segunda-feira, 3 de outubro de 2011

E NÓS, BABACAS, SÓ OLHANDO...

COLUNA NO GLOBO - por miriam leitão

Tudo dominado

A Controladoria-Geral da União é órgão de assessoramento da Presidência da República, tem recursos definidos pelo governo, está proibida de investigar ministros. Não audita algumas áreas do governo. O Conselho Nacional de Justiça chegou a apoiar uma proposta que em última instância reduz seus poderes. Não há um corrupto preso. O Brasil está sem ferramentas para combater a corrupção.

O movimento social está quase todo dominado. A UNE não representa os estudantes, mas sim o PC do B que faz parte da base política do governo, recebe uma enorme mesada, e entre seus tristes papéis está de vez em quando sair em defesa de acusados de corrupção, quando isso é do interesse do governo. As centrais sindicais também vivem de dinheiro público e dos projetos políticos de seus dirigentes. Muitas ONGs, até as que defendem a ética, recebem recursos públicos.

O Brasil tem poucos mecanismos e instituições para o combate à corrupção. Alguns se esforçam, mas nada vai muito adiante. Já foram demitidos nos últimos oito anos, segundo o secretário-executivo da Controladoria-Geral da União (CGU), Luiz Navarro, 3.500 funcionários, 70% por corrupção. Mas, como ele lembra, “ninguém está preso”. A Polícia Federal faz operações em que revela fatos estarrecedores, mas o que incomoda o governo e mobiliza a cúpula do Judiciário é se as pessoas devem ou não ser algemadas. Além disso, a prisão, como se sabe, é breve porque é apenas para o levantamento de provas. Depois, entra-se num processo longuíssimo que a opinião pública não consegue acompanhar nem entender. A impunidade se instala como um vírus que vai corroendo a confiança nas instituições democráticas.

A declaração da ministra Eliana Calmon repercutiu porque é verdadeira. Obviamente num país onde a corrupção avança tanto não há um poder blindado contra o mal: há bandidos de toga, com mandato, com ministério, com farda. Eles se infiltraram em todos os poderes, ministro Cezar Peluso, infelizmente. O alerta da corregedora nacional de Justiça fortalece o Judiciário e não o expõe como pensaram os críticos da ministra. Protege-se a integridade de um poder combatendo os que não merecem fazer parte dele, e não com o costumeiro espírito de corpo que acontece, com frequência, no Legislativo.

Num programa que fiz esta semana na Globonews sobre corrupção, o secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, falou de um estudo da Fiesp, feito recentemente, que quantifica o custo da problema. Do programa, participou também Luiz Navarro, da CGU.

— É difícil quantificar porque corrupto não dá recibo, nem nota fiscal, mas o cálculo é que o custo fique entre R$ 50 bilhões e R$ 84 bilhões. No menor cálculo, é o que o governo arrecadaria com uma nova CPMF — diz Gil Castello Branco.

O Contas Abertas estabeleceu como princípio não receber recursos públicos. Por isso não faz $ênio nem com órgãos do executivo que trabalham na mesma direção, de aumento da transparência do gasto público, como a CGU. A Controladoria, pelo seu lado, tem inúmeras limitações exatamente por não ser aquilo que o PT, como lembrou Gil, propunha na campanha: uma agência independente com orçamento próprio. A CGU é órgão da Presidência, não pode investigar a Presidência. O Itamaraty e o Ministério da Defesa estão fora da sua alçada. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que os ministros não podem responder a sindicâncias, nem podem ser auditados pela CGU, porque exercem cargos políticos e não administrativos.

— A CGU audita, investiga, e forma o conjunto de elementos para que a Polícia Federal ou o Ministério Público possam propor a ação. Até o momento em que a ação é ajuizada tudo vai bem, depois, há uma quantidade incrível de recursos e prazos. O STJ tomou a decisão de não aceitar interceptação telefônica de juiz de primeira instância alegando que antes é preciso esgotar todas as instâncias de investigação. Isso põe em derrocada um instrumento importante — diz Navarro.

A CGU tem feito um trabalho importante, mas seus poderes, recursos e área de atuação são insuficientes. Há também restrições incompreensíveis.

Por outro lado, as ONGs que deveriam fiscalizar o governo são muito dependentes do próprio governo: R$ 3 bilhões foram transferidos para instituições sem fins lucrativos. O Orçamento é difícil de ser entendido e há ainda zonas de sombra, explica Gil: o Sistema de Convênios onde está o dinheiro para as ONGs, os gastos das estatais têm pouca transparência. As informações sobre aditivos aos contratos não podem ser acessadas. O Sindec, onde estão os aditivos aos contratos do Ministério dos Transportes, também não estão disponíveis.

Neste contexto, a melhor notícia que surgiu recentemente foram as manifestações espontâneas como as do 7 de setembro, que, em Brasília, levaram 25 mil pessoas às ruas, e não por convocação de sindicato ou partido político. O movimento na mídia social é mais intenso, lembrou Navarro. Uma proposta no site do Senado para que corrupção seja considerado um crime hediondo recebeu 450 mil acessos. No Congresso, lembrou Gil, há 100 projetos engavetados que combatem a corrupção. Com tantas teias prendendo o avanço institucional do Brasil, a grande esperança é de fato o movimento emergente e espontâneo contra a corrupção.

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