Leo (esquerda) e Sud no parque do Guapira em 1920.
Leo Vaz foi redator e mais tarde chefe de redação do jornal O Estado de S. Paulo. Nasceu em Capivari, SP e foi grande amigo de meu avô Sud Mennucci, dos tempos em que esteve morando em Piracicaba. Morou em outras cidades, como Monte Alegre (hoje do Sul). Nos anos 1940, devido a divergências no jornal O Estado de S. Paulo, onde Sud também trabalhou e foi diretor na época da intervenção (1941-1945), romperam. Sud morreu em 1948. Leo morreu mais tarde.
Aqui, reproduzo uma carta de Leo a Sud, em 1912. Interpretem como quiserem. Vale pelo português da época e pelos assuntos, como a Alemanha pré- Primeira Guerra. Segue abaixo.
"Monte Alegre, 23/9/1912
Caro Sud.
Abraços.
Já andava, ha dias, com a penna na mão para repetir a dose enviada na minha ultima carta, suppondo que a não tivesses recebido por teres sahido de Piracicaba antes que ella lá fosse ter. Mas, antes que o fizesse, cá veio ter a tua carta de 28. Mais uma razão pois para por de parte a indolencia e executar a ideia.
Foi para mim uma surpreza ver no “Jornal” e na “Gazeta” a noticia da tua nomeação e partida para Dourado. Porque foi esse um projecto de que nunca me fallaste e que eu não suspeitava siquer que tivesses na cachola. Porque diabo abandonaste a Piracaia? Julgava-te definitivamente installado na Pedantopolis onde me parecia estares muito a gosto de teu genio mordaz e ironico: - tantos typos... É verdade que delles ha em todo o globo e, por certo, não os encontrarás em menor quantidade nesse Dourado, que por signal não sei onde fica e vou consultar a Geographia para descobrir a estrada de ferro que ahi vae ter.
Tens razão quando affirmas que conheço perfeitamente esse nosso proximo... Mormente agora que vim dar neste lugarejo onde esse senhor encontra todas as condições favoraveis para florescer. Tal qual como o da tua descripção, ha aqui um proximo adoravel. Desses mesmos que chegaram, em materia religiosa á nobre conclusão de que “a religião é indispensavel, porque é um freio!...” Mas eu me fiz accessivel a todas estas boas pessoas entre as quaes me divirto, observando-as em todas as faces da sua banalidade. De resto, teem para mim a serventia de se fazerem optimos parceiros para o bilhar, onde me proclamaram, graves e profundos, o primeiro taco! E acham, de certo, que me proporcionam, com isso, a suprema felicidade! Imagina agora, tu que o sabes, onde vão ter as aspirações litterario-philosophicas de um mortal, num recanto destes – na ponta de um taco!
Resta-me porem o consolo do trato diario com os nossos amigos invariaveis – os livros. E por fallar em tal, aproveito a occasião para completar a digestão de alguns que acabo de ler e dos quaes sinto necessidade de fallar com alguem que me entenda. E desses alguens bem conheces a abundancia...
Li, como ja te fallei noutra carta, as “Notas” de Eça. Deste livro nada tenho a accrescentar, pois que ja bem me conheces a opinião sobre o autor. A proposito – tinhas me promettido collaboração para o artigo sobre Eça, publicado pelo “Jornal” e, afinal vi-o sahir tal como o mandei. Porque te abstiveste de completar a parte referente ás obras que me faltam ler? É verdade que o mandei um pouco atrazado; mas, enfim, isso não constitue, absolutamente, um obstaculo.
Pois, palavra que não achei mais graça no artigo, sem a tua ajuda, porque, certo de que o farias, deixei ao teu cuidado as ultimas demãos. Mas é claro que alguma razão tiveste para assim proceder, portanto, vamos adiante. Li a “Origem do Homem” de Haeckel. O resultado dessa leitura, bem como da ultima que fiz da “Antiga e Nova Fé” de Strauss, foi o dar base scientifica ou philosophica a concepções velhas acerca dos factos e das coisas do Universo, concepções que, talvez por intuição, já eu tinha, como sabes, de me ter ouvido já, como sucedeu com Büchner e outros de que me fallaste, ha tempos, em cartas. A respeito porem, de Strauss, não posso deixar de te communicar a minha má impressão, vendo um allemão tão infantilmente allemão, ao lado do philosopho. Como julgo que se deu comtigo, foi para mim uma perfeita descahida a ultima parte dessa obra de Strauss em que elle se põe a prégar a monarchia e a endeusar a Allemanha, os allemães e, synthese de ambas as cousas – os Hohenzollern. Lembrei-me daquella passagem de Eça, quando diz existirem na Allemanha escolas philosophicas cujo fim é explicar, analysar, decifrar e, sobretudo, impor o Kaiser ás consciencias...
Com effeito, depois de se manter tão bem na primeira parte do livro, Strauss, para mim, infantilisou-se saxoniamente. Talvez o sangue latino seja quem me leva assim a fazer tal juizo ao autor que não perde vasa para depreciar o carater dos franceses. Seja! Mas si é esse preconceito de raça que me domina neste caso, elle é sobremaneira desculpavel diante do chuvinismo estreito e tolamente ingenuo da parte de um philosopho da envergadura de Strauss. Tambem não pude tragar o traductor da obra que, a todo instante oppõe notas aos conceitos do autor, levado por um tambem estreito sectarismo positivista. Depois desta leitura accendeu-se-me o desejo de ver o mesmo assumpto tratado por um latino, francez de preferencia. Indica-me pois, tu que tens lido mais do que eu nesse campo, um autor que, pelo menos seja razoavel.
Quanto ao Positivismo, já que nelle tocamos, sempre o considerei uma doutrina tão secca, arida e estreita como toda outra religião e que, por isso mesmo que é uma Escola, me repugna ao espirito, porque sempre tive uma invencivel tendencia ao Livre-pensamento, mas tomado na sua exacta expressão, isto é, completa independencia no modo de encarar e resolver os problemas, sem me filiar a doutrina nenhuma, embora bebendo os principios naquellas que me parecem mais justas."
A carta não acabava aqui, mas a segunda folha desapareceu nas brumas do tempo.
sexta-feira, 15 de março de 2013
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Curiosas as expressões e palavras antigas. Agora, meu conhecimento sobre português, digamos, arcaico, não se resumirá simplesmente a "farmácia" por "ph".
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