quinta-feira, 17 de abril de 2014

A CANTAREIRA E A LINHA 1 DO METRÔ PAULISTANO

Acidente na Cantareira em 1937

Desde o final dos anos 1950 o Governo do Estado espalhava notícias falando mal da Cantareira e que, pelo menos aparentemente, iria acabar fechando a ferrovia. Em 1963, as notícias realmente ficaram mais quentes. Uma delas, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 19 de agosto desse ano.

A ferrovia viria, finalmente, a ser desativada no ano de 1964 no trecho original, entre a estação de Tamanduateí (na rua João Teodoro, esquina com a avenida do Estado - nada a ver com a estação atual da CPTM, que fica em outro local) e a Cantareira. Finalmente, em 1965, acabaria de vez, entre as estações do Areal e de Guarulhos - enfim, o ramal de Guarulhos. Junto, foi o trecho entre Guarulhos e a estação de Cumbica, na verdade um prolongamento até a Base Aérea ao lado da qual seria mais tarde - 20 anos depois - inaugurada o Aeroporto Internacional.

Um dos problemas é que, ao mesmo tempo em que se ameaçava a ferrovia de extermínio, investia-se na linha - o que não quer dizer que se investia nela de forma decidida. A bitola de 60 centímetros que existia na linha original somente foi aumentada para métrica em 1959, enquanto a do ramal de Guarulhos já havia sido aumentada em 1947, portanto doze anos antes, ainda na fase em que se prometia mundos e fundos para a pequena ferrovia, que, bem ou mal, servia a uma parte quase sem transporte e boas vias de rolamento em São Paulo e na vizinha cidade de Guarulhos. Em 1947, falava-se até em eletrificação. E no final dos anos 1950 foram implantadas locomotivas diesel.

Lendo-se a tal reportagem de 1963, pode-se ver que absurdos se escreviam. Por exemplo, dizer que a existência da ferrovia "impede a conclusão da avenida Cruzeiro do Sul" e era "um dos empecilhos à construção da ponte sobre o Tietê, no prolongamento da avenida, obra fundamental para descongestionar um dos pontos cruciais do trânsito de São Paulo, a ponte das Bandeiras e os trechos subsequentes da avenida Santos Dumont".

Para que se tenha uma ideia, além da Ponte das Bandeiras, o rio ainda não estava retificado e possuía uma ilha grande no seu leito, por isso a ferrovia cruzava o rio Tietê por duas pontes.

O absurdi se nota quando se sabe que, doze anos depois, a linha do metrô seria entregue construída sobre a avenida Cruzeiro do Sul e com a ponte, seguindo por esta avenida desde a rua Pedro Vicente, mais ou menos, até a rua Alfredo Pujol. Se quisermos explicar de forma simplista, diríamos que o metrô, naquele trecho, era a própria Cantareira com seus trilhos em bitola larga e de forma elevada. O rio foi retificado. As duas pontes viraram uma. Achou-se a solução, mas cortou-se por onze anos o acesso ferroviário pela avenida e por quase trinta anos o acesso à Zona Norte, construindo-se o túnel para o metrô depois da estação Santana que já havia sido projetado antes para a Cantareira. Quanto a Guarulhos e Cumbica, estão esperando a linha de volta até hoje.

Por muitos anos, então, os habitantes da zona norte ficaram sem o seu trem. Finalmente, investiram na Cantareira, mudando o seu nome para "metrô". Ela poderia e deveria ter ficado funcionando, com desvios provisórios, durante toda esta construção, para não prejudicar seus usuários. Usuários que eram chamados de aproveitadores pelo escritor da notícia, que disse que eles se aproveitavam do fato de ter uma tarifa mais baixa que as dos subúrbios da Central do Brasil, EFSJ e Sorocabana - hoje, enfim, a CPTM. Ora, não se aproveitavam - pagavam o que lhes os pediam. E isso ainda era desculpa para o deficit da Cantareira, outro motivo para se a extirpar. Ora, quem fazia o deficit é a empresa, não quem a usa.

Finalmente, o artigo chamava a Cantareira de obsoleta - e era mesmo -, mas dizia que os vários "descarrilamentos, abalroamentos e atropelamentos (...) numa linha que corre no meio de ruas e de avenidas intensamente trafegadas". Ora, no mundo inteiro existe isso. Ruas e avenidas convivem com trens no seu leito. Além Paraíba e Cataguase, ambas em Minas Gerais, além de outras cidades, até hoje os têm. São cargueiros, muito maiores dos que as composições da Cantareira.

Por fim, o artigo dizia que era necessário dar-se uma compensação aos usuários que iriam perder sua linha - ora, isto tudo que existe hoje - e muitas coisas mais - poderia ter sido feito sem a necessidade de se fechar as linhas pelos tempos em que já citei mais acima. Prejudicaram, em alguns casos, uma geração toda.


4 comentários:

  1. É, nossos governantes adoram dar um tiro no pé: hoje uma nova linha pretende pretende ligar o centro até o aeroporto de Guarulhos, segundo soube, através de uma nova linha construída paralelamente ao ramal de Calmon Viana, linha que um dia existiu e que precisaria apenas de aumento de bitola e correções de trajeto que a tornariam própria ao transporte de passageiros ao aeroporto. Uma tia minha que mora na Penha há anos diz que ela terá sua casa derrubada, porém ao mesmo tempo ninguém informa se isso é verdade. A tal da copa está chegando, as promessas vão ficando como estão e vemos apenas surgir avenidas "necessárias" ao excesso de veículos que são a "melhor alternativa", dada a falta de um transporte público eficiente. Uma sugestão, senhor Ralph, através de uma pergunta: como seria a linha 1 do metrô hoje se a Cantareira tivesse sido mantida? Daria até uma matéria interessante.

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    1. Dificil de dizer, Erivelto, porque a linha 1 tinha como caminho natural a Cantareira e absorveria trechos dela. O problema foi para quem ficaou fora desse caminho, como o Mandaqui, Tremembé, Santa Terezinha, o Horto e Guarulhos. Parada Inglesa e Tucuruvi foram exceções em que os moradores tiveram sorte.

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  2. Ralph, qual era a velocidade máxima que o famoso trem da Cantareira (ou das Onze) alcançava?

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    1. Na linha de bitola de 60 cm uns 20, se chegasse a 30 era muito... na da métrica, talvez por volta de 40

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