sexta-feira, 30 de maio de 2014

A AGONIA DOS BONDES DE SÃO PAULO: 1964

Carros, bondes e ônibus na avenida São João - Folha de S. Paulo - 20/7/64
Há detalhes interessantes na história da destruição dos bondes e de suas linhas em São Paulo.

Sabemos que, depois de 1927, a Light and Power, dona de todas as linhas paulistanas, desinteressou-se dos bondes depois que a Prefeitura não "comprou" o seu projeto do metrô. Com isto, a Light, que a essa altura ganhava bem mais dinheiro com produção e distribuição de eletricidade para a cidade, parte do Estado e o Rio de Janeiro, passou a relegar o serviço de transporte por carris elétricos a segundo, terceiro e depois a enésimo plano.

Às vésperas da Segunda Guerra Mundial, o prefeito Fábio Prado já tinha em mente extirpar boa parte  das linhas de bonde da cidade. O problema era que as ruas estavam começando a ser pavimentadas, e até asfaltadas; o serviço de ônibus era péssimo, piorado com as ruas em más condições. Logo depois, estoura a guerra e a Prefeitura, através do novo prefeito Prestes Maia, outro desafeto dos bondes, apesar disso obriga a empresa canadense a manter o serviço até pelo menos o fim da guerra - que, obviamente, não se sabia quando terminaria - pois o orçamento para obras estava muito baixo exatamente por causa dela.

Em 1947 a Prefeitura criou a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) que ficou com as linhas de ônibus (não todas) e todas as de bondes da Light. Houve então uma tentativa de reabilitação e melhor manutenção, mas a pressão rodoviarista era muito forte e após a instalação das indústrias nacionais a partir de 1957, ficou insuportável.
Carros e bondes na São João - Folha de S. Paulo, 12/7/64
As linhas foram sumindo aos poucos, meio de forma escondida e inesperada, ônibus elétricos foram instalados em lugar de algumas linhas tradicionais de bondes - e não havia como justificar que um tróleibus tivesse vantagem sobre um bonde em uma rua que era pavimentada om paralelepípedos. Trilhos dão muito mais estabilidade. A rua Augusta foi uma dessas experiências. Lá, em 1952. os bondes foram trocados pelos ônibus. Curioso que os trilhos se mantiveram ali até meados dos anos 1960.

Em julho de 1964, o joral Folha de S. Paulo, claramente contra a CMTC e contra seus bondes que ainda restavam, publicava artigos que faziam o povo acreditar que esse era o pior transporte do mundo. O anúncio do alargamento da avenida Paulista firmava que com isto os bondes teriam de sair (não deixava muito claro por que).

Depois, veio algo mais, digamos, justificável e ideal para levar mais alguns bondes para o cemitério: o estabelecimento de mão única de direção para automóveis e veículos sobre rodas na São João em julho de 1964. Ela, que ainda nem sonhava em ter sobre parte dela o desastroso Minhocão, ficou com uma das linhas de bonde na contramão entre a praça Marechal Deodoro e o Anhangabaú. Isso, claro, era não só inadequado como perigoso. A sugestão? Acabar com eles. Falou-se em jogar as linhas para as ruas paralelas da Barra Funda. O certo (teoricamente) seria colocar uma das duas linhas, a que ficava na contra-mão, na rua das Palmeiras e na Sebastião Pereira, para onde foi a outra mão de direção dos carros. Mas nada.

Lembremo-nos que a alteração de linhas era um fato corriqueiro e de obra rápida, constantemente feito na cidade enquanto houve os carris.

O bombardeio contra os bondes na contra-mão foi pesado. Mas isso não acontecia somente na São João. A Domingos de Moraes (no trecho estreito) e a Consolação também os tinham, mas, se isso já existia nessa mesma época, nunca era citado. (Nota: eu me lembro desses bondes na contra-mão nessas ruas, mas não sei exatamente quando a mão única para carros foi implantada).
Noticia do editorial da Folha de S. Paulo, 24/7/64
Uma pequena nota no editorial da Folha desse mesmo mês (reproduzida logo acima) mostra a sugestão de se mandar os "bondes da São João" para o Mato Grosso.
Folha de S. Paulo, 20/7/1964
Outra nota mostra que já havia bondes desativados sendo usados para outros fins, como servir de bar numa esquina por onde jamais houve trilhos - ver também logo acima.

A garagem de bondes da Glette já nesse mesmo ano havia sido transformada em garagem para troleibus. Finalmente, a última noticia do mês dizia que a Vergueiro e a Brigadeiro Luiz Antonio terial mão única de direção, uma para cada lado (são mais ou menos paralelas). Não me lembro se isso realmente ocorreu.
Bondes na rua Vergueiro - Folha de S. Paulo, 20/7/1964
Até o fim dos bondes em 1966 (todas as linhas menos a de Santo Amaro) e a de Santo Amaro (em março de 1968), mais "assassinatos" houve. A história é longa, são várias.

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