domingo, 27 de maio de 2012
A CPTM E O INTERIOR PAULISTA ESQUECIDO
É como chorar o leite derramado, mas o grande erro (que parece que estamos percebendo hoje) foi, quando da criação da Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos, ou CPTM (que, segundo alguns, teria o nome colocado em homenagem à melhor ferrovia que já existiu no país, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro), não terem lhe dado também a posse dos ainda existentes então trens de passageiros de longa distância da combalida FEPASA, em 1992.
Num exercício de supositologia (ou seja, de supor o que poderia ter acontecido nestes vinte anos - não confundir com o estudo de supusitórios), podemos imaginar o que poderia ter acontecido desde então.
A nova empresa teria absorvido as linhas da então CBTU (ex-Central e SPR) e de subúrbios da FEPASA (ex-Sorocabana), como defato aconteceu, e teria levado junto os trens de passageiros de longa distância que ainda operavam nesse momento há vinte anos atrás: Campinas-Araguari, São Paulo-Panorama, São Paulo-Barretos, São Paulo-Santa Fé do Sul, São Paulo-Presidente Epitácio, Santos a Juquiá e Santos a Embu-Guaçu. Poderia até ter sido "presenteada" com a São Paulo-Santos, e a Bauru-Corumbá, operadas então pela RFFSA. Lembremos que a essa altura a São Paulo-Rio não operava mais desde 1991. Então, deixemo-las de fora de nosso "exercício".
No início, o que deveria acontecer seria algo igual ao que ocorreu de fato nos anos entre 1992 e 1996: a CPTM começaria a "apagar incêndios", ou seja, nem olharia para os trens de longa distância, mas com relação aos subúrbios, trataria de pôr ordem na casa: tentar acabar com pingentes, acertar horários e outras providências de urgência - lembrando que, na realidade, os pingentes somente acabaram de vez em 2000, ano em que os subúrbios, agora chamados de "trens metropolitanos", já operavam em condições bastante melhores.
Com relação aos trens de passageiros, o que aconteceria nesta realidade alternativa? Creio que, em 1997, quando foram extintos os trens para Araguari, o Santos a Juquiá e o Santos a Embu-Guaçu, na "realidade alternativa", apenas o último teria sido suprimido: era um trem de baixa frequência, utilizado mais para transporte de funcionários e que tinha boa parte do percurso na linha mais ocupada do Estado, ou seja, a Mairinque-Santos, cheia de cargueiros cada vez maiores. Não havia razão para este trem continuar operando, a não ser que fosse esticado até São Paulo. Como a linha São Paulo-Santos da antiga EFSJ também não teria tido suas atividades encerradas em 1996 (infelizmente, isto ocorreu na nossa realidade), não haveria uma grande justificativa de se ter outra linha por outro percurso que tomaria mais tempo e que já não funcionava desde 1976.
Da mesma forma, as outras linhas também seriam mantidas: as das velhas Paulista, Sorocabana e Mogiana. Em nossa fatídica realidade, acabaram todas entre 1997 e 2001. Como na "realidade alternativa" elas foram mantidas, não poderiam, como de fato as foram, ter sido extintas por causa da privatização cargueira. Estes teriam que conviver com os passageiros, como ocorreu de fato por 130 anos.
A CPTM da "realidade alternativa" provavelmente não se chamaria CPTM e sim ALGO COMO CPTMLD (Cia. Paulista de trens metropolitanos e de longa distância). Também teria de ter basicamente dois departamentos, um para cada tipo de trens. Seria, obviamente, maior do que é agora. Os funcionários da parte de longa distância teriam de se comprometer com a manutenção em uma qualidade mínima nos primeiros anos (até que os trens metropolitanos estivesse, digamos, "nos eixos"), para depois sim pensarem em como fazer para melhorar trens e linhas.
Para terem trens melhores, diversas linhas teriam de ser refeitas (praticamente todas, não necessariamente em trechos diferentes dos de carga, mas que seria bom segregar essas linhas a médio prazo, seria), material rodante precisaria ser comprado. Seria feito aos poucos, como a CPTM fez com as linhas dos metropolitanos. As primeiras linhas de longa distância a merecerem a atenção seriam as mais próximas a São Paulo (para Campinas, Sorocaba e Santos) e, para São José dos Campos, teriam de fazer tratativas com o governo federal para terem pelo menos a parte paulista da linha da antiga Central, ou, melhor ainda, construírem uma linha totalmente nova para o Vale do Paraíba. Enquanto isto não estivesse feito, não haveria trens para lá.
Numa segunda fase, mereceriam atenção as cidades ou grupos de cidades que poderiam ter trens metropolitanos ou regionais, ligando diversas delas em ligações mais curtas que se intercalariam com os trens de longa distância. Nestes casos estariam incluídas cidades e regiões de Bauru, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Rio Claro, São Carlos, Araraquara, Botucatu, Presidente Prudente e Sorocaba, entre possíveis outras. Na terceira fase, viria a atenção poara os trens de longa distância, que, durante as duas fazes, estariam operando, digo novamente, com um mínimo de qualidade em termos de conforto e horário.
A FEPASA, transformada em concessão "cargueira" após 1992, poderia até ter sido entregue como pagamento de dívidas para a RFFSA, mas como boa parte de suas linhas teria sido dada em concessão à CPTMLD em 1992, pouco sobraria para isso: apenas linhas que não tivessem trens de passageiros poderiam ser entregues, linhas como a Campinas-Mairinque-Santos e de ramais como a antiga Botucatu-Bauru, ramal de Caldas, de Itararé, ramal de Piracicaba e de Descalvado, além do de Sertãozinho, o de Passagem-Pontal e a São Paulo-Minas. A maioria dessas linhas era em bitola métrica e, com exceção das quatro primeiras citadas, as outras, hoje, não são utilizadas, algumas até com trilhos já retirados.
Como boa parte das cargas que passam por São Paulo (poucas cargas são originadas hoje dentro do Estado, pasmem os senhores) vem do Mato Grosso, a linha da E. F. Araraquara e a da Paulista, entre Araraquara e Campinas (Boa Vista), que ainda seriam utilizadas para trens de passageiros, teriam de ser divididas com cargueiros hoje bem maiores do que os antigos, o que geraria inúmeras discussões.
Por outro lado, se compararmos com o que efetivamente ocorre hoje nas linhas paulistas que tinham trens de passageiros em 1992, as duas linhas citadas acima são praticamente as únicas que mantêm tráfego mais pesado de cargas. A linha da ex-Mogiana (Campinas-Araguari) e o trecho Iperó-Botucatu têm também quantidade razoável de cargas. O restante tem pouco ou nenhum movimento e vou citar os trechos um por um. São eles: São Paulo-Iperó, Botucatu-Presidente Epitácio, Itirapina-Panorama, Santos-Juquiá, Jundiaí-Boa Vista e Araraquara-Barretos.
As antigas linhas eletrificadas poderiam continuar a ser utilizadas pelos trens de passageiros. Estes trechos eram (não cito aqui os trechos hoje usados pelos trens metropolitanos): Amador Bueno-Assis, Campinas-Rincão e Campinas-Casa Branca - este último nunca operou comercialmente, mas estava lá, pronto, em 1992.
Com tudo isto, a CPTM e o governo não precisariam hoje estar falando muito e fazendo pouco para reativar os trens regionais e somente na região da capital a 100 km de distância, sem falar nada acerca de outras enormes possibilidades interior afora, possibilidades que foram realidades durante 130 anos e que foram atiradas no lixo. Agora, são estudos ambientais que se prolongam por anos e cheios de baboseiras, são viagens para se conhecer o que se faz lá fora e que nunca resultam em nada. Melhor seria uma viagem aos livros e sites sobre a história ferroviária do Estado e do país.
Acorda, pessoal! Catem o leite esparramado e joguem de volta no balde o mais rápido possível e atendam as necessidades reais do povo.
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ResponderExcluirRalph, São Paulo perdeu uma grande oportunidade de ter feito um sistema de licitação semelhante ao realizado na Europa: dividir a FEPASA em três partes (cargas, passageiros e infra-estrutura), conceder os serviços de carga/infra-estrutura para a iniciativa privada e continuar a operar os trens de passageiros. Acredito que o Covas poderia ter dado a DERSA e algumas das rodovias estaduais para o governo federal como garantia para pagamento de dívidas do BANESPA (tá certo que a qualidade das vias iria despencar...), mas iríamos ter a nossa ferrovia gerando recursos e empregos para São Paulo.
ResponderExcluirMas, como não temos gente visionária no comando de nosso país...
Ralph, se o trecho Botucatu-Iperó tem "quantidade razoável de cargas" e o trecho Iperó-São Paulo "tem pouco ou nenhum movimento", o que acontece c/ as composições em Iperó? Pegam o tronco principal sul da all?
ResponderExcluirEm Iperó, ou entram para o sul pelo ramal de Itararé, hoje ramal de Pinhalzinho, ou vão para Bauru e Noroeste.
ResponderExcluirTeríamos uma empresa distinta... Uma Amtrak Paulista, quem sabe...
ResponderExcluirteríamos, faríamos, pretendíamos, íamos. Tudo na condicional. Na verdade, nos somos um país de bosta mesmo!
ExcluirUrge reativar também a Ytuana em toda sua extensão, a Bragantina e a Itatibense, para trens regulares de passageiros.
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