domingo, 6 de maio de 2012

MEMÓRIAS DO RAMAL DE ÁGUA VERMELHA

Estação de Alfredo Ellis sete anos após sua desativação. Acervo Marco Zambelo

O ramal de Agua Vermelha, em São Carlos, foi inaugurado pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro no início de abril de 1892. Inicialmente chegava até a estação do mesmo nome, um pequeno bairro rural (hoje distrito) daquele município. Em 1893, o ramal foi aberto até seu ponto final: outro hoje distrito, o de Santa Eudoxia, próximo à margem esquerda do rio Mogi-Guaçu.

Esse ramal havia sido projetado pela Companhia Rioclarense, antes da aquisição desta pela Paulista, que se deu pouco antes da abertura do ramal, em 1892. Portanto, ele já deveria estar com seu primeiro trecho praticamente pronto quando a compra foi finalizada. Aliás, em 1884 já havia um estudo independente para a instalação de uma linha de São Carlos até Água Vermelha. Este estudo teria sido vendido à Rioclarense depois e gerado o ramal?

A linha de Água Vermelha - que manteve o nome, apesar do final estar em Santa Eudoxia - durou até 12 de fevereiro de 1962, quando foi fechado pela Paulista, à época já estatal. Curiosamente, nem nos jornais de São Paulo, nem nos de São Carlos dessa data e após, encontrei qualquer referência a esse fechamento.

A data acima referida foi citada nos relatórios da Companhia Paulista para o ano de 1962. Nos dois anos seguintes, houve pequenas notas nesses relatórios citando o arrancamento dos trilhos. Em junho de 1964, encontrei na Folha de São Paulo um edital de concorrência da CP para os serviços de levantamento dos materiais na via permanente do ramal.

Mais curioso é que o Guia Levi, em suas edições até 1965, acusava horários para o ramal. O engano deve ter sido da CP, que continuava passando para o guia informação errada. Por que terá sido? O fato é que outras fontes claramente dão a data de encerramento como fevereiro de 1962, então... não há mais dúvidas quanto a isto.

Também é sabido que o ramal, curto como sempre foi (sessenta e três quilômetros), nos anos 1950 já devia estar sendo um sorvedouro de dinheiro. Água Vermelha ficava já ao lado da rodovia São Carlos-Ribeirão Preto, que a esta altura, asfaltada ou não, já tinha bom movimento - então, a manutenção da rodovia devia ser constante. O café começava a sumir dali, também. O que sobrava? Passageiros. Para acabar com eles, a Paulista deu uma de esperta e, por volta de 1959, mudou os horários: em vez de o trem partir de Santa Eudoxia toda manhã e voltar de São Carlos no fim da tarde do mesmo dia, passava agora a partir de manhã de São Carlos.

Como o movimento de passageiros era grande do distrito para a sede pela manhã e não o contrário, a inversão dos horários forçava as pessoas a dormir em São Carlos para conseguirem fazer os afazeres durante o dia seguinte, o que aumentada as despesas. Com isso, diminuiu drasticamente o uso por passageiros.

Com pouca carga e passageiros, a Paulista pôde fechar a linha e fê-lo o mais rápido possível, apenas oito meses depois de ser estatizada. Imagino como deve ter sido para os poucos usuários que ainda preferiam usar o trem, de um momento para outro, ficarem sem ele: não somente os que moravam de Água Vermelha para a frente, até Santa Eudoxia, caminho que era atendido apenas por uma pequena estrada vicinal - neste trecho, as alternativas eram problemática nessa época - quanto os que viviam entre São Carlos e Água Vermelha (no vale do rio Quilombo), um trecho que, até poucos anos atrás pelo menos, era servido por péssimas estradas.

É interessante ver também que tanto Água Vermelha quanto Santa Eudoxia pouco cresceram durante a existência do ramal, que lhes dava acesso fácil numa época sem estradas. As estações intermediárias (Babilônia, Canchim, Capão Preto, Araraí e Alfredo Ellis), então, são locais pequeníssimos e isolados até hoje.

Das estações do trecho, hoje somente sobrevivem em pé quatro delas: Babilônia (totalmente descaracterizada, pois foi reformada depois de estar praticamente arruinada), Araraí, Alfredo Ellis e Santa Eudoxia. Fora a de Alfredo Ellis, abandonada e no meio do mato, as outras duas estão bem cuidadas e com poucas modificações em relação a sua arquitetura original. Todas elas sempre se mantiveram como o mesmo prédio de 1892/3, arquitetura típica da Rioclarense, construções simples, telhados de duas águas, dístico com adornos e em alto-relevo. As que foram entregues no primeiro trecho foram-no sem o tradicional óculo de respiro na cumeeira lateral. As que vieram depois já os têm (tinham).

4 comentários:

  1. Recebi este comentário de Carlos Augusto Leite Pereira, que não conseguiu postá-lo: Sobre sua postagem de hoje, por ter morado em S.Carlos até julho de 59, posso afirmar que, até essa data, a estrada de Água Vermelha não era asfaltada. Sei disso pois tinha uma tia que era proprietária da Fazenda Macaúba, que ficava em Água Vermelha, e também mantinha uma casa em S.Carlos porque era uma aventura ir para a fazenda à noite.
    Quanto ao horário do ramal, enquanto eu morei em S.Carlos ele não deve ter mudado, pois sempre que íamos viajar pela Paulista (para S.Paulo, Rio Claro ou Visconde do Rio Claro) entrávamos na plataforma da estação de S.Carlos atravessando a plataforma de um dos carros de passageiros (de madeira) do trem de Água Vermelha que estava estacionado na gaveta daquela linha. Como as viagens que fazíamos eram sempre à tarde, o trem de Água Vermelha não estaria ali se já tivessem invertido seu horário. Infelizmente eu nunca andei no trem de Água Vermelha.

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  2. Infelizmente, Carlos, o horário mudou mesmo, e foi mais ou menos nessa época em que v. sdaiu da cidade. Isso contribuiu muito para o esvaziamento do trem para Água Vermelha e Santa Eudoxia.

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  3. Ralph, acabo de descobrir que o problema era antigo. Veja o que foi publicado no Estadão de 28.01.1916:
    "Será por estes dias apresentado à directoria da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, por intermédio da Camara Municipal desta cidade, um abaixo assignado subscripto por todos os lavradores, commerciantes, professores, etc. que residem no ramal de Agua Vermelha, no sentido de obter da referida companhia um novo trem diario que parta pela manhan, desta cidade e que cruze com o que aqui chegua de Santa Eudoxia, ponto terminal daquella linha.
    Este novo trem é de absoluta necessidade e, attendendo a isto cremos que a Paulista virá de encontro aos justos desejos dos signatários.
    Até o presente, só está em tráfego um trem que parte desta cidade às quatorze horas e vinte minutos, regressando só no dia seguinte, às onze horas e quarenta minutos, ficando dest'arte, obrigado a pernoitar na povoação quem alli fôr desta cidade ou da capital."
    Nota: Claro que queriam dizer que "a Paulista virá ao encontro dos justos desejos"

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    1. Eu chequei alung horarios de épocas diferentes. Variavam. Mas a última modificação para o horario maluco, se não me engano, foi em 1959 e não voltou mais.

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