Embarque no Trem da Cantareira em 1963: estação do Horto Florestal (Foto Maria de Lourdes Pereira)
A imprensa dos anos 1960 - especialmente nesta década - não tinha nenhuma paciência com as ferrovias brasileiras. Eu, que vivi esta época, vi a campanha descarada que os jornais fizeram contra os bondes de São Paulo, que não passaram de fevereiro de 1967, deixando apenas a linha de Santo Amaro, que por sua vez não sobreviveu a março do ano seguinte.
A Cantareira sofreu o mesmo bombardeio. Realmente, os bondes e os trens da Cantareira tinham péssima manutenção por parte, respectivamente, da prefeitura paulistana (leia-se CMTC) e pelo governo do estado (leia-se Sorocabana) e, por isto mesmo, deixavam a desejar. Porém, em nenhum momento se cogitou de atualizar linhas e material rodante para esses transportes, que, bem ou mal, transportavam uma quantidade muito grande de passageiros.
Na verdade, essa campanha parecia ser mais contra as modalidades de transporte sobre trilhos, que, sem exceção, vinham de uma década de 1950 onde, especialmente na Capital paulista, se discutiu sobre o metrô a ser implantado, e que quase não saiu, devido à opinião de diversos "entendidos no assunto", que diziam, para quem quisesse ouvir, que trens eram coisa ultrapassada e que haviam atingido seu auge no século XIX. Enfim, coisa do passado. Em seu lugar, defendia-se a construções de "grandes avenidas" para abrigar cada vez mais automóveis e também ônibus.
O futuro, exatamente a época em que agora vivemos, provou que eles estavam errados. O caos nos transportes no Brasil é causado exatamente pelo desmonte das ferrovias e linhas de bondes urbanos nas cidades.
É interessante citar trechos de um relato do jornal Diário Popular, em junho de 1966, sobre a Cantareira, que já estava sem desativada desde um ano antes. A reportagem versava (claro - nós ainda ouvimos isso até hoje em outras ferrovias que cruzam, ou cruzaram, cidades) sobre a transformação do leito do tramway de Cantareira em avenidas.
Os trechos em aspas e em diferente fonte está no texto do jornal. Eu sublinhei o que achei recorrente.
"Desde que foi suprimido aquele arcaico sistema de transporte, surgiu a possibilidade de abertura de novas vias, solução preconizada, aliás, há muitos anos, ou melhor, em 1949, pelo engenheiro Merlo Winter, secretário de Viação. Propusera então arrancar os trilhos e substituir o tramway por ônibus elétricos.
Foi ferozmente combatido e estava com a razão."
"(...) Devido à construção da ponte da avenida Cruzeiro do Sul, impôs-se a interrupção do tráfego. E logo depois a supressão do trem.
(...) A Prefeitura tomou posse. Ontem, no lugar da estação foi aberta uma praça. Começou pela demolição do velho prédio existente no local (...). A demolição da estação do Jaçanã representou o início de amplo programa viário, visando o descongestionamento da Zona Norte.
Na mesma ocasião, no outro lado da linha, era também demolida a estação do Tremembé, (...)."
" (...) O Tramway tornou-se um sorvedouro de dinheiro. (...) A Prefeitura (...) resolveu transformar em praças as antigas estações."
"Uma larga artéria vai surgir, desde a avenida do Estado até a Zona Norte. (...)"
O texto era bem maior, contando a história do tramway e dos imensos prejuízos que ele teria dado. Note-se que a referência à ferrovia é pesada, As avenidas que a linha eventualmente gerou em alguns trechos demoraram vários anos para sair. A única imediata, mesmo, foi a Cruzeiro do Sul. A demolição de quase todas as estações gerou somente em alguns casos praças, algumas bastante precárias.
A demolição da estação do Jaçanã, de longe a mais famosa da linha, devido à música de Adoniran Barbosa, Trem das Onze, foi demolida menos de um ano depois de seu fechamento. Nenhum prefeito consciente faria isso hoje. A praça que sua demolição gerou era pequena e desnecessária, ante as então ainda poucas construções do bairro, que ainda possuía diversas áreas vazias.
Os únicos locais que mantiveram seus trilhos foram os trajetos em que, dez anos depois, geraram a parte norte do metrô - linha 1: a avenida Cruzeiro do Sul e a parte mais alta da atual Avenida Luiz Dumont Villares, esta última somente a partir de 1991. Mesmo assim, estamos falando de trilhos passando sobre pilares e não rente ao chão, como é o comum.
Na maior parte das linhas do Tramway (Tamanduateí-Cantareira, ramal do Horto Florestal e ramal de Guarulhos), os seus antigos usuários ficaram sem trilhos para o resto da vida.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2016
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Ralph, deve ter sido pressão da indústria automobilística. Nos Estados Unidos ela assumiu o controle das empresas de bonde para em seguida desativar e substituir os bondes por ônibus. O mesmo aconteceu com o transporte de passageiros em muitas ferrovias norte-americanas.
ResponderExcluir2. Por falar na Cantareira, no mapa de 1897 que está no número 20 da revista Info do Arquivo Público de São Paulo, há a antiga estação inicial da ferrovia, aberta antes mesmo da estação do antigo Mercado Municipal:
http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm
Falando da saudosa linha do Tramway da Cantareira, me corrija se estiver errado, afinal você conhece isso muito melhor do que eu: a estação Invernada era a penúltima de pé, e foi demolida há cerca de 7 ou 8 anos. A única que permanece de pé é a terminal, já na Cantareira. Estava muito bem conservada, há uns 10 anos, dentro do Clube de Funcionários da Sabesp. Mas na última vez que a vi, há uns 4 anos, estava deteriorada, com um pequeno empório dentro dela, a descaracterizando totalmente.
ResponderExcluirPois é caros amigos, a leniência com a inadimplência, só pode aumentar a quantidade de carros nas ruas e com isso
ResponderExcluirSão Paulo-SP vai acabar parando e parece que nossos governantes querem esse resultado!
Estadão de 20.04.1916, página 7 - Notícias Diversas - Queixas e Reclamações:
ResponderExcluir"Dizem-nos em carta moradores do bairro do Chora Menino que o ponto de parada do Tramway da Cantareira tem maior movimento do que a do Mandaqui. Entretanto, a parada do bairro do Chora Menino não possue até hoje um simples telheiro que sirva de abrigo, nos dias de sol ou de chuva, a trinta e tantas crianças que frequentam o grupo de Sant'Anna, as quaes são obrigadas diariamente a supportar as intemperies."
(Eta bairrismo desgraçado. Em vez de apenas reclamar melhorias para o próprio bairro eles aproveitam para compara-lo com o Mandaqui e reclamar dos melhoramentos que lá existe.)