segunda-feira, 20 de julho de 2015

UMA CARTA DE CRUZEIRO (1947) SOBRE A LIGAÇÃO FERROVIÁRIA ENTRE MINAS GERAIS E A BAHIA


Cruzeiro, 8-9-1947.

Caro Prof. Sud

Cumprimentos.

Li, com a atenção que sempre merecem os seus escritos, o artigo “Ferrovia Norte-Sul”, de 6/9. Com a intenção de contribuir e trazer-lhe informações sobre o assunto, peço anotar o seguinte: em janeiro do corrente ano, já viajei de S. Felix até Brumado, no lado baiano, de trem. Também estava pronto a ser inaugurado o trecho Brumado-Malhada de Pedra, esta a 36 km daquela estação (o lastro já traz carga, etc., para Malhada).

É de notar que todo o trecho baiano está atacado, estando a principal dificuldade no trecho conhecido por “Saco da Onça”, onde tem de atravessar uma enorme serra. A impressão geral é que a falta de trilhos e de pagamento aos empreiteiros retarda a terminação deste notável empreendimento.
Do lado mineiro, em janeiro deste ano, a locomotiva já ia até Monte Azul, sendo de estranhar só agora seja inaugurada essa estação.

Viajando de caminhão, marquei trezentos e vinte e quatro quilômetros de Montes Claros a Brumado. Mesmo admitindo não corra oficialmente o trem até Malhada de Pedra (lado baiano), descontando-se os 238 km até Monte Azul, já inaugurados, restam apenas (permita-me o otimismo) 187 km... 

Todavia, tudo leva a crer que os 36 km além de Brumado já seja um feito!

Prometo-lhe melhores esclarecimentos, nas minhas próximas férias.
Sem outro, subscreve atenciosamente o colega e amigo

Casemiro L. Lamin
Do Colégio Estadual de Amparo

Cruzeiro, caixa postal 40

Esta carta, escrita há 68 anos atrás para meu avô Sud Mennucci, mostra o andamento da Ferrovia Norte-Sul na época. Não a Norte-Sul que vemos nos jornais de vez em quando, mas sim a primeira Norte-Sul que foi efetivamente construída, depois de as duas anteriores (Araguari-Belém, da Mogiana e Pirapora-Belém, da Central) não terem saído do papel.

Sud acompanhou esta construção o mais que pôde. Em seu arquivo pude encontrar diversos artigos de jornais da época (alguns escritos por ele próprio) sobre a construção da ligação entre Minas e a Bahia. Pena que ele não sobreviveu para ver a entrega da linha, em 1950. Morreu em julho de 1948.

Já escrevi outras vezes sobre esta Norte-Sul do final dos anos 1940. Ela ligou as cidades e estações de Montes Claros, na época estação terminal da linha do Centro da Central do Brasil, no norte de Minas, à estação de Contendas, no sul da Bahia. Ficou pronta e foi inaugurada em 1950. Na época, um trem poderia sair da divisa do Brasil com o Uruguai, em Livramento, e seguir até Natal, no Rio Grande do Norte.

Haveria baldeações de carga e de passageiros - se tal trem existisse - em São Paulo, pois havia bitola larga pela Central do Brasil, da estação Roosevelt até Belo Horizonte, voltando então à bitola métrica. Na divisa de Sergipe com Alagoas, o trem usava balsa. A partir de Natal, ele poderia seguir, no máximo, até Lajes (Itaretama), no interior do Rio Grande do Norte.
Algumas curvas do Saco da Onça, com duas estações construídas durante a obra.

Esse trem, com todos os seus defeitos, seria estratégico. Era a única forma de se alcançar decentemente o Norte do país com cargas vindas do sul enquanto a navegação de cabotagem estivesse suspensa durante a Segunda Guerra Mundial. Vargas dera a ordem para se fazer a ferrovia com urgência em 1942, logo depois de declara a guerra.

Acontece que a guerra acabou e a ferrovia não estava pronta. Houve várias interrupções, falta de verbas, etc. A carta acima é de 1947, mais de dois anos após a derrota da Alemanha e o fim da guerra na Europa. Algumas dificuldades estão citadas na carta. Realmente, o Saco da Onça era e é uma ferrovia difícil de ser percorrida depois de pronta.

Somente em 1958 o Ceará foi ligado ao Sul do país por trilhos, com a abertura da ferrovia que ligava Patos, na Paraíba, a Campina Grande. E apenas em 1968 foi aberta a ferrovia ligando o Maranhão e o Piauí a ela, com a ligação Crateus, CE a Teresina, PI.

Uma vez calculei quanto tempo demoraria ir de trem de Santana de Livramento, RS a São Luiz, MA, em 1972, quando todas as linhas que faziam a Norte-Sul ainda tinham trens de passageiros. Como não era uma viagem em que você embarcava no carro no RS e seguia com esse mesmo carro, apenas trocando de locomotivas (especialmente por causa das quebras de bitola), você teria de fazer as baldeações - muitas - necessárias durante a viagem. E tomaria cerca de 24, 25 dias, de acordo com os horários de uma tabela do Guia Levi da época.

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