Diretores descansando junto ao trem de administração durante a inspeção da linha de Montes Claros, em 1924. Havia mordomia, sim, mas eles iam para a frente de combate. Hoje? Nem a pau!
Folheando revistas de quase cem anos atrás, vemos que em algumas coisas o País mudou muito. Em outras, mudou pouco. O artigo publicado na revista O Malho de 1924 mostra a construção do então chamado "ramal de Montes Claros" pela E. F. Central do Brasil.
Vale ressaltar que as revistas cometem diversos erros em muitas de suas reportagens. Eles podem ter ocorrido aqui. Por exemplo, as quilometragens citadas têm diferenças em relação à quilometragem oficial da Central dessa época. Não sabemos o motivo, se é erro ou não.
Povão de Bocaiuva, lá no sertão, aguarda ansioso o primeiro trem da Central em 1924.
De qualquer forma, é interessante ver de que forma esta expansão se produziu. Teria havido atraso nas obras? Se houve, ocorriam por falta de dinheiro, mesmo e não como hoje, por bloqueio de obras por medidas judiciais, pelo Ministério Público, por índios que bloqueiam a estrada querendo simplesmente... tudo! (veja Vale do Rio Doce), por problemas ambientais, por falta de vergonha na cara...
Outra coisa que salta aos olhos: o trecho aqui citado, entre as estações de Engenheiro Dolabella (então chamada de Camilo Prates) e de Bocaiuva, já em pleno sertão mineiro, foi efetivamente inaugurado em março de 1924. Nos livros de Max Vasconcellos (1928) e o Guia Geral das Estradas de Ferro do Brasil (1960), consta agosto de 1925. Será erro? Ou terá havido uma inauguração "oficial" em 1925, um ano e meio depois? Nesse caso, o erro não pode ser da revista, que é de março de 1924...
Estação provisória no km 1000, para embarque de passageiros, trabalhadores e cargas - 1924
Salta aos olhos a visita de uma comitiva de diretores da Central em trem especial, nos mais longínquos pontos da ferrovia em obras, com infraestrutura local próximo de zero. Também impressiona o fato de a ferrovia estar ainda em caráter provisório, mas ter já cargas (algodão, no caso), para ser transportada, utilizando-se de uma "estação provisória" no km 1000 (nota: é difícil se estabelecer o local real deste "km 1000", já que há discrepâncias, como disse, de quilometragem.
Quase noventa anos depois de a Central desbravar o sertão mineiro, a infraestrutura do país em transportes continua precária. A quilometragem das ferrovias e rodovias cresceu e sua qualidade também... mas como houve desenvolvimento industrial e agrícola nesse quase século, essa infraestrutura deveria ter crescido proporcionalmente, o que não aconteceu. Em ferrovias, então, a situação foi de derrocada. Ela cresceu até 1960, mas a partir daí diminuiu muito e a sua manutenção deixou a desejar.
Diretores comendo poeira nas obras próximas a Bocaiuva, a 1.000 km do Rio de Janeiro (1924)
Uma reportagem publicada ontem no jornal O Globo confirma isto. Reproduzindo apenas alguns pequenos trechos, "(...) mais investimentos, e urgentes, já se fazem necessários para atender à demanda por transportes. "Estamos no limite da gambiarra", comentou (...) o diretor da ANTT, Bernardo Figueiredo, a propósito do descompasso entre a evolução do montante de cargas transportadas (348% desde o ano 2000) e a malha de transportes. A rede de estradas asfaltadas aumentou somente 18% no período, e as ferrovias se estenderam em apenas 500 quilômetros. (...) Sem definições que acelerem investimentos, públicos e privados, nos diversos modais de transporte, o país corre o risco de viver um apagão logístico. Além da falta de infraestrutura física, os custos de transporte podem tirar a competitividade da produção brasileira".
É tudo verdade. No mesmo editorial, o jornal comenta alguns casos específicos. Enquanto isso, o Ministério Público pede a paralisação do VLT de Sobral, no Ceará, querendo que "que os réus paralisem, imediatamente, qualquer atividade relativa à construção do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em Sobral, devendo os mesmos se eximirem de continuar a construir contra as disposições legais, até que sejam realizados os estudos técnicos", segundo o Diário do Nordeste. E prossegue: "A ação pretende, ainda, que sejam suspensos os atos administrativos ilícitos, advindos da Secretaria de Meio Ambiente do Ceará (Semace) e da Autarquia Municipal de Meio Ambiente (AMMA), que concedeu licenças de instalação e Prévias quanto à obra citada, determinando ao Ibama como órgão ambiental superior, para analisar as futuras concessões, face à exigência constitucional, bem como de violação da legislação municipal." Cita também o jornal uma série de violações de leis municipais e estaduais pela Metrofor, que implanta esse VLT numa linha subutilizada pela Transnordestina, ex-CFN, nessa cidade.
Em Brasília, o jornal Valor Econômico escreve que "em uma cidade desenhada para os automóveis e sem calçadas em algumas de suas avenidas, o único projeto de transporte coletivo em Brasília para a Copa do Mundo está rigorosamente parado, embora o primeiro contrato para a realização das obras tenha sido assinado há quase três anos." E continua: "Além de despertar controvérsia por interferir no projeto urbano da cidade, o VLT de Brasília enfrenta questionamentos judiciais. Em dezembro, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal anulou o primeiro contrato para as obras, firmado em abril de 2009, com valor próximo de R$ 1,5 bilhão. 'Não há dúvida de que o processo de licitação foi fraudado desde o início", disseram os desembargadores, na sentença. Eles afirmam ter havido conluio entre duas empresas, que simularam concorrência, mas dividiram a elaboração dos projetos básico e executivo."
Pátio do tal "Kilometro 1.000" em 1924 (Fotos: revista O Malho)
Lá em Alagoas, estado dos mais pobres do Brasil, a CBTU, em vez de consertar os trechos do trem metropolitano destruído pelas chuvas de um ano e meio atrás em Rio Largo e Lourenço de Albuquerque (que impedem os trens de circular por todo esse tempo), resolve financiar um trenzinho de brinquedo - mais um famoso e inútil "trem turístico movido a Maria-Fumaça" em Piranhas, ponto de partida da já há muito extinta Estrada de Ferro de Paulo Afonso, desativada em 1964 depois de gerar prejuízos em praticamente todos os seus oitenta anos de existência.
Joga-se dinheiro fora, dinheiro seu, meu e nosso, é sempre bom recordar, em todos os locais citados e mais nos atrasos na construção de diversas ferrovias como a Norte-Sul, a Transnordestina, a Oeste-Leste e outras menos citadas, onde se pagam projetos e mais projetos há anos sem que, no caso da O-L e das "menos citadas", ninguém veja um trilhos sequer sendo assentado. Isso sem falar de montes de VLTs por aí afora, e, claro, do Trem-Bala, que funciona na base do "desta vez vamos" sem nunca ir de fato.
Será que o não cumprimento de todas as leis ambientais e de outras naturezas citadas nestes casos acima não acontece justamente pelas leis serem absurdas, confusas e causadoras, por isto mesmo, de constantes atrasos e revisões de projetos - que custam uma fortuna? Que a ingerência constante do Ministério Público (por que não se dá a eles o encargo das construções, já que eles estão sempre certos?) e de entidades ambientais tem atrapalhado tem, mesmo. Se as ferrovias brasileiras da época de ouro (e prata, e chumbo, e seja lá que outro metal for) tivessem de seguir toda essa maldita burocracia, não teríamos, hoje em dia, nem as sucateadas estradas de ferro que corcoveiam pelo Brasil. Vamos abrir os olhos. O Brasil precisa de obras, e não de discussões idealistas que nada mais são do que tentativa de impressionar quem não entende do assunto.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
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Bom dia Ralpf.
ResponderExcluirMaravilha de post ( fotos e texto ), você é um gigante da pesquisa , parabéns.
É reamente maravilhoso conhecer nuances da historia desta Montes Claros , minha cidade natal. Parabéns também pelo desabafo , espero com toda a força do meu desejo que um dia eles te escutem , e que este dia não seja tão demorado quanto a tomada de decisão destes que só querem o nosso "BEM".