sexta-feira, 9 de maio de 2014

PORTO FERREIRA E SUD MENNUCCI:MUITAS HISTÓRIAS A CONTAR

Uma das laterais do Grupo Escolar Sud Mennucci, que fica na esquina, no "bico" em frente ao Jardim Público - lá em cima, não se o vê na foto. Belíssimo prédio. (Foto de minha autoria - 7/5/2014)
Nesta última noite de terça-feira, dia 6, estive, depois de pelo menos três anos, na velha Porto Ferreira. O motivo: participar da homenagem dos 100 anos do Grupo Escolar Sud Mennucci e ser um dos palestrantes.

Fui muito bem recebido por todos os presentes: porém, não conhecia ninguém. A única pessoa que eu poderia conhecer e estar lá seria o meu primo Austen que mora na cidade; porém, era seu aniversário e ele, claro, não compareceu. Presentes a prefeita Renata Braga, atuais e antigos professores e alunos da escola, além de funcionárias da Secretaria da Educação do município.

Na minha vez de falar, veio a pergunta: falar o que? Eu nunca escrevi discursos. Falar de algo de que  conheço e gosto bastante é perigoso, pode levar a horas a fio. Eu tinha, digamos, não mais de dez minutos para dar o recado.

Resolvi então falar sobre meu avô mais do que as pessoas não deveriam saber. Sua família, por que ele foi a Porto Ferreira, por que ele deixou a cidade... o curioso era que ele chegou para assumir o cargo de professor na escola no mesmo ano em que a escola havia sido estabelecida. O prédio em que eu estava falando era exatamente o mesmo onde ele deu aulas, conheceu minha avó, conversou inúmeras vezes com Lourenço Filho e com Thales de Andrade, este, seu velho amigo de Piracicaba, terra de Sud.

No meio do caminho, eu afirmei que Sud havia chegado à cidade no dia de assumir o cargo: dia primeiro de agosto de 1914. Mas minha memória me traiu. Foi a 3 de setembro. Em pleno início de guerra na Europa - a Primeira Guerra Mundial. Época de incertezas. Devia ser difícil. O país, mesmo estando distante e não participando diretamente da conflagração, começava a ter dificuldades para conseguir mercadorias essenciais. Tudo vinha de fora.

Porém, Sud chegou "no Porto", como todos falam até hoje, viajando no melhor trem que a melhor companhia ferroviária brasileira da época, a Companhia Paulista, poderia oferecer: Porto Ferreira era então a penúltima estação ferroviária da linha que terminava em Descalvado e era a linha-tronco da ferrovia. A estação era nova: em 1913, a Paulista havia derrubado a velha estação de 1880 e construído uma outra, que é a atual que ainda hoje lá está, sem trilhos e com funções totalmente diferentes.

Ele saiu de Piracicaba, onde estava descansando depois de passar pouco mais de um ano exercendo o cargo de professor na Marinha em Belém do Pará. Como faria muitas outras vezes mais tarde, tomaria o trólei para a estação de Limeira onde pegaria o trem. Em Cordeiro, hoje Cordeirópolis, assistiu ao desmembramento do comboio que engataria em outra locomotiva que levaria alguns ds carros para Rio Claro. Sud não precisou baldear, apenas esperar alguns minutos a mais. Ele pode ter descido para tomar um lanche no famoso botequim, também construído nesse ano de 1914, no centro da plataforma triangular de Cordeiro.

O que meu avô jamais escreveu foi onde ele morou na cidade até 1917. Num hotelzinho? Teria alugado uma casa? De qualquer forma, em 1917 ele casou com Maria e aí sim, mudou-se para uma casa.

A cidade era pequena. Já tinha sido maior e mais populosa. Porém, pouco depois da fundação da cidade, que se deu em 1880 com a inauguração da estação ferroviária, a Paulista resolveu que dali sairia, além da continuação dos trilhos até Descalvado, uma linha de navegação fluvial. Isto se deu a partir de 1886. As oficinas dos barcos que seguiam até a atual Pontal, no encontro das águas do rio Mogi-Guaçu e Pardo (o primeiro deles é o que passa pelo "Porto") foram construídas na cidade. Em 1892, a Paulista adquiriu uma linha de bitola estreita que seguia até a vizinha Santa Rita do Passa-Quatro e partia da estação de Porto Ferreira. O material rodante desta ferrovia também se estabeleceram ali. A cidade cresceu muito.

Porém, as obras de construção do porto, movimentação de terra, construção do cais, etc., levaram a uma modificação ambiental - para pior. As águas estancadas em parte da mata anexa à cidade chamaram os mosquitos e a malária chegou rapidamente.

Enquanto houve trabalho, a malária causava seus danos, mas a população tinha trabalho. Quando, em 1903, a Paulista chegou com seus trilhos a partir de Rio Claro à cidade de Pontal, a linha de navegação foi fechada. Os barcos foram vendidos. Parte das oficinas fechou e a parte que cuidava da "bitolinha" foi mudada para Jundiaí. Quando houvesse necessidade de reparo em algum dos trens de bitola menor, ele era colocado em pranchas e levados pelos trens da Paulisa de bitola larga e consertados em Jundiaí.

Cerca de 3 mil pessoas deixaram uma cidade com malária às moscas - ou aos mosquitos. Mas quem ficou, como toda a família de meu bisavö, ficou e arriscou a sorte. Sud, quando chegou, encontrou ainda uma cidade decadente, mas viva. Com o tempo, o problema da malária foi sendo resolvido.

Em 1920, Sud foi passar seis meses em São Paulo na Secretria da Educação. Dali, saiu transferido para Campinas para ser Delegado Regional de Ensino, sendo o primeiro professor que pulou direto desse cargo para o de delegado regional sem jamais ter sido diretor de uma escola. De Campinas, onde passou um ano, foi ocupar o mesmo cargo em sua terra - Piracicaba.

Em 1925, chamado por Julio de Mesquita Filho, transferiu-se para a capital para assumir um cargo na redação do jornal O Estado de S. Paulo, para o qual já colaborava havia anos. Sua primeira filha havia falecido com seis anos no ano anterior - ele estava agora apenas com minha mãe, com menos de um ano, como filha.

O que veio depois foram vinte e três anos de muita luta até sua morte prematura em 1948. Eu contei pouco sobre o que escrevi acima na minha palestra. Não porque não quisesse, mas porque os fatos iam saindo conforme eu me lembrava deles. É assim que gosto de falar. A impressão que ficou foi que quem estava ouvindo gostou da fala. Isso me deixou feliz.

Agradeço muito à Prefeitura por se lembrar de mim e principalmente de meu avô que jamais conheci.

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