quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
PAULISTAS SEGREGADOS
É notória em alguns aspectos a segregação contra os paulistas. Calma, não-paulistas, não fiquem irados ou exaltados contra este que vos escreve. Estou apenas refletindo sobre a revista História da Biblioteca Nacional, que compro desde o seu primeiro número.
Para quem não conhece, não se trata da “História da Biblioteca Nacional”, mas sim de uma revista sobre História brasileira que é produzida pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A revista é muito boa sobre vários aspectos, assim como o acervo da Biblioteca em si, que conheço parcialmente.
O problema é que os artigos que ela escreve bem raramente versam sobre a história paulista. A preferência é, de longe, para o Rio de Janeiro e para quem está ao norte em relação a esse Estado. Dirão vocês que, afinal, a revista é produzida por uma entidade carioca, ou fluminense — na verdade, a Biblioteca é supostamente nacional (daí o nome): é apenas sediada na capital do Estado do Rio de Janeiro.
Ela já publicou artigos sobre São Paulo, sim. Poucos, mas publicou. Muito poucos em relação a outros artigos: estou contando todas as matérias, grandes e pequenas, publicadas na revista até agora. Na edição deste mês de fevereiro, onde foi publicado um artigo sobre ferrovias brasileiras, falaram até da Central do Piauí, uma das piores ferrovias que já operaram no País. Escreveram bastante sobre a Leopoldina e a Central do Brasil. Falaram da Curitiba-Paranaguá. Mas não citaram uma palavra sequer sobre a Paulista, a Sorocabana e a Mogiana, as três maiores ferrovias de São Paulo em extensão, pertencentes a particulares ou ao governo paulista (dependendo da época). A Paulista foi considerada uma das cinco melhores ferrovias do mundo em sua época áurea. Não foi a mais lucrativa do País, pois foi superada pela São Paulo Railway dos ingleses, que, com seus meros 140 quilômetros de extensão, pelo fato de ser a única ferrovia que descia a serra para alcançar o porto de Santos, o maior do Brasil, tinha um lucro astronômico.
Para piorar mais ainda as coisas, publicou uma fotografia de um trem da CPTM em São Paulo com portas abertas e passageiros pendurados do lado de fora – fato que não acontece em São Paulo desde o final dos anos 1990. A foto deve ter sido tirada recentemente, quando devido à inundação da cidade, alguns trens tiveram de trafegar por alguns quilômetros a baixíssima velocidade e transportar, contra as regras de segurança, mas sem alternativa no momento, quem pulou da linha para os carros. Ou seja, uma imagem irreal e atípica classificando de ruins os trens da segunda melhor empresa de transporte metropolitano sobre trilhos do Brasil — a melhor é a Cia. do Metrô de São Paulo. Ao lado da foto (mostrada acima), escrito: "o calvário cotidiano dos trens metropolitanos como os de São Paulo". Mentira. O cotidiano é muito diferente.
Esse tipo de “boicote” a São Paulo, premeditado ou não, aumentou significativamente desde a época de Getúlio Vargas. Paulistas em geral têm Vargas atravessado na garganta. Outro dia comentei na lista de discussão sobre trens na Internet que os paulistas devem ter ficado contentíssimos com o alagamento da estação Presidente Vargas, da E. F. Araraquara, no início dos anos 1970, devido à represa ali construída — ao que um colega ainda adicionou que “deve ter havido gente que transportou água em baldes para jogar no lago para ver se a estação alagava mais depressa”. Realmente, há pouquíssimos locais com o nome do Presidente Vargas no Estado, ao contrário do resto do Brasil.
A Revista Brasileira de Geografia, publicada pelo IBGE desde 1938, época em que Vargas era o ditador do Estado Novo, era também uma excelente publicação (foi publicada até pelo menos os anos 1960, li recentemente todas que saíram desde o início até essa época), mas matérias sobre São Paulo eram extremamente raras. Havia inúmeras matérias sobre o Rio de Janeiro e sobre a “fronteira do desenvolvimento”, na época, Amazônia e Centro-Oeste. Portanto, o “problema” vem de longe.
Não quero com este artigo criar polêmica, somente relatar um fato da forma como eu o vejo e interpreto. Vou voltar ao tema no futuro.
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Ola Ralph
ResponderExcluirLendo agora o seu blog sobre "Paulistas Segregados" quando cheguei no trecho
“deve ter havido gente que transportou água em baldes para jogar no lago para ver se a estação alagava mais depressa”.
Lembrei que no ano de 1954 (sou contemprâneo de Getulio Vargas e esta viva na minha memória a
sua célebre frase " trabalhadores do Brasil" ouvida várias vezes no rádio em ondas curtas ) ..estava no quarto ano do grupo escolar...
na hora em que a notícia sobre o suicídio chegou era de manhã..logo no início da aula
.o diretor entrou na sala para informar o ocorrido para professora ( D. Celina) e para os alunos...e que em sinal de luto não haveria aula e que os alunos seriam dispensados
....neste instante ouviu-se um sonoro OOBBAAA.....por parte dos alunos enquanto a
D.Celina chorava......
Daniel
A CPTM pode não ser um calvário tão grande como um dia foi, mas, como eu já comentei antes, mantém vagões apinhados de gente em todas as suas linhas nos horários de pico. Quem entra nas últimas estações de cada linha, o que faço quase todos os dias, tem de literalmente espremer quem está dentro para conseguir entrar e depois se espremer para deixar a porta fechar.
ResponderExcluirSó de imaginar que já foi pior, e bem pior, é assustador.
(Sim, desviei-me completamente do tema da postagem.)
Belo texto! Aliás, parece um processo forçado para que os paulistas em geral esqueçam das coisas que eram motivo de orgulho no passado. Os Bandeirantes, outrora exaltados e tidos como "a síntese do paulista" hoje são motivo de vergonha, sofrem uma maldosa campanha de perseguição por todos os "iluministas" (bem entre aspas mesmo) da historiografia pós-ditadura. É um processo que já tem cerca de 50 anos, e que realmente parece que parte "de cima". Bom tema!
ResponderExcluirOlá Sr.Ralph, boa noite.
ResponderExcluirLonge de ser um apoio ao Governo do Estado, justiça seja feita. A CPTM sem dúvida representa respeito com o público que depende de transporte coletivo.
Sobre a discriminação de São Paulo, isso sempre foi assim mesmo. SP sempre foi meio solitário, esse Estado que acolhe a todos mas que é discrimnado por quem não é paulista.
Por ser "solitário", sempre optou pela vanguarda e "ter uma determinada coisa só pra ele", quando em geral o Brasil tem pra todos. É como os EUA.
Assim, tem-se por aqui a Imprensa Oficial, com muito livro publicado sobre a história paulista, entre elesos da coleção "paulística" co-editada com a USP.
Abçs.
A foto da CPTM foi uma mancada lamentável. A foto pode ser do trecho antigo, extinto em 2001, Jurubatuba-Varginha, ou mesmo de uma época em que isto acontecia, até 1999. Se eu fosse da diretoria da CPTM, mandaria uma carta para a revista, protestando. Não há trem metropolitano que se compare com os atuais da CPTM no Brasil todo.
ResponderExcluirExiste um componente ideológico também, pois nos últimos sete anos a Biblioteca Nacional tem sido dirigida por pessoas alinhadas com o governo federal e, nesse mesmo período, São Paulo permaneceu o principal reduto da oposição, com os últimos dois governadores tendo se apresentado para candidatura à presidência da república.
ResponderExcluirConstatação admirável a do Frigout. Podem ter certeza que isso ocorre também.
ResponderExcluirÉ bem possível e é típico da mesquinharia geral (não somente do PT) da política brasileira.
ResponderExcluirNão existe órgão de imprensa imparcial. Não existe objetividade absoluta. Mas órgãos de imprensa assim como pessoas podem pelo menos tentar ser imparciais e objetivos. Não é o que acontece com a revista História. Com certeza a direção não convidou alguém incompetente para escrever o artigo em questão. Direta ou indiretamente foi um artigo encomendado. Com "indiretamente" quero dizer a escolha de alguém cujas ideias são bem conhecidas, podendo-se prever o conteúdo do texto resultante. Quanto à legenda da foto, ela reflete a visão da direção da revista. Em raríssimos casos ilustrações e legendas são escolhidas pelo autor do artigo. E sempre a direção da revista tem a palavra final.
ResponderExcluirComo historiador só tenho a lamentar a postura da direção da revista e, por tabela, da Biblioteca Nacional, que mantém a revista.
Sobre a CPTM, no comentário do Alexandre, tenho a comentar que trens apinhados em horário de pico são comuns no mundo inteiro, pois há um limite que o transporte sobre trilhos pode aguentar: há um limite para o nro de linhas e de trens. Além disso, são esses apinhados de gente que mantém a lucratividade dessas empresas. Dirá v.: mas a CPTM é estatal, teoricamente não visa lucro. Mas toda estatal visa lucro, pois não pode ter prejuizo, como qualquer outra empresa, senão morre: há um limite para subsidios, tambem.
ResponderExcluirE sobre o comentario do Marcio L., fico até preocupado, se ele realmente estiver certo no que diz. Obrigado por seu valioso comentário.
ResponderExcluirRalph, a área de história é uma das mais politizadas do conhecimento humano. Hoje em dia a grande maioria dos historiadores brasileiros se alinha com a esquerda. Aliás, essa é uma tendência na área de ciências humanas (história, antropologia, sociologia, etc.). Isso tem a ver com o componente ideológico de que o Frigout falou acima. Para mim a omissão de ferrovias paulistas é clara demonstração do viés político da publicação.
ResponderExcluirMas o fato é que nem todos os paulistas tem o Vargas atravessado na garganta... Minha avó, mentora da migração da família do campo para a cidade (até porque, se não fizessem isso, morreriam de fome após a crise de 1929), sempre o louvou como sendo o primeiro presidente que pensou nos pobres, ao contrário dos "carcomidos" da oligarquia paulista. Ai de quem falasse mal do Vargas na frente dela! Ela o associava à possibilidade que a família teve de poder se mudar para a cidade, trabalhar duramente de dia (inclusive ela) e com os filhos estudando à noite. E, não, ela não se envolveu em política - até porque só tinha as primeiras letras - e nem entendia bem o porque dessa sua opinião. Só carisma do velhinho? Acho que não. Bem ou mal, ainda que toscamente, Vargas conseguiu mover o enorme paquiderme brasileiro, hérculeamente preso pelas classes dominantes que buscam tão somente garantir seus privilégios, e procurou proteger o trabalhador. É sintomático as leis trabalhistas que ele promulgou são objeto de ódio raivoso por parte do capitalismo darwiniano que ora triunfa no país - afinal, Vargas acabou com a mamata da oligarquia carcomida. Basta verificar como a "aristocracia" paulista administrava a cultura cafeeira, especialmente o tratamento inicial aos imigrantes. Esse ranço é o terrível resultado de acomodação a séculos e séculos de cruel escravidão do índio e do negro. Na melhor das hipóteses, dando de barato, os "carcomidos" não eram muito melhores do que o Vargas...
ResponderExcluirComo eu disse, eu particularmente não tenho uma idéia má de Vargas. O problema é que realmente São Paulo é segregado desde então. Pode até ser conincidencia, mas não creio.
ResponderExcluirBom... acredito eu que boa parte da má vontade com São Paulo pode ser inveja da pujança econômica do estado, o qual passou a ser visto como "imperialista". E isso está entranhado na população, como pude perceber num desagradável comentário que ouvi no trem da ABPF em Coronel Rufino, onde um cidadão não-paulista se vangloriava da derrota paulista de 1932 em altos brados - e isso em setembro de 2007, 75 anos após o evento! Por outro lado, as duas longas ditaduras que tivemos também não ajudaram muito. Tanto Vargas (especialmente ele!) como os militares tiveram uma desconfiança paranóica de parte da opinião pública paulista, sempre muito crítica. No caso da ditadura militar a situação contra os paulistas acentuou-se especialmente a partir de 1974, com o declínio do milagre econômico e a insatisfação das oligarquisas que apoiaram o golpe e lucraram bastante com ele até então. Daí uma série de casuísmos, especialmente políticos - como, por exemplo, o cálculo do número de deputados federais e senadores, francamente favoráveis a estados mais pobres que, por serem reféns do poder econômico central, dobram-se mais facilmente a ele. A democracia mudou isso? Claro que não, é muito conveniente para qualquer facção de poder - de direita, esquerda, centro, anarquista, niilista ou filhos de Gandhi - ter instrumentos para controlar as casas legislativas. Finalmente, a perguntinha que não quer calar: por que o proto-nazifacista Artur Bernardes, que ordenou o bombardeio de civis paulistanos inocentes durante o levante de 1924 (guardadas as devidas proporções, Guernica "avant la lettre"!), é nome de refinaria em Cubatão, enquanto que Vargas foi para o oblivion em plagas paulistas?
ResponderExcluirGorni - o Artur Bernardes era aliado da classe política cafeeira paulista. Além disso, bombardear São Paulo era visto como uma forma de tirar os revoltosos daqui. Naquela época, isso não era um fato considerado "revoltante" como seria hoje. Hoje só se pode bombardear impunemente Cabul e Bagdá...
ResponderExcluirSim, é fato que a sensibilidade a esses massacres de civis era menor há 80 anos atrás... ainda que Monteiro Lobato, na época, tenha registrado seu horror a esse episódio num de seus contos. Também não é coincidência que a glorificação de 1932 é inversamente proporcional ao esquecimento dos eventos de 1924: a mídia paulista tratou de esquecer o levante tenentista (e, muito convenientemente, o "fogo amigo" de seus aliados) e super-dimensionou a revolução que contou com o apoio dos derrotados de 1930.
ResponderExcluirA foto mostra um CPTM Série 4400, certamente em uma das linhas da antiga Central, atuais Linhas 11 e 12.
ResponderExcluirAtualmente nenhum 4400 ostenta este padrão de pintura, todos foram reformados entre 2005 e 2008, e desde 2006 são raríssimos os casos de trens rodando com portas abertas.
A foto não é recente, essa pintura de trem não existe desde 1997
ResponderExcluirSim, Mauricio, mas isso só piora o artigo: mostra que ou usaram uma foto antiga para complicar as coisas, ou erraram feio na seleção das fotos.
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