Linhas baianas em 1906. Em vermelho, como elas foram unidas nos anos 1930 e 1940. Em preto, as linhas isoladas como eram em 1906. A linha de Santo Amaro aparece no sentido sul-norte, segunda linha da direita para a esquerda no mapa.
Segue abaixo um texto escrito por mim há cerca de seis anos e esquecido num arquivo de computador. Fala da estrada de Ferro de Santo Amaro, da Bahia, construída no final do século XIX, permanencedo por muitos anos como estrada de ferro isolada. Ligava a cidade de Santo Amaro à estação final de Jacu. Sua principal finalidade era atender aos engenhos de açúcar que existiam na época ao longo de seu curso. Parte se sua linha original transformou-se em ramal da linha que ligava Salvador a Monte Azul, MG, por volta de 1944 e parte passou a integrar esta linha, permanecendo existente e com atividade até hoje.
A E. F. de Santo Amaro, inicialmente
de propriedade do Governo da Província da Bahia, foi autorizada pela lei
provincial 1812, de 11/7/1878. As obras se iniciaram em setembro do mesmo ano e
em 23/12/1883 a linha foi aberta ao tráfego, com 36 km, entre a cidade de Santo
Amaro e a povoação do Jacu, com 36,02 km e bitola métrica. Tinha 4 locomotivas,
6 carros de passageiros, 1 vagão para animais, 23 para mercadorias, 10 para
lastro, 3 com tanques de ferro para mel, 1 guindaste e 16 troleis. As suas
estações eram: Santo Amaro, km 0; Pilar, km 1; Traripe, km 6; Jacuípe, km 15;
Terra Nova, km 25,5 e Jacu, km 35,8, estação terminal. A ferrovia foi construída
sobre um terreno de massapé, sem solidez. Essas terras são boas para plantio de
cana, mas péssimas para se assentar estradas de ferro, sendo um tipo de solo
que tende a sofrer variações volumétricas acentuadas e irregulares quando
absorve umidade, e que durante as chuvas se transforma em lama. Isto obrigou os
engenheiros à construção de reforços com estacas armadas com pontas de ferro,
para dar mais resistência ao aterro da Pindobeira ao aterro do viaduto da
Catacumba. (2)
Embora a estrada tenha sido
idealizada para facilitar o escoamento do grande número de engenhos e de usinas
de açúcar da região, muitos dos seus proprietários não eram favoráveis à
construção de estradas e ferrovias. Em 1853, Ana Francisca Viana Bandeira,
senhora dos Engenhos Muçurunga e Subaé, protestou contra a passagem da estrada
da estrada provincial dentro de suas propriedades e requereu indenização. (5)
(6) A idéia da ferrovia teria sido idéia do Visconde de Sergimirim, que na
época também finalizava a criação da Escola Agrícola, a primeira estabelecida
no Império, esta aberta em 1877. A primeira concessão teria sido dada a Salustino
Antunes e somente depois a Sergimirm, que encarregou o engenheiro Hugh Wilson (o
mesmo que andou pela Central da Bahia, em Cachoeira, e também pela Central de
Alagoas, que partia de Maceió) dos trabalhos de assentamento da linha.
Em
virtude das dificuldades encontradas pelo nobre baiano, as ações da companhia
foram transferidas para o engenheiro inglês, que iniciou a construção da
ferrovia em 2 de fevereiro de 1875. Esta última informação é conflitante com a
de Cyro Deocleciano, que afirma que a lei que autorizava as obras era de 1878
(ver acima). A concessão de Wilson foi rescindida em 1878 (12) e de novo o
próprio Governo assume a construção da estrada, cujo primeiro trecho é entregue
em 2 de dezembro de 1880, até Traripe, e o segundo em 1883 até Jacu. (1) (2) A
estação de Buranhém, por sua vez, parece remontar ao tempo em que a E. F.
Centro-Oeste da Bahia se entroncou com a Santo Amaro, partindo de Água Comprida
(Simões Filho), em 1908.
“A abertura do Engenho Central do Bom Jardim, inaugurado em 21 de
janeiro de 1880, foi certamente um ponto decisivo na história da agricultura
brasileira. Era das primeiras usinas do Império que separava, segundo o
princípio da divisão do trabalho, o cultivo da cana da fabricação do açúcar”.
Era o segundo engenho no Brasil, tendo sido o primeiro o de Quissamã, em
Campos, na Província do Rio de Janeiro.”No dia 21 do corrente (janeiro) teve
lugar a inauguração deste importante estabelecimento. Às 11 horas da manhã, em
presença de grande número de proprietários circunvizinhos e de alguns dos
municípios de São Francisco, Mata de São João e Catu, começou o Reverendo
pároco da freguesia a benção do edifício e das máquinas e aparelhos, executando
a filarmônica 25 de Março, de Santana do Lustosa.” Engenhos Centrais eram
como se designavam as fábricas que tinham um processo mais avançado de produção
(justamente a separação citada acima)do que os engenhos comuns (banguês), sendo
os precursores das usinas de açúcar e álcool. (6)
A construção deste Engenho
Central, já citado por muitos autores como fruto da Escola Agrícola criada três
anos antes, viabilizou a construção da ferrovia, que foi inaugurada três anos
depois. Não por acaso, o Engenho também era do Visconde. Porém, havia outros
engenhos tradicionais na região que também seriam beneficiados pela ferrovia: “Para o transporte das canas, está em
construção uma via férrea na extensão de 15 quilômetros, sendo 10 para o lado
do norte e 5 para o lado do sul. A primeira atravessa e margina os engenhos
Tarefas, Quitangá, Coité de Baixo, Santo Estevão do Triunfo, Regalo,Europa,
Aurora, Gameleira e Chã; a segunda, os engenhos Cana-Brava, Oiteiro, Casa Nova,
Bom Jardim, Malembar, Fazenda Nova, Jacu e outros.” (6)
As dificuldades que a indústria
de cana vinha enfrentando (mão de obra, mercado, impostos, tarifas) não foram
superadas pelo novo modelo. A família Costa Pinto, endividada, optou por vender
o engenho em maio de 1891.“Impossibilitados de moer bastante cana,
profundamente endividados e tolhidos pela escassez de matérias-primas, os
principais donos da usina preferiram vender Bom Jardim à Companhia Agrícola
Usinas e Terras. Um preço total de 400 contos (Bom Jardim com mais suas 40
tarefas de terra e 17 quilômetros de estrada de ferro e o Engenho Bom Sucesso
com 736 tarefas de canavial) [...] Já deves saber que vendemos nossa fabrica
com o prejuízo superior a 400 contos!
(6)
Qual seria o motivo desta bancarrota geral? Além do
que o autor cita (dificuldades causadas pela Europa e Estados Unidos com altos
impostos de importação do açúcar), certamente o fim da escravidão, que aumentou
o custo da mão de obra local. Este tipo de problema ocorreu mesmo em economias já mais ricas na
época, como no Estado de São Paulo. A falta de mão de obra deveria afetar tanto
a colheita e o plantio da cana como o seu processamento na usina. Além do mais,
por algum motivo desconhecido, a ferrovia somente chegaria ao engenho de Bom
Jardim em 1912, pois, em 1883, havia parado na localidade de Jacu. Isto poderia
ter contribuído para aumentar o custo de transporte dos produtos para o
embarque na linha, tanto que, pelo trecho abaixo, vê-se a preocupação com
relação a isto:
É exemplo o Engenho Central de
Bom Jardim. “A estrada de Santo Amaro realmente terminava em Jacu. O trecho de
Jacu/Bom Jardim foi construído pelos proprietários da fábrica Central de Bom
Jardim, o Visconde de Oliveira e o Barão de Jeremoabo. Em 01 de junho de 1884
eles solicitaram à direção da estrada de Santo Amaro entroncar uma linha
férrea, por três quilômetros de extensão, à estação de Jacu, construindo mais
três quilômetros de linha.” (8)
O
fato é que estes três quilômetros de linha devem ter sido concluídos apenas em
1912, que é data em que a linha efetivamente chegou a Bom Jardim. Além disso,
mapas mostram que existia um ramal, de data de construção ignorada (ramal de
Bom Sucesso), de pelo menos 15 quilômetros, e que seguia para outro sentido,
partindo da linha principal logo após a estação de Jacu.
A E. F. Santo Amaro não era mau
negócio em 1894, depois de onze anos de operação no seu trecho inteiro até
aquela época: nesse ano, venderam-se 7440 bilhetes de primeira classe e 20.427
de segunda. As usinas de Rio Fundo e de São Bento deviam a sua existência à
ferrovia, bem como a de Bonsucesso. Em breve, as usinas de Aliança, na freguesia
do Rio Fundo, e a de Rui Barbosa, esta no Bom Jardim, em fase de finalização, também
dependeriam da ferrovia. A estrada passava por dois municípios, na época: Santo
Amaro e São Francisco, e transportava, além de passageiros (renda de 172 contos
de reis em 1894), açúcar (6 mil tons e 34 contos de reis), mel, aguardente,
fumo, animais, além de ter renda proveniente de “trens especiais” – que seriam,
exatamente, estes trens? Nessa época, seu material rodante constava de 2 carros
de primeira classe, 3 de segunda, 1 carro misto para passageiros e 6
locomotivas (4 Baldwin e 2 Rogers, todas americanas), além de vagões para
cargas diversas. As oficinas ficavam em Antonio de Lacerda – que, pelo que pude
averiguar, era uma localidade próxima a Santo Amaro. (7)
Entretanto, nem todas as usinas
tiveram o problema da Bom Jardim: mais moderna, a inauguração da usina de Terra
Nova em 1902 (6) tornou-se uma história de sucesso pelo menos pelos 60 anos seguintes,
embora o resultado da primeira safra tenha sido um desastre, por problemas de “inconvenientes
da estréia sem pessoal habilitado e familiarizado com os mecanismos” e dos preços
da cana e do mel na época. Nesta época, para baratear o fornecimento da cana de
outras usinas, foram construídos mais ramais particulares unidos à E. F. Santo
Amaro, como o “Ramal Pacheco, iniciado em 1901, (que) foi prolongado e
construído em desvio de 500 metros de extensão para servir ao engenho Aramaré,
ficando com extensão de 4.1/2 quilômetros com trilhos de ferro, usados, de 22
quilos por metro, com obras d’arte, com três desvios e um ramal de a500 metros
para o engenho Aramaré, atravessando os canaviais dos engenhos, Terra
Nova-Periperí e Aramaré.”, aplicando-se os pequenos saldos resultante das
safras. “Os concessionários desprenderam na construção da Usina e do primeiro
trecho do Ramal Pacheco de 3 ½ quilômetros, inclusive 1 ½ de linhas férreas na
área da Usina, para desvios de canas, lenha e produtos, a importância de Rs
1:126$000 em moeda legal.” “Construíram mais os concessionários o primeiro
trecho do ramal Boa Sorte, de 6 quilômetros de extensão, com trilhos de aço 21
quilos, por metro, com obras d’arte, tendo sido este ramal trafegado pelas
locomotivas e material pesado da E.F.Santo Amaro.” O material rodante próprio
da usina Terra Nova consistia de uma locomotiva Baldwin de 10 toneladas, “tendo
mudado há dois anos a caldeira e fornalha e este ano rodas motores e reparo de
todas as peças de movimento e casa do maquinista”, 20 vagões com lastro de aço
de 414 metros de comprimento por 2 de largura e com capacidade de 6 toneladas
cada um, mais 5 vagões cm lastro de aço de 9 metros por 2 de largura sobre
truques e com capacidade de 12 toneladas cada um.” (8)
Com a formação da l’Est
Brésilien, em 1911, a Santo Amaro somente não foi a ela incorporada porque o
contrato de sua concessão não permitia que isto acontecesse na época. Ficou,
pois, ela de fora, mesmo estando já ligada por trilhos, em Buranhém, à empresa
francesa.
Em julho de 1918, a estrada (Bom
Jardim) foi arrendada pelo governo baiano ao engenheiro Arthur Hermenegildo da
Silva e, no dia 1°/Jan/1939, incorporada à Viação Férrea Federal Leste
Brasileiro, já sob controle da União. (1)
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