O "médico dos Fords", na estrada de Santo Amaro (Folha da Manhã, 2/12/1928)
Primeiro era só estrada de Santo Amaro. Desde quando, não sei. A localidade era antiga - existia pelo menos desde o século XVII. Com o tempo, tornou-se um município - "villa", como se dizia à época para municípios abaixo de um certo padrão de desenvolvimento. Em 1832, quando se desmembrou de São Paulo, capital, a estrada que ligava as duas cidades começava no Piques e terminava na igreja do atual largo Treze de Maio.
Nessa época, "Estrada de Santo Amaro" era o seu nome em toda a extensão, que seguia pela atual rua Santo Amaro, pela Brigadeiro Luiz Antonio a partir do entroncamento das duas (o entroncamento não existia: aquele trecho da Brigadeiro que existe hoje entre a rua Riachuelo e o fim da rua Santo Amaro só foi construído no início do século XX), dali seguia até o Itaim, no córrego do Sapateiro, onde hoje começa a avenida Santo Amaro. Seguia por esta até onde hoje está a estátua do Borba Gato e subia pela hoje avenida Adolfo Pinheiro até o largo Treze. A divisa entre os dois municípios era o córrego da Traição, onde hoje está a avenida dos Bandeirantes.
No fim do século XX, aquele trecho inicial passou a se chamar rua de Santo Amaro, nome que conserva até hoje. O resto seguiu como era - na mesma época, o trecho final passou a se chamar rua (depois avenida) Adolfo Pinheiro, personalidade da distante vila de Santo Amaro.
O tempo passou e veio o nome Brigadeiro Luiz Antonio para o trecho entre a rua Santo Amaro e a avenida Paulista. Depois, esse nome seguiu até o Itaim, como é hoje. Nos anos 1950/60, a estrada virou avenida, enquanto a Adolfo Pinheiro já designava então todo o trecho desde a Traição até o Largo Treze. Em meados dos anos 1960, nova mudança: a Adolfo Pinheiro passou a nomear apenas o trecho Borba Gato-Largo Treze, enquanto a então avenida Santo Amaro era prolongada até a rua da Fonte, onde hoje se iniciam a avenida João Dias e a rua Antonio Bento. Só que a João Dias, com isso, encurtou: el, que tinha seu início no Borba Gato, cedeu o nome para a avenida Santo Amaro até a citada rua da Fonte.
Portanto, quando se fala da estrada de Santo Amaro, há de se saber qual época de que estamos referindo. Está bem. E como era essa estrada nos anos 1920 e início dos anos 1930?
Nessa época, esse nome se dava ao trecho Itaim/Córrego do Sapateiro (onde hoje está a av. Juscelino) e o Brooklin, digamos, perto do Córrego do Cordeiro. Ela ainda percorria dois municípios. Não era pavimentada, pelo menos no trecho que ficava em Santo Amaro (que deixou de ser município e foi anexado a São Paulo em 1935):
"As estradas de rodagem que ligam São Paulo às cidades vizinhas, com exceção do Caminho do Mar, estão quase que intransitáveis. A de Santo Amaro, por exemplo. Movimentadíssima, cortada a todo instante por automóveis, tal estrada já não se presta para excursões costumeiras das famílias paulistanas à represa da vizinha cidade. A Prefeitura de Santo Amaro não tem verba para o concerto (sic) dos numerosos buracos ali abertos pelas chuvas. Aliás, isso não admira, porquanto, embora próximo da capital, Santo Amaro mais parece uma villa do sertão, tal o estado de suas ruas. A parte próxima ao Brooklin Paulista, bem mais bonita que a sede do município, então, é uma lástima. Os autos encaixam ali até os eixos, padecendo os conductores toda sorte de contratempos para arrancar da lama os carros" (Folha da Manhã, 5/5/1926).
Realmente, o trânsito devia ser pesado por ali. Nada como é hoje, entupida por congestionamentos de dia e de noite e de ônibus que formam filas intermináveis numa avenida certamente mais larga do que era a estrada, mas a quantidade de acidentes reportados nos jornais nessa época era grande, praticamente um por mês, envolvendo caminhões, ônibus, automóveis e carroças. Como a quantidade de ruas que a cruzavam era muito menor e as construções eram raras - a avenida passava no meio de matagais e de campos com uma edificação ou outra - o local desses acidentes geralmente não era reportado, pois não havia muitas referências a dar, como numeração de casas, etc. Citava-se eventualmente o Brooklin, o córrego da Traição e a rua França Pinto (que tinha esse nome desde a rua Domingos de Moraes até sua chegada na estrada, chegada hoje que tem o nome de Afonso Braz no elegante bairro de Vila Nova Conceição - note nos mapas de hoje as ruas com nomes diferentes que formaram um dia a França Pinto, como IV Centenário e a própria Afonso Braz.
Uma das citações em 1926 fala de um curtume - São Luiz - na estrada, próximo à rua França Pinto. Teria esse curtume dado o nome ao atual Hospital São Luiz, também ali próximo hoje em dia? Uma propaganda de 1928 fala do "médico dos Fords", de G. Lazzaro, uma oficina automotiva que ficava em algum ponto da estrada... não citava o número nem a proximidade de qualquer rua, o que mostra que não seria difícil localizar o prédio numa rua que quase não os tinha. Era também constantemente usada como pista em competições de bicicletas e de motocicletas... até de automóveis.
Vale ressaltar que essa estrada, nos anos 1910 ganhou uma concorrente: a atual avenida Ibirapuera, que tinha a linha de bondes do Tramway de Santo Amaro e que, partindo do lado do atual Instituto Biológico na Vila Mariana, encontrava a Adolfo Pinheiro na rua da Fraternidade, no Alto da Boa Vista. No final dos anos 1920, surgiu a Auto-Estrada de Santo Amaro, que seguia de onde hoje é o lago do Ibirapuera pela atual República do Líbano, depois pela Indianópolis, entrava pela hoje Moreira Guimarães e depois pela Washington Luiz até a ponte do Socorro. Esta era pavimentada com concreto. Cheguei a ver placas azuais de rua com o nome "Auto-Estrada Washington Luiz" nos anos 1970 ainda afixadas nas esquinas dessa avenida.
Fora isso, o arqui-antigo Caminho do Carro para Santo Amaro, que era nada mais do que a rua Vergueiro, depois Domingos de Moraes, entrando pela atual avenida Senador Casemiro da Rocha, cruzando o córrego Paraguai e entrando pelos meandros do planalto paulista para chegar à velha vila. Quantas histórias esquecidas...
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Eu cheguei a ver bastante o prédio do "médico dos Fords"... por sinal, G. Lazzaro estava positivo e operante no início da década de 1970, tendo inclusive sido objeto de uma reportagem numa revista semanal, creio que a "Bondinho", que era distribuída gratuitamente aos clientes do supermercado Pão de Açúcar. O prédio da oficina ficava na esquina da rua Araguari com a avenida Santo Amaro. Na verdade eram dois prédios, sendo que um foi cedido para o Banco Itaú nos primeiros anos da década de 1970, que então construiu uma agência em estilo modernoso no local, mas aproveitando a antiga estrutura.
ResponderExcluirPuxa, faz zilhões de anos que não passo nesse local, que vi diariamente durante mais de sete anos, indo de casa até o Colégio Estadual Costa Manso, onde eu estudava. Como estará hoje?
Postando aqui um comentário de Carlos Augusto feito fora do blog:
ResponderExcluirA mecânica G.Lazaro existiu até há bem pouco tempo. O prédio manteve as características originais ate o fim. Ele ficava na confluencia da rua Araguari com a av. Santo Amaro, em moema. O sr. Gaetano Lázaro trabalhou até quase os cem anos de idade. A revista Quatro Rodas (ou seria a Veja S.Paulo?) fez uma entrevista com ele lá por 1990. Como o Banco Itaú ficava ao lado da oficina, já na rua Araguari, não sei se eles é que compraram o prédio para ampliação da agência. Mas a demolição foi um crime. O prédio tinha até lanternim.
2. A Av.S.Amaro, a rua Dr. Antonio Bento e a Av.João Dias não se entroncam na rua Nove de Julho? Um abraço, Carlos Augusto
Rua 9 de Julho de um lado, Fonte do outro... mas rua da Fonte é um nome muito mais antigo, já existia no séc. 19! E eu não consigo me lembrar desse prédio na esquina da Araguari... que pena, passei muitas vezes por lá.
ResponderExcluirPostando aqui outro comentário de Carlos Augusto feito fora do blog:
ResponderExcluirAcho que o hospital S.Luiz não tem nada a ver com o cortume. Lembro-me de quando o Pronto Socorro S.Luiz começou. Era apenas um sobrado ao lado da galeria Vila Nova, onde ficavam o cine Bruni Vila Nova e o Chico Hamburguer. Como o negócio de hospitais parece ser muito lucrativo, o S.Luiz não parou de crescer desde 1964. Tanto que hoje a rua do primeiro hospital (não o pronto-socorro, que continua no mesmo endereço da av.S.amaro, só que em outro prédio) tem o nome do fundador do hospital. O nome original que era rua Jesuino Cardoso (não confundir com a Jesuino de Arruda que fica no Itaim-Bibi ou com a Jesuino Maciel que fica no Campo Belo) ficou só entre a Clodomiro Amazonas e a Ramos Batista, atravessando a Nova Faria Lima.
Eu acho que foi o curtume que deu o nome ao córrego dos Sapateiros. Afinal de contas sempre perto dos curtumes costumavam ficar os sapateiros. E os curtumes ficavam próximos dos matadouros. No caso o matadouro de Vila Mariana. Carlos Augusto
Não esse cortume, mas possivelmente outro.
ResponderExcluirEsse cortume ficava longe desse córrego - o córrego mais próximo da Afonso Braz é o Uberaba.
bom dia Ralph , pois é , quantas historias esquecidas , mas ainda bem que existe pessoas como você para nos contá -las .É realmente fascinante poder pelo menos tentar construir e localizar mentalmente todos estes locais. Obrigado , boa sorte e nos conte muito mais.
ResponderExcluirSr. Ralph , bom dia , este não é um comentario pertinente ao artigo , mas sim um pedido , pois não sei onde postá-lo.
ResponderExcluirMeu nome é Gilberto e nasci no ano de 1963 na cidade de montes Claros MG. No final de 1969 , vim com toda a familia para SP ( menos meu pai , na época já falecido ). viemos de trem . O meu pedido é que por gentileza , se possível, o sr. tente me indicar as possíveis linhas que usei e que tipo de trem , enbarquei em Montes Claros e desenbarquei na estação da Luz SP , possilvelmente no ultimo trem que fazia este percurso , fizemos uma troca de trem , se não me engano ,pois era muito pequeno na época e não me lembro direito , o que sei é que viajamos alguns dias e algumas noites. Moro em São Paulo , desde então , primeiro em uma pensão na Av, São João , depois em uma casa na vila Sonia ( vários anos ) , depois vila Dirce proximo a Aldeia de Carapicuiba ,depois bairro do Campo Limpo e atualmente moro em Osasco a 10 minutos da estação adoro trens e aconpanho todos os seus artigos e tambem os do pseudopapel que é do seu filho , obrigado por me deixar sempre imformado , seu blog é uma mão na roda ..... quero dizer no rodeiro.
não comentei antes , pois não conseguia , sou barriga verde em internet , mas ler leio bastante.
Giba
Por sinal, a reportagem na "Bondinho" informava que o Gaetano Lazzaro era rico o suficiente para e viajar para a Itália no final dos anos 1940 e rever seus parentes. Ele teve a pachorra de levar (e trazer de volta) seu carro consigo para poder andar por lá.
ResponderExcluirAchei curiosa as diversas mudanças de nome na avenida Santo Amaro ao longo da década de 1950. Pra mim, que a conheci depois de 1964, ela sempre teve a configuração de hoje. A única diferença em relação a hoje é que, até 1965, tanto a Adolpho Pinheiro como a av. Santo Amaro tinham mão dupla no trecho entre o Borba Gato e a rua Nove de Julho. A partir desse ano foi imposto o sentido único em cada uma dessas avenidas.
ResponderExcluirEu ainda lembro de ter visto mapas da época (por volta de 1960) com o nome Joao Dias a partir do Borba Gato e a Adolfo Pinheiro com esse nome até a Bandeirantes. Quanto às mãos de direção, não me lembro de te-las visto com duas mãos, mesmo porque nessa época eu provavelmente nunca havia ido para essas bandas... mas que lia mapas, ah, isso lia. Sempre adorei mapas
ResponderExcluirEu também gosto muito de mapas. Peguei a mania quando era moleque, lendo o "Manual do Escoteiro Mirim", da Disney, que tinha um artigo sobre os símbolos usados em mapas. Depois disso eu até inventava mapas de regiões fictícias... Fico imaginando como teria sido a minha experiência se já tivesse os fantásticos (e gratuitos) recursos de hoje, como o GoogleMaps e os GPS (tenho o aparelho só pelo gosto de ver aparecer o mapa da região que estou percorrendo de carro, pois eles pouco ajudam, falham demais). Teria sido melhor? Ou apenas perderia aquela sensação de euforia de, de repente, achar um mapa mais detalhado, ou antigo?
ResponderExcluirOutra foto da officina do médico dos Fords:
ResponderExcluirhttp://saudadesampa.nafoto.net/photo20110817050505.html
Excepcional a foto dos anos 1930 que tem nesse link, Antonio!
ResponderExcluirGorni, cansei de "publicar" maoas de regiões fictícias em minha infancia...
ResponderExcluirDe fato, o prédio da oficina de Gaetano Lazzaro existiu até bem pouco tempo atrás. Não era exatamente na Santo Amaro, mas na rua Araguari, a poucos metros da esquina. Um pouco mais de informação sobre ele aqui: http://quandoacidade.wordpress.com/2011/12/07/moema/
ResponderExcluirDe fato, o prédio da oficina de Gaetano Lazzaro existiu até há pouco tempo. Não ficava exatamente na Santo Amaro, mas na rua Araguari, a poucos metros da esquina. Uma pena que tenha se perdido. Um pouco mais sobre ele aqui: http://quandoacidade.wordpress.com/2011/12/07/moema/
ResponderExcluirAo Giba, que deixou a pergunta sobre a viagem de trem de Montes Claros a São Paulo, por favor deixe um email de contato para que a resposta possa ser enviada. Obrigado.
ResponderExcluirO barato é que, ao desenhar o mapa, eu traçava a evolução do "progresso" do local, não era um mero desenho representativo. Algo como uma historinha gráfica, meio coisa de maluco... mas me diverti bastante. Mas também tracei alguns mapas a "sério", da hidrografia do bairro a partir de pesquisas de campo, etc. Mas tudo muito tosco, faltava-me técnica e habilidade para o desenho. Meu pai ficava desesperado, com medo desse hobby ficar mais sério, falava que desenhista de mapa morria de fome...
ResponderExcluirPara um cara que, como eu, desenhava mapas fictícios e não fictícios, histórias em quadrinhos satíricas ou não, acabou químico e gostando de ferrovias e de história da cidade... nada estranho.
ResponderExcluirBoa tarde Ralpf , obrigado e não tenha pressa ,só faça se tiver tempo, afinal moramos em São Paulo, ode tudo é só trabalho e correria. Meu email é gibajedi@ig.com.br
ResponderExcluirMais uma vez obrigado
Giba
boa tarde , é o giba novamente , desculpe Alexandre não notei o avatar , por isso me reportei ao seu pai , mas espero que esteja valendo, afinal está em familia
ResponderExcluirObrigado
Giba
è o giba novamente , tem também o giba jedi@gmail.com , mas eu uso mai o do ig
ResponderExcluirobrigado
giba
Obrigada pelas informações preciosas!
ResponderExcluir