quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O ACIDENTE NO PÁTIO DA SHELL - LINS, 1953


A fotografia é péssima (Folha da Manhã, 21/7/1953), mas serve para mostrar que o depósito (onde se origina a fumaça) ficava junto à rotunda da Noroeste (que ainda existe, abandonada). A rotunda pode ser vista em primeiro plano.

Acidentes ferroviários existiram às centenas, talvez aos milhares, no Brasil, durante os 159 anos de ferrovias por aqui. Desde pequenos descarrilamentos sem maiores consequências, mas que geralmente impediam por horas o tráfego normal de outras composições, até grandes incêndios causados por cargas, batidas ou mesmo explosões de caldeiras das locomotivas a vapor.

É possível até que muitos acidentes nem tenham sido reportados na época em que ocorreram, pelos mais variados motivos. Não tenho como dizer que a frequência desses acidentes tenha sido maior ou menor no Brasil do que em outros países que têm ou já tiveram ferrovias - praticamente todos os do mundo.

Fato é que, no Brasil, sempre se considerou como a empresa "campeã" de acidentes a Central do Brasil. É possível que tenha, mesmo, sido ela. Afinal, era uma das maiores ferrovias do país, tanto em quilometragem, quanto em movimento de composições de cargas e passageiros. Houve, porém, diversos acidentes também reportados em ferrovias como Sorocabana, Mogiana e Noroeste, somente para citar o Estado de São Paulo. Eram mesmo raros acidentes nas tão bem-faladas Companhia Paulista e São Paulo Railway? Difícil de se ter certeza, já que nem todos os acidentes foram e são reportados, mas que elas tinham boa fama entre os jornais, tinham. Isto poderia, inclusive, fazer com que diversos acidentes delas não tenham sido relatados. Porém, sabe-se que elas realmente eram as empresas brasileiras que melhor e mais davam manutenção a seus trens e linhas.

Não vou ficar entrando em maiores detalhes sobre acidentes aqui, mas houve um que me deixou surpreso. Soube dele por um jornal, a Folha da Manhã, em duas de suas edições de julho de 1953. Foi na E. F. Noroeste do Brasil, em Lins, cidade paulista entre Bauru e Araçatuba.

Lins tinha, próximo à rotunda, um depósito de combustíveis da Shell, nessa época. A locomotiva - identificada por Eduardo Coelho como sendo uma máquina a vapor "Jiboia", nome este dado às suas "irmãs" que a Companhia Paulista possuía -, bastante grande e possante, estava recebendo água para sua caldeira num dos desvios da linha, que ficava próximo ao depósito da Shell, quando começou a andar sozinha e, desgovernada, entrou no pátio da petroleira. A Noroeste havia comprado essa máquina, de número 1010, da Sorocabana, recentemente.


A área, hoje, mostra (Google Maps) a rotunda, o antigo leito (hoje retirado) e a área do incêndio, em desenho feito por Daniel Gentili. Reparem também que onde a fotografia de 1953 mostra o que parece ser um campo vazio (no alto e no canto esquerdo daquela foto), hoje há ruas e casas.

Aí, uma sucessão de pequenos acidentes causou o problema: a máquina descarrilou e avariou a tubulação de óleo combustível que alimentava os caminhões da Shell. Como os carros-tanque estavam sendo abastecidos nesse momento, o óleo começou a vazar. O chamado "sujeiro" - depósito de cinzas e de materiais ainda em combustão - despejou-se sobre o óleo e uma série de explosões se sucedeu. O teto e as paredes do depósito ruíram com o incêndio violento e instantâneo.

A preocupação de quem combatia o incêndio, funcionários da Shell e da Noroeste, era impedir que o fogo se alastrasse e atingisse os depósitos de combustíveis outros da empresa de petróleo. Os bombeiros foram trazidos de São Paulo de avião, mas chegaram cerca de quatro horas depois do início do fogo. Foi a primeira vez que se fez esse transporte por avião. O que eles fizeram a essa altura foi basicamente o rescaldo, que durou horas.


A locomotiva "Jiboia" da Companhia Paulista, em foto de 1936 posando em Espraiado, Brotas, SP, quando ali ainda existia linha de bitola métrica. A locomotiva que causou o incêndio em Lins era igual a esta e era da Noroeste

Quem agiu como verdadeiro herói, no entanto, foi o próprio motorista do carro-tanque, que, correndo no meio do fogo e da fumaça, fechou as válvulas dos reservatórios de combustível. O incêndio somente foi controlado doze horas depois, quando já era noite. A fumaça podia ser vista a oito quilômetros do local do sinistro.

O que me surpreende é que hoje, na cidade, ninguém sabe desse acidente que, realmente, pôs em risco a cidade inteira. O meu amigo que mora em Lins saiu à cata de informações, quando eu lhe enviei a reportagem: ninguém sabia de nada. E como tudo isso ocorreu na linha velha, que corria atrás da rotunda hoje abandonada num local em que hoje é um denso matagal e já foi retirada há cerca de cinquenta anos (hoje ela passa mais para fora da cidade), as pessoas ainda se surpreendem em saber que naquele ponto passava uma linha férrea e continha um depósito de combustíveis, que, aliás, foi totalmente destruído. A única pessoa com quem Daniel conseguiu alguma informação foi um senhor de 82 anos de idade.

Por outro lado, uma enorme coincidência: o gerente de operações da Shell naquela época, com o nome na reportagem, era um tal de José Hugo Ramalho. Eu conheci bastante esse senhor, que, infelizmente, faleceu em junho de 1980. Ele era muito amigo de meu sogro, Geraldo Linhares, que entrou para a Shell dois anos depois desse incêndio, no Rio de Janeiro. Ramalho era cearense e trabalhou muito tempo no Rio. Meu sogro era de Campos, RJ, mas em 1968 veio transferido para São Paulo, de onde jamais saiu até falecer prematuramente em 1984. Minha esposa e a filha única de Ramalho eram muito amigas e se comunicam até hoje.

Regina Ramalho, esposa de José Hugo, faleceria em 23 de outubro de 2019.

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