sábado, 22 de agosto de 2015

A SOROCABANA ACABA COM O RAMAL DA YTUANA (1970)

Velhos tempos: a baldeação na estação de Jundiaí para se chegar de trem a Itaici e a Piracicaba (autor desconhecido).

Quais foram as três primeiras linhas ferroviárias abertas no Estado de São Paulo?

Resposta: São Paulo Railway (Santos a Jundiaí), 1867; Cia. Paulista (Jundiaí a Campinas); e Cia. Ytuana (Jundiaí a  Pimenta, em Indaiatuba), também 1872, mas em novembro. Depois vieram muitas outras.

As duas primeiras ainda estão em atividade, como cargueiras ou passageiros. A última foi desativada em 1970 pela Sorocabana (que era a dona da linha desde 1892). Porém, a desativação desta linha foi uma verdadeira novela de enrolação. Aliás, ela foi desativada no trecho Jundiaí a Itaici. Este prolongamento de Pimenta a Itu, passando por Itaici, ocorrera em 1873.

Em janeiro de 1970, o esquema das linhas ex-Ytuana era o seguinte: A linha começava em Jundiaí, chegava a Itaici, onde havia um entroncamento com o ramal de Piracicaba e com a linha que vinha de Mairinque e passava por Itu. Também havia uma linha que ligava Itaici a Campinas.

Havia tráfego de passageiros em todas elas. Havia um trem que fazia o percurso Jundiaí - Itaici - Piracicaba e outro que fazia o percurso Mairinque - Itaici - Campinas.

Choveu bastante em janeiro. A linha Jundiaí - Itaici teve problemas e foi paralisada em 16 de janeiro, tanto para cargas quanto para passageiros. Em 5 de fevereiro, os trens de carga já haviam voltado a circular. O de passageiros, não. Já as outras linhas continuaram a funcionar sem interrupção, pois não foram afetadas. Os trens para Piracicaba passaram a ser alimentados pelos trens que chegavam de São Paulo pela Sorocabana, via Mairinque - Itaici - mas o percurso aumentava em cinquenta quilômetros em relação ao que era feito antes das chuvas e desde o século XIX.

As localidades da linha agora sem passageiros ficaram sem transporte. As estradas eram muito ruins à época. Os prefeitos de Indaiatuba (onde ficava Itaici), Itupeva (onde, além da estação central, ficavam também as estações de Quilombo e de Monserrate) e de Jundiaí passaram a pressionar o governo do Estado para regularizar a linha e também providenciar a pavimentação das estradas e construir outras.

Sete dias depois (dia 12), surgiu a informação de que o governador Abreu Sodré já havia assinado o decreto de extinção da linha Jundiaí - Itaici, mas a publicação no Diário Oficial ainda não havia saído. Se isto fosse verdadeiro, o tráfego de cargas também pararia, e os prefeitos alegavam que havia muitas mercadorias, principalmente de madeira que vinha do Paraná e que o custo do frete por ferrovia era muito mais barato do que por rodovia. As escolas que existiam pelo caminho traziam os professores, que vinham principalmente de Jundiaí e de Itupeva. Sem trens, sem aulas, que estavam começando no ano letivo. A pressão pelo cancelamento do suposto decreto aumentava.

Cinco dias se passaram e no dia 17 os trens de passageiros voltaram a circular. Um milagre? Ora, disseram fontes oficiais, as águas do rio Jundiaí já haviam baixado, então os trens voltavam a ser seguros para rodar com passageiros. Voltaram dois trens por dia, ida e volta, Jundiaí a Piracicaba. Todos ficaram surpresos, mas felizes.

Apenas três dias depois, novas chuvas paralisaram novamente o ramal. Todos os trens foram suspensos. Passaram-se mais trinta e três dias e, no dia 24 de março, a Sorocabana anunciou que seria preciso fazer uma obra de retificação no grande trecho da ferrovia que passava ao longo do rio Jundiaí. Ora, em pleno 1970, fazer obras de retificação numa das linhas com mais problemas de manutenção da ferrovia e numa época em que ramais eram desativados em pensa em São Paulo e no Brasil? Não parecia provável, mas estava prometido. Era esperar para ver. Enquanto isso, notícias de promessas de melhoras das estradas de rodagem na região pipocavam nos jornais.

O caso começou a se arrastar. Era já o dia 25 de abril, a ferrovia estava parada havia mais de dois meses e comitivas de políticos iam para São Paulo a toda hora. Começou-se a falar em deficit da ferrovia, afirmado pelo governo aos jornais. Porém, os sindicatos refutavam isto mostrando números do faturamento e despesas de cada estação do trecho. Havia bastante carga e passageiros, mas, segundo o governo, o faturamento não cobria as despesas. Também eram divulgados os valores para o "conserto" da linha. E mais promessas.

Em 23 de julho, nenhuma novidade; no entanto, ainda se falava da reativação do ramal assim que as obras fossem completadas. Elas, porém, não haviam começado ainda. As cargas transportadas antes da paralisação eram : gado, madeira, cimento, celulose, farelo, trigo, algodão, ferro gusa, cal, enxofre, pedra, milho, adubo, automóveis e tubos de concreto, 905 em Jundiaí e 105 em Itapeva. Estas cargas voltariam a circular cinco meses depois na ferrovia? Como as indústrias estavam transportando a produção e as matérias primas? Por rodovias, claro, por pior que fossem.

Em 19 de setembro, sete meses haviam se passado com os trens paralisados, e a Secretaria dos Transportes continuava a negar a paralisação definitiva do ramal e jurava que as obras iriam se iniciar.

Em 4 de outubro de 1970, as notícias se repetiam. As autoridades municipais estavam já desanimadas e iriam "recomeçar" as pressões junto ao governo estadual e federal. Em 11 de novembro, chegam notícias "oficiais" para a Prefeitura de Jundiaí dizendo que agora as obras começariam.

Um ano depois, em 28 de dezembro de 1971, as prefeituras da região esperavam que o governo pavimentasse a rodovia Jundiaí - Itupeva para facilitar o escoamento da produção agrícola, "pois a Sorocabana - que já era FEPASA desde o dia 9 de novembro - havia desativado o ramal que servia 'as duas cidades havia quase dois anos". Portanto, anote aí: o ramal Jundiaí - Itaici foi paralizado em 20 de fevereiro de 1970 (depois de ser paralisado entre 16 de janeiro e 17 de fevereiro) e nunca mais foi reativado.

Para o governo, a Sorocabana e a FEPASA, as chuvas somente vieram para auxiliá-los a terem uma boa desculpa para acabarem com um ramal que ninguém sabia se era deficitário ou não, mas que claramente estava em péssimas condições de manutenção.

Curioso é que uma relação oficial da FEPASA de 1973 citava a linha Itaici - Jundiaí como ainda ativa. E, na verdade, ela estava então sem funcionamento havia três anos.

As outras duas linhas citadas neste artigo foram desativadas em 1976 para passageiros. A linha Mairinque-Itaici-Campinas foi desativada entre 1979 e 1987 para cargas e reconstruída logo em seguida, sendo hoje parte da linha mais movimentada do Brasil.

Passageiros, neca.

4 comentários:

  1. No final, Ralph, sobrou muita pouca coisa da velha Ytuana. A "linha-tronco" entre Mairinque e Campinas se transformou em uma rodovia asfaltada entre Mairinque e Dona Catarina, e há a locomotiva pioneira da Ytuana em Indaiatuba. Além disso, algumas poucas estações e uma casa de turma da Ytuana perto de Moreiras ainda resistem em pé. O resto se perdeu.

    É uma pena. O governo perdeu uma oportunidade de ouro em reconstruir a Jundiaí - Itaici com bitola larga e, assim, possibilitar um serviço ferroviário expresso desde São Paulo até o Aeroporto de Viracopos; se esse trem existisse, talvez Cumbica nem precisaria ter sido construído.

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  2. Saudades das viagens de trem. Para Jundiai. campinas.Americana e Sumare.

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