segunda-feira, 30 de março de 2009

O GEPETO DE SÃO SIMÃO

A foto acima é uma das mais belas fotos que já vi. Ela mostra minha irmã e meu tio Siqueira nos jardins do Museu do Ipiranga, em 1950. Não é somente por ter pessoas que conheço – no caso de meu tio, ele já se foi – mas também pela expressão dele de felicidade naquele momento.

Tio Siqueira, meu tio-avô, era de São Simão, onde nasceu em 1893. Estudou farmácia e odontologia na rua Três Rios, onde estudava em 1914. Dois anos depois, casou-se com minha tia Angélica, irmã de minha avó materna, em Porto Ferreira, numa cerimônia dupla, em que se casaram também o irmão de Angélica, Joaquim, com sua noiva, de família da mesma cidade. Logo depois do casamento, Angélica formou-se na Escola Normal de Pirassununga e se foi com seu marido para São Simão. Alguns anos depois, era diretora do grupo escolar da cidade. Em São Simão, Antonio Siqueira de Abreu, a quem até a esposa o chamava de Siqueira, tinha lá uma farmácia. Cidade pequena, já em começo de decadência – o município de São Simão tinha uma importância bem maior no século 19 – Siqueira tornou-se prefeito de lá na época de Vargas, em 1935.

Algum problema político houve com ele que o deixou por demais desgostoso. São fatos muito antigos, eu jamais soube o que foi exatamente, mas seu mandado de prefeito esteve longe de ser uma maravilha. Não sei por culpa de quem, mas foi um fato. O casal decidiu-se então por mudar para São Paulo, onde estava a maioria dos irmãos de sua esposa – e assim o fizeram, por volta de 1939.

Angélica conseguiu ser transferida para ser diretora de um grupo escolar no bairro da Lapa, e eles então alugaram uma casa exatamente na rua Guaicurus, 77. A rua tinha linha de bonde, então era fácil para eles naquela época tomar o bonde e ir para a Vila Mariana, onde estava a maioria da família de Angélica e, principalmente, o casal Maria, sua irmã, e Sud Mennucci, o “protetor da família Silva Oliveira”. No final dos anos 1940, talvez por causa da aposentadoria de Angélica, o casal se mudou para uma casa alugada na rua Vergueiro, 2024, entre as ruas Tamoio e o largo Ana Rosa, na Vila Mariana, a cerca de 4 quarteirões da casa de Maria. Rua movimentada, estreita, diferente de hoje, bem larga, a rua tinha grande movimento de ônibus e era calçada com paralelepípedos. Quando eu ia dormir na casa de meus tios, nos anos 1950 e 1960, a casa toda tremia no segundo andar quando os ônibus passavam em relativa alta velocidade: não havia laje, somente piso de madeira escorado por vigas também de madeira. Era comum eu e tia Angélica tomarmos o bonde todos os dias para descer na esquina da rua Capitão Cavalcanti, onde minha avó morava, isto entre os anos de 1958 e 1966, quando vovó se mudou para o Sumaré.

No quintal dos fundos da casa, Siqueira mantinha uma oficina, como ele a chamava. Era um barraco de madeira onde ele tinha guardado tudo que era tipo de material que ele pudesse conservar: pedaços de madeira, latas usadas, material para massa de gesso e muitas, muitas, ferramentas e máquinas. Ele adorava fazer bonequinhos de gesso. Produziu, em meados dos anos 1940, bonequinhos moldados em massa com as figuras de Walt Disney. Ingênuo, ficou surpreso quando um dia foi visitado por um representante da Disney no Brasil que o proibiu de continuar fazendo os bichinhos, pois para tal, precisaria tirar e pagar por uma licença para isso. Ele não os fez mais, mas continuava fazendo bonecos e brinquedos para os meninos da família inteira, inclusive eu. Era o Gepeto de São Simão.

No fim dos anos 1960, o Metrô desapropriou a casa, e Siqueira e Angélica tiveram de se mudar. Siqueira nunca aceitou o fato – ele gostava do local. Ficou realmente desgostoso, mas em 1969, foram para ali perto, na rua Nicolau de Souza Queiroz, em outra casa antiga. O espaço para a oficina era menor, mas Siqueira não teve muito tempo para aproveitá-lo: num (não tão) belo dia, um caminhão o atropelou em frente de casa, onde fazia manobras. Siqueira jamais se recuperou, foi ficando cada dia mais doente e esquecido, mas com alguns rompantes de memória dos quais ainda me lembro: meu filho Alexandre nasceu em 1976, e tio Siqueira sempre perguntava dele – e ele a essa altura já reconhecia poucas pessoas.

Em agosto de 1977, próximo ao seu aniversário de 84 anos, ele faleceu no hospital. Angélica, viúva, mudou-se para uma casa a meio quarteirão da casa de Maria – que já havia voltado para a Vila Mariana, agora na rua Maracaju. Levou para lá o que sobrou da oficina e aos poucos foi fazendo limpeza em tudo. Algumas coisas, alguns bonecos, tenho-os até hoje. Angélica morreu em 1993, com 95 anos, na casa de Maria, que já tinha falecido sete anos antes.

3 comentários:

  1. Eu me lembro dessa casa da tia ngélica perto da Rua Maracaju. Quer dizer, lembro-me de uma televesião bem antiga que ficava próximo à entrada da casa.

    ResponderExcluir
  2. Muito bonito este post... Só que eu sempre achei que quem era da familia era a Tia Angelica, pq era ela que morava na casa da bisa Maria..... hehe

    ResponderExcluir
  3. Olá Ralph!
    Acabo de viajar pela querida Vila Mariana da minha infância também, posto que meu avô residia à Rua Vergueiro e seu consultório ficava na Domingos de Morais. É sempre agradável visitar seu Blog.
    Um abraço,
    Heloísa Mansur (Leme, SP)

    ResponderExcluir