domingo, 13 de junho de 2010

TINHA DE ACABAR MESMO

A estação ferroviária de Caraúbas, RN, "no final dos anos 1980", como diz o autor da foto, Ricardo Adriano do Nascimento. O trem provavelmente já não passava mais, mas quem pode ter certeza? Ninguém cuidava mais das estações, de qualquer forma...

Como já deve ter dado para perceber, a maior parte de minhas postagens fala, nem que seja "de leve", em ferrovias. Claro - todos os dias atualizo o meu site das estações ferroviárias brasileiras. E cada dia aprendo mais sobre a sua história.

Hoje, recebi uma fotografia de uma estação ferroviária em Caraúbas, Rio Grande do Norte. Uma cidade que fica a cerca de 100 quilômetros ao sul do porto de Mossoró. A linha que ali existe (existe?) seguia de Mossoró até Souza, no interior da Paraíba, não muito longe da divisa com o Ceará. Alto sertão paraibano.

Jamais estive aí. Não conheço nenhuma das cidades ou vilarejos que tiveram estações nessa linha, há anos desativada, ainda nos tempos da RFFSA. Isso, claro, dificulta as informações sobre as estações e a história da linha. A documentação é muito escassa. As informações que recebo são pouquíssimas. Fotografias, então, raríssimas. Por incrível que pareça, porém, sempre se sabe alguma coisa.

Uma ferrovia numa região tão pobre e seca não podia ter muito futuro, realmente. Ela começou a ser implantada no ano de 1915, em Porto Franco, perto de Mossoró, e somente chegou à cidade de Souza, na Paraíba, no ano de 1951. Foram menos de 300 km de trilhos assentados em 36 anos. É muito tempo para isso.

As poucas fotografias e informações que tenho das cidades ao longo da linha mostram uma região muito pobre e com industrialização mínima. Os trens eram um meio de transporte decente numa época em que as rodovias eram pavorosas, quase inexistentes, e ônibus e caminhõezinhos eram raridades. Com o tempo, a ferrovia continuou no marasmo de sempre, e as estradas foram se tornando, pelo menos, transitáveis. Ônibus e caminhões passaram a ser meios de transporte mais comuns. A ferrovia, maltratada pelos governantes, foi ficando cada vez pior.

Os últimos trens de passageiros nessa linha são notados no ano de 1979 nos Guias Levi - que são uma fonte de referência, mas não são totalmente confiáveis, infelizmente, em termos de informação correta, nessa época. Algumas informações dão conta de que o trem teria ainda trafegado por ali por mais algum tempo. Em 1990 já não existiam mais.

Os trilhos foram arrancados em alguns pontos e cobertos com terra, areia e asfalto em outros. A linha foi, como digamos, parece que esquecida. De vez em quando alguma reportagem da região lembra que um dia o trem passou por ali. E que hoje não há alternativas para o trasnporte de pessoas ou de determinadas cargas, minerais ou de grãos. Ninguém se interessa, na verdade, apenas os saudosistas.

É um país em que o dinheiro é jogado foram constantemente, e quem pagou por isso - ou seja, o povo inteiro, ricos e pobres - ficou a ver navios. O pior é que isso se repete constantemente, em fábricas, escolas, hospitais, rodovias, ferrovias. E cobre-se impostos, altíssimos. Afinal, se pagamos tudo o que o governo manda, para que economizar, certo?

Tratada do jeito que descrevi, a ferrovia tinha de acabar mesmo. Porém, commo não conheço a região pessoalmente, pode - e deve - haver uma série de histórias que podem desmentir o que escrevi acima. Eu, pessoalmente, duvido... enfim...

3 comentários:

  1. Olá Ralph.
    Sou de Mossoró, onde ficavam os escritórios da RFFSA e todo o centro de adminstração do ramal Mossoró-Sousa.
    Bem, o que posso dizer é que as estações de passageiros do nosso ramal foram fechadas em 1991, por "misteriosa" determinação do Governo Federal. A partir daí apenas o trem de carga circulava levando sal, cimento e minérios em viagens que ficavam cada vez mais longas devido às péssimas condições de conservação do trecho e também das locomotivas e vagões que sofrivelmente se arrastavam por sobre os carris. Lá para 1995-1996 esse trem de carga parou de uma vez por todas, e as máquinas, vagões, guindastes, trollies, tanques, gôndolas e outros equipamentos da via ficaram encostados no pátio da estação sem nenhum uso. Em 1997 a CFN - hoje Transnordestina - assumiu o controle da estrada de ferro mas tachou o ramal como economicamente inviável, e simplesmente o abandonou. (Inclusive, agiu da mesma forma em relação ao ramal Macau-Natal-Recife, que se encontra hoje apodrecendo à mercê das intempéries.)

    Em abril de 2001, um grupo de empresários da região retalhou a ferrovia em treze lotes e, em poucos minutos, cada um arrematou para si um deles e logo procederam com o arrancamento e venda dos trilhos e equipamentos. Sim, a nossa ferrovia foi vendida num leilão de sucata e ninguém fez absolutamente nada a respeito!!!


    O nosso ramal ferroviário foi vendido pela bagatela de 2,7 milhões de reais!!! A locomotiva que fez a viagem oficial de inauguração do trecho em 1915, por exemplo, foi vendida a um sucateiro e desmanchada a maçarico, assim como carros de passageiros que datavam de 1914 a 1916. O resto do material rodante (que incluía locos Alco RSD-8, GE U5b, vagões tanque, gôndola, FHC, um guindaste Oton, carros de primeira e segunda classes, locos de manobra, trollies,etc) ou teve destino análogo, ou foi transferido para o ramal entre Fortaleza e Recife.

    Os trilhos foram arrancados em absolutamente todo o percurso da ferrovia, empilhados sobre caminhões, e depois disso, nunca mais foram vistos. Não sobrou um mísero dormente para contar história! até mesmo as placas de sinalização das passagens de nível e da indicação da quilometragem dos trechos foram vendidas. Máquinas de terraplanagem foram trazidas para nivelar os terrenos por onde a ferrovia passava e pontilhões e outras obras de arte foram removidos. As oficinas depósitos e escritório da RFFSA - ou as suas ruínas - foram demolidas há alguns anos... em 2004 se não me engano. Em seu lugar construíram uma avenida, praças, restaurantes e um memorial sobre a história da cidade com fotos históricas que, ironicamente, incluem algumas imagens da inauguração da ferrovia.

    O que ainda hoje sobrevive da estrada de ferro é o prédio da estação ferroviária que, por ficar encravado no coração da cidade, foi restaurado e tem seu pátio utilizado como espaço de realização de eventos. A antiga ponte metálica de três vãos, trazida desmonatada da Inglaterra no início do século e montada por sobre nosso pobre rio Mossoró, está lá ao relento a ser carcomida pela ferrugem - não foi desmonatada e vendida junto com todo resto do espólio por que ficou excluída do leilão, não se sabe por qual motivo. Resiste ainda de pé como que por um milagre! O Imenso vazio que se formou no meio da cidade depois do arrancamento do trilhos e demolição dos galpões, escritórios e oficinas foi preenchido com praças, lanchonetes e alguma arborização. Nos demias municípios que eram cortados pelos trilhos, ou as estações estão abandonadas em ruínas ou foram tranformadas em casas de cultura ou espaços de realização de eventos. Mas nada que lembre que ali um dia passou um trem.

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  2. Quanto à nossa população... incrivelmente ninguém aqui em Mossoró sequer lembra que um dia um trem passava diariamente bem no meio da cidade. Nós temos memória curta, e a grande maioria nem sabe por que motivo a ferrovia, depois de 86 anos de atividades, foi completamente extinta da noite para o dia depois de um misterioso leilão que não durou meia hora. Isso tudo numa cidade que cresceu e se desenvolveu ao redor da ferrovia, idealizada no início do século XIX por um dos nossos mais ilustres habitantes, o comerciante João Ulrich Graff, o qual morreu sem ver seu sonho realizado devido à burocracia que tudo posterga.

    Nossa ferrovia, cujo primeiro trecho foi, com sacrifício, inaugurado no longínguo ano de 1914, com a chegada do primeiro trem ligando o sertão ao mar, uma verdadeira façanha naqueles tempos em que se viajava no lombo de burros, sumiu sem deixar rastros ante à apatia das pessoas que por ela eram beneficiadas e do descaso dos políticos locais. Trens enormes que traziam gente, bichos, cargas, e até mesmo água nos períodos de seca,eram o único meio de transporte que tínhamos até algumas décadas atrás. Foi um sonho idealizado por nossos mais tenazes habitantes e que foi simplesmente arrancado pela raiz como se fosse algum tipo de tumor, câncer ou coisa que o valha. É muito triste saber que uma das maiores conquistas do nosso município (e de todos os outros que ficavam no traçado da estrada de ferro) teve um fim tão trágico e silencioso. Nossa ferrovia foi vendida como ferro velho e ninguém, nem políticos nem população, fez nada para evitar isso. Trem por aqui é coisa do passado, "coisa de antigamente" um meio de transporte quase mitológico cujas lembranças ainda persistem na memória dos mais velhos ou dos nostálgicos ferroviários aposentados. Hoje, todo mundo pelas redondezas tem um automóvel ou uma perigosa motocicleta. O transporte de cargas é feito invariavelmente por caminhões sobrecarregados que desgastam e superlotam as rodovias que cortam a região. Quem viaja para municípios ou estados vizinhos para estudar ou trabalhar, ou vai no seu próprio carro, ou moto, quando os possui, ou tem que pagar ônibus ou um utilizar o perigoso transporte alternativo. O trem, barato e acessível, ficou completamente esquecido depois da inuaguração de algumas rodovias na região no final dos anos 70. A reativação do ramal é tida como inviável economicamente, ninguém tem interesse em uma ferrovia ligando Mossoró ao sertão da Paraíba. Transnordestina aqui, então, é pura utopia, já que pelo traçado está mais pra Transpernambucana.

    Então... nossas estradas estão cada vez mais esburacadas, perigosas, mal sinalizadas, não possuímos um sistema de transporte inter-municipal ou inter-estadual de valor acessível, e nossa história está morta e enterrada assim como o velho Graff que morreu sem ver o trilhos cortando a caatinga mossoroense em direção ao São Francisco...

    E assim que a locomotiva do sonho graffiano sumiu nas nuvens do esquecimento. Eu cheguei, ainda criança nos anos 90, a ver o trem passando comprido no final das tardes em direção à Paraíba, vagões azuis e brancos, a locomotiva vermelha com faixas amarelas... um trem lento, agonizante, resfolegando, sumindo vermelho e azul dentro do mato seco esbranquiçado, sumindo pra nunca mais voltar.

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  3. João, muitissimo obrigado pelos seus comentários. Aqui pelo sul, saber sobre ferrovias do NE e sobre sua história é muito difícil. Eu imaginava realmente que a Mossoró-Souza tinha ido para o saco em janeiro de 1991, junto com algumas outras que ainda restavam, para "economia de combustivel" (!!!!!) devido à Guerra do Golfo (um dos maiores absurdos já feito por nossos governos), mas não tinha a certeza que agora v. me dá.

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