segunda-feira, 11 de outubro de 2010
COMPARANDO GRAFIAS E COSTUMES
Nada como analisar um relatório de estrada de ferro de há mais de 120 anos atrás. Para quem gosta, ele não é um livro chato, mas uma fonte de informações preciosíssima. Para quem não gosta, deve ser algo insuportável. Mas é sempre interessante transcrever alguns parágrafos e comparar procedimentos e também a grafia da língua portuguesa com os dias de hoje. No relatório da Companhia Mogiana de 1888, consta, entre inúmeros outros assuntos, que:
"Trafego - O movimento dos trens, carros e vagões, acha-se detalhado no quadro anexo mostrando que no prolongamento do Rio Grande o percurso kilometrico dos vehiculos é aproximadamente 7 vezes maior que no ramal de Caldas, onde o peso util medio transportado em cada trem é apenas de 4 1/2 toneladas. Forão restabelecidos os trens diarios no ramal de Caldas, em 1o. de novembro proximo passado". O que seriam "trens", já que "carros e vagões" estão discriminados? Seria a locomotiva ou o comboio todo? O prolongamento do Rio Grande é a antiga linha do Rio Grande: linha Ribeirão Preto a Jaguara. O ramal de Caldas, que era só problema um atrás do outro, por ironia do destino é hoje o único ramal da Mogiana que ainda está ativo, transportando, no caso, bauxita de Poços de Caldas. Kilometrico com k e sem acento, "forão" é "foram", várias palavras sem acentos... era o português da época, sem regras rígidas, já que, em várias outras literaturas do mesmo ano, vêem-se as mesmas palavras escritas de forma diferente. Havia regras ou ninguém as seguia, ou, pior, poucos as sabiam?
"Accidentes - No dia 6 de Julho, devido ao descarrilhamento de um vagão carregado com dormentes, nas proximindades do Jaguára, morreram 2 trabalhadores, ficando feridos 6, aos quaes prestou-se os necessarios soccorros medicos". Mais palavras escritas com ou sem acento; quanto aos trabalhadores mortos, eram como se fossem descartáveis.
"Telegrapho - O serviço telegraphico funccionou durante o semestre sem interrupção alguma". E-mails, nem pensar, mas também é verdade que, com certeza, a internet, se existisse, teria caído diversas vezes. Parece que o telégrafo funcionava melhor...
"Linha do Paranahyba - dormentes - Recebeu-se 139.890 dormentes, faltando apenas 110 para completar-se o fornecimento contratado". Puxa, contavam-se os dormentes, um a um. E entregaram 99,9214% só, faltou 0,0786%! E a linha citada depois se tornou a linha do Catalão, ou seja, Jaguara-Araguari.
"Material rodante - Chegaram á Campinas e estão se montando nas officinas da Companhia as 2 locomotivas e os carros e vagões encommendados para o ramal de Silveiras, de bitola de 0,m60". O tal ramal era o ramal de Serra Negra. E a Mogiana já sabia montar locomotivas! Para completar, a crase ao contrário, como era costume antes de 1930. Bem, o ramal e seu material rodante não duraram nem setenta anos.
E, para terminar, em tempo de Império, Imperadores e Barões:
"Deus guarde a V. Exc. - Illm. Exm. Snr. Barão de Ataliba Nogueira, Dignissimo Presidente da Directoria da Companhia Mogyana". Certamente não é assim que se trata, hoje em dia, o Presidente das atuais ferrovias...
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