a maior dificuldade em conseguir lugar. O avião ainda é artigo de luxo em nosso País, que custa quatro vezes mais que o transporte por estrada de ferro. A solução mais fácil e mais cômoda economicamente era, portanto, a do trem de ferro. Entretanto, a viagem assustou inúmera gente.

(...) Porque é impossível imaginar, entre São Paulo e Porto Alegre, uma viagem mais lenta, mais descansada, mais carro-de-boi... Examinemo-la sem pressa. De São Paulo a Porto Alegre há 2.216 km de linha férrea, compreendendo três estradas diferentes: a Sorocabana; a São Paulo-Rio Grande e a Viação Gaúcha. O primeiro trecho é de 409 km; o segundo, de 884 km; o terceiro de 923 km. Tempo de trajeto normal, 88 horas. Quer dizer, sai um cidadão de sua casa às 16 horas de um sábado, na Paulicéia, para chegar a Porto Alegre às 8 da manhã de quarta-feira. Isso dá uma média de 25 km por hora (...) As máquinas são boas e podem fazer, sem esforço, 35 km horários. E isso reduziria a viagem a cerca de 64 horas, ganhando, portanto, 14.

Quais são esses motivos? O primeiro e mais importante é o vício das paradas dos trens. Os comboios, apesar de se destinarem a uma tão longa viagem, não conduzem, inexplicavelmente, o carro-restaurante. A não ser de São Paulo a Itapetininga e num trecho do Rio Grande do Sul, os trens viajam sem esse já hoje indispensável elemento de conforto. Resultado: de cinco em cinco horas, o trem para meia hora para alimentar os passageiros. Depois, em Marcelino Ramos, nas divisas do Rio Grande, demora-se mais de seis horas; em Passo Fundo, mais de uma hora; em Santa Maria, mais de duas. Tudo somado, há uma perda de treze horas de trajeto. (...) Subtraiam-se essas treze horas do total de oitenta e oito horas e teremos que, sem a menor dificuldade, sem a menor reforma, bastando apenas anexar um carro-restaurante aos trens e eliminar as paradas, já se poderia fazer a viagem em 75 horas.

Mas para isso, seria mister que existisse nos homens, tanto nos da direção das estradas de ferro, como na massa da população que viaja, “o sentido da velocidade”. E é esse que falta. Setenta e cinco horas de viagem para 2.216 km de distância, contudo, não elevam a média horária nem mesmo a 30 km. E como no trecho paulista (São Paulo-Itararé) a média é de 35 km, ficaria para o resto uma velocidade de 28 km por hora. (...) De Itararé em diante, até Santa Maria da Boca do Monte, o trem para em todas as estações, por insignificantes que sejam. (...)  E em trens de grandes percursos, como esse, as paradas precisam ser reduzidas ao mínimo, só para as grandes cidades, a fim de que a locomotiva tenha espaço para desenvolver toda a sua potência. (...) Suprimidas as paradas dispensáveis, a fim de elevar a velocidade média horária a 35 km, o trajeto poderia ser realizado em 63 ou 64 horas, ganhando-se, portanto, um dia de viagem sobre o atual, e sem fazer modificação nenhuma de caráter extraordinário, que implicasse em gastos ou em ônus para as estradas de ferro.

Porque, se as estradas quisessem enveredar pelo caminho das obras e gastar de verdade, no intuito de reduzir a distância e o tempo, pode assegurar-se que a viagem São Paulo-Porto Alegre, mesmo na estrada de ferro da bitola de um metro, é passível de realizar-se em dois dias. (...) É um verdadeiro absurdo que entre São Paulo e Porto Alegre se haja estendido uma linha férrea com 2.200 quilômetros de comprimento, quando esse mesmo traçado, tocando nos mesmos pontos terminais dos Estados em que toca hoje (São Paulo Itararé Porto União Marcelino Ramos Porto Alegre) de pouco ultrapassará 1000 quilômetros. A linha atual é, portanto, mais do dobro da linha reta.

(...) Para dar uma idéia do que foi o traçado da São Paulo – Rio Grande basta citar alguns exemplos frisantes: de Itararé a Jaguariaíva, a distância, em linha reta, é de 40 quilômetros. Admitindo-se os 20 por cento adicionais que as estradas de ferro precisam para o seu desenvolvimento, teríamos, no máximo, um trecho de 50 quilômetros. Pois a ligação tem apenas 98, isto é, o dobro! Entre Jaguariaíva e Castro, há, em reta, pouco mais de 50 quilômetros. Com os 20 por cento adicionais, teríamos, no máximo, 65. Pois o traçado achou jeito de chegar a quase 100.

Entre Porto União e Marcelino Ramos, isto é, entre o rio Iguaçu e o rio Uruguai, a distância é de 160 quilômetros, que dariam um máximo de 200 de extensão férrea. Pois há nada menos de 368 quilômetros. (...) A linha férrea segue religiosamente as cotas de nível do terreno e serpenteia ao sabor das elevações e das colinas, procurando sempre o caminho de menor resistência para evitar a construção dos viadutos, cortes e aterros e outras obras de arte. Conta-se que o Presidente Penna, ao inaugurar o trecho Itararé-Jaguariaíva, viajava na frente da locomotiva. Ao verificar uma série de curvas seguidas e muito próximas umas das outras, em terreno relativamente chato, indagou se havia alguma outra estrada de ferro em construção, tal a direção que a linha tomava em certos pontos, completamente contrária àquela que a locomotiva estava fazendo. Responderam-lhe que não e que o trem iria passar sobre os trilhos que ele estava vendo. O presidente sorriu. – Eu sou apenas um bacharel – acrescentou – mas parece-me que essas curvas são perfeitamente dispensáveis aqui, onde não se vê a necessidade de ganhar elevação. Enfim... os técnicos são os senhores...

(...) No caso presente, do encurtamento da linha São Paulo-Porto Alegre, a curva maior, contudo, é a que fica além de Marcelino Ramos. Desta estação à Capital gaúcha, adotou-se como trajeto o caminho mais estranho que se podia. (...) O caminho mais curto para ir a Porto Alegre seria o de Passo Fundo a Montenegro, mas a estrada preferiu o outro e deu a volta (...) E essa volta tem um comprimento total de 923 quilômetros, quando o outro caminho poderia ter, com toda condescendência, no máximo 500 quilômetros, como vamos demonstrar. (...) Se no trecho Itararé-Marcelino Ramos que, como vimos, tem 884 quilômetros, a supressão das curvas não fosse além dos 250 quilômetros, embora a distância em reta não chegue a 450 quilômetros, concluiríamos que o comprimento da linha São Paulo-Porto Alegre não iria além do seguinte: São Paulo-Itararé, 409; Itararé-Marcelino Ramos, 634; Marcelino Ramos-Porto Alegre, 504; total, 1.547. Com a velocidade horária de 35 quilômetros pode fazer-se o trajeto em 48 horas folgadas.

(...) O Brasil, desgraçadamente, é ainda um país cru.”

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

"SEREMOS LEMBRADOS..."

Estação de Itararé, já desativada e sem trilhos, em foto de José Fernando Bacelar em 2012
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Uma reportagem hum jornal (creio que o New York Times) sobre a velha Pennsylvania Station, em New York, a Penn Station, de meados dos anos 1960, chamou-me a atenção por uma frase, justamente a que terminava o artigo.

O texto falava sobre a demolição do prédio da gigantesca e lendária estação ferroviária de Nova York, que ocorreu nessa época. Dizia que era injustificável, que era um prédio magnífico, etc. A questão aqui não é comentar o artigo: é apenas compará-lo com a nossa realidade.

Embora a memória ferroviária (e em geral) nos Estados Unidos tenha se desenvolvido muito mais rápido do que no Brasil - no Brasil dos anos 1960 ainda era muito mais forte o sentimento "anti-velharias" do que existe hoje - ainda se demolia por lá muitas construções épicas. Porém, os prédios históricos eram realmente conservados. Demolir a Penn Station parece ter sido uma tragédia. E talvez tenha sido mesmo.

Não há, no entanto, nenhuma estação ferroviária que possa ser comparada com a Penn Station em importância e tamanho. Em beleza, pode ser discutível. Se considerarmos as maiores estações brasileiras - estou aqui falando de "estações" no sentido popular da palavra,, ou seja, o prédio que abriga a bilheteria, sala do chefe e as plataformas de embarque e desembarque de passageiros, independentemente se ela tiver agregada em suas instalações escritórios de pessoal administrativo, armazéns, etc.. Ou seja, a definição clássica de estação ferroviária, que é todo o pátio com todas as linhas e edifícios que ele possui não é o que considero neste caso. E, mesmo se fosse, também não haveria comparação.

A frase, portanto, não se aplica no Brasil à parte ferroviária? Em parte sim. Mas eu concordo totalmente com a frase? Qual é a frase, afinal? Traduzindo-a, é a seguinte: "Corremos o risco não de ser lembrados pelas construções que fizemos, mas sim pelas construções que destruímos".

Na verdade, nenhuma das grandes estações brasileiras foi demolida até hoje; enquanto algumas foram bem preservadas, outras estão abandonadas ou em ruínas. Porém, todas têm recuperação, mas, repito, nenhuma se compara com uma Penn Station em tamanho. Quais são as maiores estações paulistas (consideremos aqui áreas projetadas e também que não tenho as essas medidas, apenas algumas noções visuais de tamanho)?

Sem colocá-las por ordem (não falo de pátios, repito), devem ser, salvo esquecimentos ou eventuais enganos: Luz, Julio Prestes, Braz (considerando que ali três estações se juntaram - Braz da SPR, Roosevelt e Braz-metrô), Cachoeira Paulista, Itararé, Bauru... Araraquara? São Carlos? Ribeirão Preto, a nova? Piracicaba da Sorocabana? Dois Córregos?

Fora de São Paulo: Porto Novo do Cunha, Chiador, Barão de Mauá, Dom Pedro II, Belo Horizonte, Calçada, Uberlândia (a nova), Goiânia, Araguari da E. F. Goiaz, Central de Pernambuco, São Luís, Campos, São Francisco (Alagoinhas). Deve ter mais algumas.

A frase ajusta-se mais a outras construções. A cidade de São Paulo foi provavelmente a cidade brasileira que mais sofreu com a demolição de construções não tão antigas, porém magníficas e que deveriam ter permanecido para sempre. Curiosamente, com as estações de trem isso aconteceu apenas com as pequenas. Mas com prédios maravilhosos como os Palacetes Prates, o Jardim de Infância da Caetano de Campos, diversas casas na avenida Paulista, na Brigadeiro Luiz Antonio, por exemplo, isso ocorreu.

Não aprendemos, nunca aprenderemos, até porque, primeiro, as áreas onde essas casas foram demolidos eram locais valorizados. O dinheiro sempre vence. principalmente onde a cultura de preservação é pequena. Ainda mais quando os casarões não conseguem ser mantidos pelos herdeiros, que não têm capacidade de bancar a manutenção caríssima das belas construções, antes residências. É por isso que sobram pouquíssimos na cidade.

Realmente, nós, paulistanos e brasileiros, seremos lembrados mais pelos edifícios que destruímos do que pelos que ainda existem.

domingo, 18 de dezembro de 2011

BELAS ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS DE SÃO PAULO

Estação de Itararé no ano de sua construção - 1912
Nos tempos em que a construção de estações ferroviárias eram feitas com algum critério, houve em todas as empresas uma preocupação de seguir determinados parâmetros para diferenciar as suas construções das de outras categorias de estações e de empresas concorrentes.

Geralmente estações com mesmas tipologias caracterizam um período de construções. Uma das tipologias mais marcantes foi a da Sorocabana, que edificou determinadas estações com uma tipologia característica dos anos 1910. Todas as estações que são mostradas neste artigo - sete, ao todo - foram construídas por volta do ano de 1911.

Não sou arquiteto e portanto não sei descrever o tipo de construção. Mas também não sou cego e posso ver que todas elas tinham determinadas características que as tornaram bastante semelhantes - ou "iguais", para facilitar. Não são iguais, mas são muito parecidas. Um das coisas que varia em todas é o tamanho (comprimento e altura dos torreões). Uma a uma, são as seguintes, lembrando que eventualmente posso ter deixado de relacionar alguma que exista ou tenha existido.
A maior delas é a estação de Itararé (acima), no ponto em que a Sorocabana se juntava com a E. F. São Paulo-Rio Grande, depois Rede de Viação Paraná-Santa Catarina - RVPSC.
Outra, a de Angatuba (acima), também no ramal de Itararé.
A de Bom Jardim (acima), no ramal de Bauru, desativada muito cedo (anos 1940) e hoje já demolida, depois de anos de abandono. Ficava no município de Agudos.
Aqui, a de Luiz Pinto (acima), na linha-tronco da Sorocabana, no município de Ipauçu.
A de Piapara (acima), antiga Alambary e situada no meio do nada, no município de Anhembi e que funcionou até 1952, quando a linha-tronco da Sorocabana naquele trecho foi substituída por uma variante entre Juquiratiba e Botucatu.
A de Vitória (acima), mais tarde Vitoriana, também no mesmo trecho de Piapara e localizada na zona rural de Botucatu.
Finalmente, a de Indaiatuba (acima), no ramal de Piracicaba da Sorocabana.

Notem a semelhança entre as construções e admirem belos prédios - que continuam belos mesmo mal cuidados.

terça-feira, 19 de abril de 2011

DESVIO MORTO


A fotografia acima, tomada em 1997 por André Luiz de Lima em Itapeva, é interessante: o ramal ferroviário que parte para a direita era, na verdade, parte integrante da linha que vem da estação antiga de Itapeva e vem de baixo da fotografia. A linha que segue em frente e passa por baixo do viaduto somente foi construída muito depois.

Pois então: o "ramal" era a linha que ligava São Paulo ao sul do país. Passava por Itararé, Jaguariaíva e chegava a Ponta Grossa. Daí seguia para Porto Alegre, Uruguai e Argentina.

A linha que foi entregue em 1969 e segue em frente passa pela estação de Nova Itapeva, cujo pátio está logo depois do viaduto. É uma estação ativa hoje, para a ALL. Fui muito bem recebido pelo pessoal que trabalhava lá no ano de 2007, quando a visitei. Até mandaram o trem que estava partindo da estação no sentido de Tatuí esperar, para que eu fosse até ele fotografar...

Porém, já nessa época o ramal havia sido arrancado. Até Jaguariaíva, tudo foi erradicado. As estações de Itararé, Engenheiro Maia e outras, inclusive Sengés, no Paraná, perderam suas funções. Quase todas as estações desse intervalo foram demolidas, inclusive as duas últimas citadas.

Hoje, o trem que segue para o sul segue pela linha nova, por Pinhalzinho (na divisa SP-PR) e um trecho semi-deserto até chegar a Uvaranas, em Ponta Grossa. Trens de passageiros jamais passaram nessa linha. Só cargueiros mesmo.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O RECENSEAMENTO DE 1940

Ribeirão Preto
Já falei deste assunto antes. Aqui, mais algumas fotos do Censo de 1940, do qual meu avô Sud Mennucci foi o Diretor para o Estado de São Paulo.

A foto principal foi tirada em frente à Escola Normal de Ribeirão Preto. Sud em primeiro plano, de óculos e sem o chapéu na mão.
Itararé
A outra foto mostra a sede da Delegacia Censitária em Itararé. Meu avô está em primeiro plano, em frente à porta, de lado, olhando para uma criança.
Itararé
A última fotografia foi tirada de sobre a ponte sobre o rio Itararé, mostrando a entrada do Estado de São Paulo, na divisa com o Paraná, em Itararé.

Sud viajou mais do que o normal nessa época. Embora muitas das viagens durante esse censo de 1940 tenham sido de automóvel, a maioria parece ter sido mesmo por trem.

Para Itararé, Sorocabana. Para Ribeirão Preto, Mogiana. Como delegado, Sud visitou praticamente o estado inteiro. Tenho sérias dúvidas que um delegado censitário estadual - suponho que o cargo ainda exista durante os recenseamentos - faça a mesma coisa hoje em dia.

sábado, 4 de dezembro de 2010

NO FIM DO MUNDO, ENGENHEIRO MAIA

1986 - somente ruínas

Uma das estações ferroviárias que desapareceu nos últimos anos foi a de Engenheiro Maia, nome dado em homenagem ao engenheiro Alfredo Maia, que trabalhou para diversas ferrovias, onclusive a Sorocabana, especificamente nesta para a construção do ramal em que a estação estava: o ramal de Itararé.

1912 - a estação pronta, nova e operando

Construída entre 1909 e 1912, inaugurada em 1909, o tipo de construção que ela tinha dava a entender que ali deveria ser - ou vir a ser - local importante para o embarque e desembarque de mercadorias e passageiros. Era a única estação do município de Itaberá, entreos de Faxina (Itararé) e Itararé, sendo, porém, bastante distante da sua sede (23 km) e quase às margens do rio Pirituba, que, aliás, deveria nomeá-la, sendo preterido em lugar de Ibiaté e, finalmente, de Engenheiro Maia, já na sua abertura.

1973 - pouco movimento ainda na estação

Os relatórios da ferrovia, no entanto, sempre acusaram números muito baixos de embarque de cargas na estação, mesmo existindo ali a junção de um ramal industrial da Cia. Agrícola e Industrial de Angatuba. O número de passageiros também era pequeno; realmente, o local permanece com aspecto totalmente rural, mostrando que, com números baixos, não havia razão para crescer e se urbanizar, mesmo com o casa do Barão de Antonina ser ali localizada.

1997 - fora a linha, nada mais do pátio da estação

Enfim, em 1986, a foto que existe num dos raros documentos com fotografias da FEPASA - o relatório de instalações fixas - já mostram um prédio abandonado e em ruínas. Sobraram, no entanto, algumas poucas casas, muito bonitas e simpáticas, da antiga vila ferroviária, mas as fundações da estação - e até a plataforma de concreto - já desapareceram desde 1997 pelo menos, quando estive lá. Ainda existia a linha, mas já desativada havia pelo menos 5 anos e que foi arrancada 4 anos depois.

2006 - A mais bela casinha ali. Nem mesmo a casa do Barão de Antonina sobreviveu.

O local ainda é bastante isolado. A última vez que fui lá foi em 2006. O acesso da estrada Itapeva-Itararé para lá (um quilômetro e meio) ainda era de terra. O pessoal da casa com quem eu estava conversando disse que o dono tinha ido até Itaberá pegar uns papeis - como disse, longa viagem, 37 quilômetros. Apesar de tudo, o local é muito calmo e agradável. Vale uma visita ali e na região. Mais sobre Engenheiro Maia aqui.