domingo, 8 de janeiro de 2012

CARVÃO, LENHA, DIESEL E ELETRICIDADE

Locomotiva a vapor da Cia. Paulista com tender de lenha anexado.

As ferrovias brasileiras começaram a sua história em 1854 com locomotivas movidas a carvão. Na época, era o que existia e era recomendado no mundo todo.

Não se sabe quando as locomotivas passaram a usar lenha, mas deve ter sido muito cedo. Por mera especulação minha, isso deve ter ocorrido quando o carvão tenha acabado no depósito de uma ferrovia qualquer, talvez por uma importação do material ter demorado, e a solução foi cortar lenha.

O carvão tinha de ser importado. Havia carvão no Brasil, mas, infelizmente para nós, de qualidade inferior, com excesso de impurezas que não somente diminuíam o rendimento, mas também reduziam o tempo de vida útil das caldeiras exatamente pela presença de contaminantes indesejáveis.

É sabido que o consumo de lenha aumentou abruptamente durante a Primeira Guerra Mundial. A maior parte do carvão consumido no Brasil vinha da Europa, que, por motivos óbvios, não podia dispor desse material em tempos difíceis. E quem estava disposto a vender aumentou o preço de forma, digamos, inconveniente. Surge então a lenha em grande quantidade. Uma das histórias que se conta é que o Banhado, em São José dos Campos, era uma floresta que foi vendida - sua madeira, não o terreno - pela Prefeitura da cidade em 1917 para a Central do Brasil mover suas locomotivas.
Locomotiva elétrica ("Baratona") em Jundiaí, ex-Paulista, então FEPASA.

Começam então as iniciativas de se mudar alguma coisa. A Companhia Paulista e a E. F. Campos do Jordão começam seus estudos para a eletrificação de suas linhas. A Paulista abre o primeiro trecho eletrificado em 1921 e a pequena EFCJ em 1924. Outras ferrovias a seguiriam mais tarde.

Enquanto a eletrificação não vinha, diversas ferrovias começam a manter hortos florestais próprios em diferentes pontos das suas linhas: Paulista, Mogiana, Central do Brasil, Sorocabana e outras agem nesse sentido. Surgem também diversos "ramais lenheiros": eram ramais que saíam de determinados pontos de alguma linha com a única função de buscar madeira em florestas afastadas do leito ferroviário.

Com hortos e com florestas afastadas - estas com mata nativa - servindo de combustível não somente para as ferrovias, mas também para a fabricação de dormentes, caldeiras de indústrias e até fogões a lenha na capital paulista que crescia assustadoramente (e em outras cidades e regiões, claro), já nos anos 1940 inúmeras regiões haviam liquidado sua mata nativa. Nessa época, a cidade de Santana de Parnaíba, por exemplo, não tinha praticamente mais mata nativa nenhuma, extraída por acentureiros que a cortavam e levavam por carroças para as estações mais próximas da Sorocabana.

No final dos anos 1930, outra solução começa a chegar ao Brasil: as locomotivas a diesel. Porém, as máquinas a lenha (carvão já era usado em quantidade muito menor, bem mais caro do que era no século XIX) ainda sobreviveriam até os anos 1960 e em menor quantidade até os anos 1980 (lembrem-se da bitolinha da antiga Oeste de Minas e da E. F. D. Teresa Cristina, e não estou falando de trens turísticos, mas de trens de linha).
Trecho antigamente eletrificado da Sorocabana em Ibirarema, já sem a fiação: sobraram somente os postes de concreto em 2010

Na contramão da história, as linhas eletrificadas foram sendo desativadas em praticamente todas as ferrovias que ainda a tinham, sobrevivendo apenas na E. F. Campos do Jordão e na E. F. Corcovado, hoje trens turísticos, e nas ferrovias metropolitanas (CPTM, por exemplo). A FEPASA manteve suas linhas eletrificadas em funcionamento até 1998: a seguir, tudo foi paralisado e praticamente a fiação foi toda roubada e não retirada.

Hoje, somente máquinas a diesel funcionam no Brasil em linhas cargueiras de longa distância. Como falei, as eletrificadas são trechos curtos em áresa metropolitanas, bem como as duas ferrovias curtas citadas acima. Há, claro, máquinas a lenha usadas em ferrovias turísticas, todas elas de curto percurso. As que têm percurso mais longo acabam se utilizando de máquinas diesel, como a Curitiba-Paranaguá e a FCA no Espírito Santo, na região de Domingos Martins.

As conclusões a serem tiradas de tudo isso ficam para os leitores.

9 comentários:

  1. Boa noite , Ralph, nada me tira da cabeça que a
    eletricidade foi abandonada em favor das petroliferas e das tecnologias diesel dos USA , afinal , tudo que vem de lá e " melhor " , e o petroleo gera muita grana , para alguns.

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  2. Hummm... não neste caso. Em São Paulo, o abandono da eletrificação foi por causa de obsolescência, mesmo. Ela não aguentaria os novos comboios cargueiros, muito mais pesados que os que a FEPASA utilizava. A rede teria de ser totalmente refeita. Porém, se os trens de passageiros houvessem sido mantidos, aí elas poderiam ficar sem maiores problemas - a não ser o de manutenção, claro.

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  3. Otimo texto Ralph, excelente como sempre. Parabéns!

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  4. Boa noite,Ralph.Como sempre,um excelente texto.Tenho uma pergunta curiosa:sou engenheiro de manutenção e sempre fui alertado sobre a má qualidade do carvão brasileiro,o qual tem alto teor de enxôfre.É claro que esse elemento causa sérios problemas de corrosão em caldeiras.Mas daí,a minha pergunta:como as locos a vapor da ferrovia Teresa Cristina não tiveram problemas?A ferrovia FCA "importou" uma delas para o trem turistico de Ouro Preto e quase não teve necessidade de reformas na caldeira.Se não estou enganado, a Teresa Cristina utilizava o próprio carvão nacional que transportava.Porque as Texas da Tereza Cristina não tiveram problemas?Seriam as locos da Paulista de qualidade inferior em material?Um grande abraço.

    9 de janeiro de 2012 19:09

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  5. Até onde me lembro a EFDTC durante os anos 1980 usou muito carvão importado e quase enhum nacional.

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  6. Ralph,boa tarde.Desculpe polemizar.Mas a Tereza Cristina utilizava apenas carvão 100% nacional.Segue o texto enviado para mim,pelo pessoal da EFDTC, recebido hoje, 10/01:

    Gilberto gilberto.machado@ftc.com.br

    Caro Eurípedes

    As especificações do carvão para ser utilizado nas locomotivas a vapor eram 5.600 KCAL/KG de poder calorífico,1,5 a 2% de umidade,

    2% teor de enxofre e Perfil Granilométrico de 90% entre 1/2" e 3/4".

    Para não haver corrosão nas caldeiras era utlizado um produto químico na água.

    Este tipo de carvão hoje as nossas Carboníferas não produzem mais ou seja não possuem peneiras para estas especificações.

    Atualmente o Museu utiliza nos passeios turísticos a vapor o Carvão Tipo:

    CE 5.200 de poder calorífico,

    Com 1" de granilometria

    Material Volátil acima de 20

    Como pode observar, são especificações de carvão 100% nacional. Pode ser que na época, a Paulista optou pela lenha por ser um produto mais barato e de aquisição local. O transporte do carvão seria muito caro e complicado para a época. Um abraço.

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  7. Ok, Euripedes, eu posso e devo estar enganado sobre isso. Abraços

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  8. Não sei sobre a questão do carvão para as locomotivas. Mas, em sua fase estatal, as siderúrgicas integradas nacionais eram obrigadas a usar uma fração mínima de carvão nacional para abastecer suas coquerias. A Companhia Siderúrgica Nacional - CSN tinha um lavador de carvão na localidade catarinense de Capivari que tentava reduzir um pouco o teor de cinzas desse combustível. A cinza, por ser material inerte, só rouba calor do processo e não participa diretamente das reações metalúrgicas, convertendo-se em escória. Assim que o Collor assumiu, em 1990, essa norma foi revogada e as siderúrgicas prontamente pararam de usar o carvão nacional.

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  9. Ralph,
    Sobre a questão do uso do carvão nacional na E. F. D. Thereza Christina, o que ocorria é que para ela o seu uso compensava financeiramente, afinal essa ferrovia ficava dentro das jazidas e sua função era apenas a de transportar o carvão para o porto. O maior problema do carvão nacional não é nem a grande quantidade de elementos nocivos à caldeira, mas sim o baixo rendimento. Como o teor de cinzas e outras impurezas desse carvão é alto, o rendimento de sua queima é baixo, cerca de 40% menor que o carvão de boa qualidade, o que coloca o carvão nacional em um patamar de rendimento próximo ao da lenha. Para superar essa deficiência, a solução adotada nas locomotivas foi a mesma adotada nas locomotivas para lenha, ou seja, uma fornalha maior. Assim, se queimava mais combustível para ter o mesmo rendimento do carvão importado. Considerando o custo do carvão nacional, o custo do frete, e os inconvenientes com uma maior manutenção das caldeiras (devido às substâncias nocivas), a lenha compensava mais. Para a Thereza Christina o custo era muito menor, pois estava dentro das jazidas, então usava esse carvão.
    Abraços.

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