domingo, 25 de maio de 2014

A GUERRA DE 1914-18 E O QUE ELA SIGNIFICA PARA MIM


Desde que comecei a aprender história na escola, tornei-me um entusiasta da história europeia. As suas monarquias, seu glamour, a bondade dos reis e nobres, o luxo...

Depois descobri que vários destes itens eram mentiras, mas mesmo assim continuei fascinado pela Europa e sua história. Sempre li bastante sobre o Velho Continente, nem por isso tornando-me um especialista, mas apenas alguém que conhece mais sobre ela do que a média dos brasileiros (o que nem é uma enorme vantagem).

É por isso que, sendo junho de 2014 o mês em que se completam cem anos do assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando da Áustria-Hungria, que serviu como pretexto para a eclosão da chamada Primeira Guerra Mundial exatamente um mês mais tarde, em 28 de julho de 1914, afloram em minha mente perguntas difíceis de serem respondidas.

Imperador Francisco José da Austria (1848-1916).
Ainda estamos, no dia em que escrevo estas linhas, ou seja, hoje, 25 de maio de 2014, a 99 anos, onze meses e 362 dias do fatídico assassinato. O que era a Europa então? Um continente com diversos países, na verdade menos do que existem hoje. Países grandes, uma grande maioria de monarquias onde vários soberanos ainda tinham poder de reinar governando (e nào como é hoje, e na verdade já era naquele tempo, a Inglaterra, onde se diz a frase "o rei reina mas não governa") e, em alguns casos, de forma autocrática e enfrentando revoltas a bala.
Kaiser Guilherme II da Alemanha (1888-1918; morreu em 1941)
A Alemanha era o Império Alemão, o que anos mais tarde Hitler chamaria de "Segundo Reich", pois o Terceiro seria o dele (mesmo sem se chamar de Imperador) e o primeiro fora o Sacro Império Romano-Germânico, que durara 900 anos e era liderado por dois reinos, a Áustria e a Prússia, com o restante sendo uma miríade de reinos, principados, ducados, etc. de tamanho bem menor e que funcionavam em conjunto apenas quando era absolutamente necessário.

Na proclamação do Império Alemão em 1871 como consequência da guerra Franco-Prussiana, vencida pelos alemães, a geografia do velho Sacro Império (extinto em 1806 e uibstituído pela Confederação Germânica e com uma rivalidade entre a Prússia e a Austria bastante forte a essa altura) já havia sido mais uma vez modificada, o número de pequenos países "interiores" da Confederação diminuiu mais ainda, mas continuavam havendo reis em alguns deles, como na Baviera (lembram-se sempre de Ludwig II, ou Luís II, como queiram, que construiu castelos fantásticos gastando rios de dinheiro durante a segunda metade do século XIX), reis e príncipes que somente despareceram no final da guerra de 1914-18, quando o Império desapareceu com o fim da guerra e a fuga de Guilherme II, imperador da Alemanha desde 1888 para a Holanda, e a República de Weimar foi instituída.

Czar Nicolau II (1894-1917); morreu em 1918
E a Áustria-Hungria? O Império Austríaco, unido com o reino da Hungria desde 1854 (o Imperador tinha o título na Áustria e o de rei na Hungria) era uma entidade anacrônica, que reunia os alemães, em geral católicos, do que hoje é a República da Áustria, mas também os eslavos que hoje habitam a República Checa (na época, Boêmia-Morávia), a Eslováquia, parte da atual Polônia, Croácia, Bosnia-Herzegovina, Eslovênia e os húngaros. Havia também muçulmanos no sul do império, consequência de anos de dominação pelo Império Otomano - hoje Turquia, bem menor.

O sultão do Império Otomano, Abdul-Hamid II, era demente, mas governava e isso instabilizava um Império também enorme que entrava pela Ásia e África, mas que estava no fim de sua existência, em franca decadência. Seus anos de ouro começaram a acabar quando a invasão de Viena em 1684 foi evitada com a ajuda de um rei polonês, causando a partir daí o recuo do Império e a liberação da Servia, Hungria, Bulgaria, Grécia, Romênia e outros países, aos poucos. Maomé V assumiu em 1909, reinou até 1918, mas não tinha praticamente mais poder algum. Seu sucessor, Maomé VI, foi o último sultão turco. O Imperio lutou ao lado da Austria, Bulgaria e Alemanha na guerra.

O Império Russo era comandado pelo czar Nicolau II Romanoff, com atitudes violentas mas mau administrador. Foi deposto durante a guerra, no início de 1917, quando a república russa foi proclamada. Morreu assassinado com toda a família no ano seguinte.

Holanda, Belgica, Suécia, Dinamarca, Noruega, Bulgária, Romênia, Espanha, Itália, Montenegro, Grécia e Sérvia eram todos países mais ou menos com as mesmas fronteiras de hoje, todos então monarquias. As exceções eram Portugal, que acabou com a monarquia em 1910, e a França, república desde o final da guerra com os prussianos.

Jorge V da Inglaterra (1910-1935)
E não nos esqueçamos da Inglaterra, que ainda pensava que mandava na Europa, mas que via também a possibilidade de ser suplantada pela Alemanha unida, que investia pesadamente em sua indústria e no seu exército e marinha desde o fim da guerra com os franceses.

Jorge V, rei da Inglaterra, Guilherme II, Kaiser alemão e Nicolau II, czar russo, eram primos. Os dois primeiros eram netos da rainha Vitoria da Inglaterra e haviam, literalmente, brincado juntos.

A situação na Europa era preocupante. o mesmo tempo que as guerras ainda eram consideradas, digamos, corriqueiras, o povo em geral já havia sentido nas guerras mais recentes desde a Guerra da Crimeia (1855), a Austro-Prussiana (1866, guerra com a qual a Prussia expulsou a Áustria da Confederação Germânica), a Franco-Prussiana (!871) as guerras balcânicas de 1912 e 1913 e outras menos famosas, que a tecnologia avançava em escala logarítmica e tanques de guerra, trens, metralhadoras e até mais recentemente automóveis e aeroplanos causaram massacres em escala muito maior do que nos "bons tempos".
Maomé V, sultão do Imperio Otomano (1909-1918)
A velha filosofia de que a guerra era algo que se esperava para se tornar a escada para a glória de sua pátria estava começando a desaparecer. Mesmo assim, ainda havia entusiastas. Depois da eclosão da guerra, a estação da Luz, em São Paulo, lotava de alemães, italianos, ingleses e franceses que haviam emigrado para cá no século XIX e começo do XX. Os trens desciam a serra para o porto de Santos onde havia navios esperando-os para defenderem suas pátrias de origem na conflagração. O número de pacifistas, no entanto, já aumentava antes do fatídico 1914.

A guerra surgiu não exatamente por causa dos tiros em Serajevo, mas por que a Austria-Hungria fora extremamente dura em suas exigências sobre a Servia para a investigação de quem financiava a Mão Negra, entidade terrorista a qua pertencia Gavrilo Prinzip, servio autor dos disparos contra o arquiduque durante a vista deste e de sua esposa a Serajevo.

(Nota: o curioso é que a cidade de Serajevo e o país Bosnia-Herzegovina estavam já esquecidos fora daquela região quando estourou a guerra de separação dos estados da Iugoslávia nos anos 1990).

Mesmo com a pressão da Russia, defensora dos servios, aconselhando-os a aceitar todas as exigências austríacas, a Servia demorou muito para se decidir. A Áustria atacou para mostrar força. Aí, veio a sucessão: a Russia mobilizou exércitos na fronteira com a Alemanha; com isto, a França se mobilizou na fronteira ocidental alemã, pois tinha um tratado com a Russia; a Alemanha então declarou guerra a ambos, invadindo a França primeiro para tentar liquida-la e aí partir para cima da Russia. O plano era atacar passando pela Belgica, que, como país neutro, não permitiu tal passagem; os alemães passaram assim mesmo e a Inglaterra se viu obrigada a defender a Belgica e declarou guerra também aos alemães.

Enfim, a Europa de 25 de maio de 1914 - cem anos para trás a partir de hoje - era mais parecida com os contos de fadas ou com os quadros que vemos até hoje pendurados nas paredes do mundo inteiro com cenas de batalhas mostrando a cavalaria, esadas e sabres, canhões em posições gloriosas e com gente que parecia sentir orgulho e não medo de morrer. Detalhes interessantes e inacreditáveis levaram a os soldados franceses a lutarem com as calças vermelhas como em guerras francesas - era inadmissível para o alto comando francês que "les pantalones rougés" não fossem usadas, numa época em que a cor vermelha era um chmariz eficientíssimo para se levar um tiro inimigo. E não nos esqueçamos que a história da troca de cigarros, a celebração com vinhos e o jogo de futebol entre soldados ingleses e alemães entrincheirados, como comemoração na noite do natal de 1914, foi absolutamente verdadeira.

A Europa de 1919, ano que se iniciou a menos de dois meses da rendição da Alemanha (embora em 9 de novembro de 1918 o Império ainda estivesse com grandes chances de prolongar a guerra e ganhá-la) já era muito diferente da que começara a guerra havia apenas quatro anos e três meses e meio antes. O "apenas" refere-se ao fato de terem havido guerras bem mais longas antes - e mesmo depois - do que essa.

E também se refere ao fato de que basta ler jornais e revistas dessa época para ser ver como tudo mudou, inclusive a diagramação e estilo das publicações, a moda, principalmente a feminina, a formalidade nos textos. Não se vê, pelo menos em mjnha opinião, tanta diferença nesse sentido entre o começo e o final da Segunda Guerra Mundial (1939-45).

Eu nasci em 1951, trinta e sete anos depois do início da Primeira Guerra. Desde então vivi sessenta e dois anos. A diferença entre 1914 e 1951 parece-me muitíssimo maior, atendo-me aos detalhes que citei no parágrafo acima, do que entre o ano em que nasci e hoje. Claro, pode ser impressão, apenas um sentimento, já que antes de 1951 eu não vivia. Tudo o que conheço antes desse ano baseia-se no que li e ouvi.

Porém, saber que reis e imperadores vestiam-se da forma ostentadora de realeza não tão diferente de séculos passados, de saber que o Imperador Francisco José da Áustria, que iniciou a guerra dando ordens para o bombardeio de Belgrado a partir de navios austríacos no rio Danúbio, era o mesmo que se casou com a Imperatriz Elisabeth nos anos 1850 e foi protagonista, com atores, é claro, de um grande caso de amor que deu argumento para uma série de três filmes em Holywood.

E que a Russia ainda tinha czares, a Alemanha Kaisers, sempre vestidos com grande pompa, tudo isto... trinta e sete anos antes de eu nascer... é bastante estranho.

Assim como é estranho que, com todas as tragédias das duas guerras mundiais, das revoluções internas, com a russa, a espanhola, as guerras balcânicas de 1912 e de 1913, as revoluções húngara e tcheca de 1956 e 1968, tudo e plena Europa, teoricamente o continente mais experiente na história do mundo, ainda houve espaço para a guerra da Iugoslávia, entre 1991 e 1997, ou seja, menos de vinte anos atrás.

Todas as conflagrações citadas acima mataram um número incalculável de pessoas, militares, civis, brancos, negros, amarelos, crianças, adultos, velhos, culpados e inocentes. É muito estranho. O século XXI vai manter a paz na Europa, que já dura cerca de dezessete anos.. apenas?


3 comentários:

  1. Mais uma aula de história. Aprendo muito com o Sr. Ralph, que para mim é um grande professor.
    Parabéns.

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  2. Quando a gente lê sobre o que esta acontecendo na Ucrânia e com a anexação da Crimeia pela Russia, Parece que estão com saudades de começar uma outra guerra estupida e matar mais gente. Afinal tem gente demais no planeta, não?

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  3. A Bósnia-Herzegovina, não sei, mas Sarajevo não devia estar tão esquecida assim nos anos 1990, até porque ela sediou as Olimpíadas de Inverno em 1984.

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