quinta-feira, 8 de março de 2012

FERROVIAS EM BAIXA


Na minha infância não houve ferrovias. Ou quase não houve. Que eu me lembre, houve apenas uma viagem de trem de minha parte, numa data que não sei precisar: fui e voltei a Santos numa viagem de ida e volta feita em um dia só, provavelmente na primeira metade dos anos 1960.

Nesse tempo, as ferrovias já estavam em baixa: eu sabia que elas existiam, mas não as via. Em São Paulo, capital, eu as cruzava nos pontos que ela existe até hoje: já da Cantareira, não tenho lembrança alguma, talvez em realidade jamais a tenha visto, já que eu não morava por aquelas bandas e raramente ia para a zona norte com meus pais.

Tomar trem de subúrbio, nem pensar; os trens que eu mais via eram os da Sorocabana na Marginal do rio Pinheiros, e isso, somente a partir de 1969, ano em que passei a dirigir automóveis. Aliás, tirei minha carta em março desse ano, quando tinha dezessete anos e quatro meses; foi durante um curto período de alguns meses em que tirá-la com essa idade foi permitido.

De bondes eu me lembro, andei muito neles em São Paulo e em Santos, mas ninguém que seja ferreofanatico - eu não era nessa época - considera bonde como sendo estrada de ferro. Passei uma semana em São Carlos em 1959, mas nem sabia que lá existiam trens, nem eu nem meu pai nos preocupamos com isso.

Nas viagens com meus pais, muitas feitas dentro de um Studebaker 1951 e numa Kombi 1961 pelo Brasil afora - fomos de carro para o Recife, para Porto Alegre, Belo Horizonte, Piracicaba, São José dos Campos -, certamente cruzamos muitas ferrovias, várias delas que hoje nem existem mais, em passagens de nível por todos esses lugares, mas eu me lembro disso? De nada! Nem meus pais comentavam na época.

O sinal era claro: as ferrovias já estavam em baixa no Brasil. Em 1966, estive em Ibitinga, próxima a Araraquara, por duas semanas, na casa de um amigo. Fui de ônibus, que tomei na estação rodoviária velha, em frente à estação Julio Prestes. Em tempos mais antigos, eu iria de trem: pegaria a Paulista na Luz, seguiria para Sào Carlos e ali pegaria o trem para Ibitinga, aquele, da velha Douradense. Isso ainda poderia ser feito naquele final de 1966; meus pais, nem eu, nem cogitamos isso. Eles me deixaram na rodoviária e eu embarquei, somente trocando de ônibus em Araraquara, onde tomei a Viação Cruz.

Nos anos seguintes, primeira metade dos anos 1970, passei a frequentar a casa de meus tios em Itanhaém. Ela dava fundos para a linha Santos a Juquiá. Eu ia até os trilhos frequentemente, algumas vezes via um trem passar, pegava erva cidreira para fazer chá, mas tomar o trem? Nunca tomei! Ele acabou em fins de 1997 e eu perdi o bonde da história.

Até hoje, a ferrovia segue em baixa, pelo menos no que tange ao transporte de passageiros. As linhas de subúrbio se tornaram metrôs e trens metropolitanos - são muito bons, mas não são trens de passageiros clássicos, que flutuavam pelo planalto no meio de pradarias e florestas, parando a cada vinte minutos ou mais numa estação de fazenda. Esses acabaram. E nós ficamos olhando, aceitando tudo. Aliás, o termo "em baixa" não se aplica, a expressão real é "foram-se".

6 comentários:

  1. Eu tenho colegas com 55 anos de idade que nunca andaram num trem de passageiros de longo percurso - e, pior, nunca sentiram falta disso... Eles apenas já tinham aderido involuntariamente ao rodoviarismo nacional, que tornou-se hegemônico no final da década de 1950. Minha família deu preferência ao trem (mais exatamente, à Companhia Paulista) até 1964. Dali por diante, foi uma luta inglória contra as rodovias. Com outras ferrovias menos cotadas era pior: numa viagem a Ipauçu, em 1959 (da qual não me recordo), o ônibus foi escolhido de prima ao invés do trem da EF Sorocabana.

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  2. Tenho esse sentimento de vez enquando, mas é complicado culpar-se quando você não tem nem 10 anos de idade...heheh. Quando nasci em 82, acho que já não tinha muita coisa ativa, com 10 anos já era 92 daí sim quase nada. Hoje o que posso fazer é estudar o que já existiu e eventualmente percorrer antigos leitos de bicicleta, como os da antiga Sapucaí,o ramal de Delfim Moreira, o de Piquete, o de Piracaia, e alguns outros poucos, quando não foram invadidos ou tomados pelo mato. Realmente essa sensação de "flutuar pelo planalto", e entre pequenas e grandes montanhas é o que me fascina. Será que algum dia sentirei essa sensação, dentro de um trem ?

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  3. Realmente me recordo da erva cidreira a beira dos trilhos em Itanhaem. Tambem utilizamos o trem até Santos, porém a memória vai ficando mais fraca. Me recordo vagamente de ter ido ao Recanto Holandês com meus pais, no trenzinho da Cantareira. Mas talvez, porque naquele tempo, as ferrovias estavam aí, não precisavam chamar a atenção, faziam parte do panorama, então não se prestava atenção nelas. Lembro de, em 1977, ir de Guaratinguetá, onde eu estudava, até SP por trem. A viagem demorou 3 horas a mais do que de ônibus. Concluo que somente pessoas mais velhas que nós, cinquentões, tem lembranças reais dos nossos trens e suas histórias..

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  4. Ola Ralph

    "Andei" de trem a primeira vez de trem em 1947 é a minha primeira lembrança,a "baita" locomotiva, o vagão de madeira, o meu pai olhando para a igreja de Sto.Antonio e fazendo um desenho ( era em Rubião Júnior, meu pai me contou depois de alguns anos)
    Foram muitas viagens pela Sorocabana,Paulista,Santos Jundiai,Noroeste.....
    Mas como disse o Dário ( ai em cima) era tão comum que nem se notava....pena que tirei pouquissimas fotos...

    Daniel Gentili

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  5. Quando era criança e até a adolescência, morei em frente a uma linha férrea onde passava o 'maria-fumaça" da EF Rio Douro, no entanto só andei naquele trem uma ou duas vezes. O deslocamento de minha família sempre foi por ônibus (e bondes, mas esses tb nos foram "roubados"). Depois, creio que no final dos anos 60, a maria-fumaça foi trocada por locomotivas a óleo e por fim, a linha foi desativada. Nunca mais andei de trem, até que, muitos anos depois, tive a oportunidade de ir ao exterior e "descobri" o grande prazer que é o deslocamento num transporte ferroviário. É lamentável que um país do tamanho do Brasil tenha optado pelas 4 rodas.

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  6. Caro Ralph sou um pouco mais velho que vc,nasci em 47, e desfrutei muito as linhas de passageiros da Leopoldina e EFCB. Meu pai era caixeiro-viajante e quando não estávamos a bordo de sua camionete Studbacker 47 pelas estradas de terra da zona da mata mineira deslocávamos nos trens citados ou acompanhando meu pai em suas viagens de negócios ou visitando parentes, o que era mais frequente. Nas nossas ferias escolares íamos muito de Ponte Nova para São Pedro dos Ferros visitar um tio que tinha uma fazenda por lá. Estudando interno em Ubá também usava muito o trem, ou, indo para BH pela Central do Brasil no ramal de Ponte Nova. Me recordo de quanto já era ruim os serviços a bordo e os seguidos atrasos nos horários, mas na nossa mente de criança tudo era fantástico.

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