segunda-feira, 9 de abril de 2012

MOCOCA NO MEU BINÓCULO


“Levantei-me cedo nesse dia. Deixando o ambiente morno de minha casa, de portas e janelas fechadas, atirei-me à neblina de uma manhã invernosa, dirigindo-me à estação da Mogiana. A vida de Casa Branca despertava-se ali. O barulho das máquinas, do carregamento de mercadoria para os vagões, o vozerio de um bate-papo vespertino, caracterizam seus primeiros bocejos. Algumas pessoas, envolvidas em couraças de agasalhos, defendendo-se da imagem impertinente, passam afoitamente por mim, à procura de um lugar no carro, que leva uma placa: Canoas. A máquina do nosso trenzinho arrastava um vagão, uma plancha repleta de lenha, um carro de passageiros subdividido em duas partes, correspondentes à primeira e segunda classes; um outro vagão servindo de escritório e oficina de uma companhia de publicidade. Nosso meio-carro transformou-se, dentro em pouco, numa improvisada sala de visitas, sendo que a maior parte das pessoas, entretidas em conversas, pertencia ao corpo funcional do Asilo-Colônia-Cocais. Em poucos instantes chegávamos àquela localidade, ficando, daí por diante, privado da companhia de tão amáveis pessoas. Desceu aquele bloco de gente, quase num só ímpeto, numa algazarra de passarinhos contentes, que não ajuntam em celeiros.

A máquina suspirou... O trenzinho partiu de novo. Ia lerdo, parando de estação em estação, comendo e expelindo, penosamente, uns grãozinhos de mercadorias pondo na morosidade dos gestos de metal a alma do funcionário público.

Seis horas depois, Mococa.

Mococa, no meu binóculo!...

Que esplendor de céu! Quanta luz na terra! O sol focalizava, esplendidamente, a beleza impressionante do painel, onde se desenhava, em linhas perceptíveis, Mococa à distância. Dois braços abertos, de ruas, recebem carinhosamente o visitante, conduzindo-o à parte central da cidade, que não se conformou em permanecer no perímetro estreito da baixada; atirou-se, morro acima, num amontoado de construções, separadas, aqui e acolá, por enormes ilhas de frondosas palmeiras. As torres das igrejas levantam-se além, muito além dos telhados em aglutinação. (...)”.

O texto acima, transcrito de um jornal de Casa Branca, “O Município”, de 24 de junho de 1944, portanto há 68 anos, e escrito por Apolônio de Tiana, encompridava-se descrevendo a cidade de Mococa, mostra que uma viagem num trem misto na época, de apenas 63 km, indo de Casa Branca a Mococa, podia demorar seis horas!... Era esse o ramal de Mococa, que terminava sete quilômetros depois, em Canoas, à beira do rio.

Ele descreve bem a chegada a Mococa, que tinha a sua estação no ponto mais alto na entrada da cidade: dela se podia ver boa parte dela, no vale e além dele, como o autor descreve. Hoje, as filas de palmeiras ainda estão lá; os trilhos não. A antiga estação, descaracterizada como depósito da Prefeitura, cercada por grades e muros no meio de outras construções, ainda está hoje junto a uma das entradas da cidade; mas a magia do trem, descrita acima e em vários outros relatos, esta desapareceu para sempre da região. Eu me lembro de meu filho, que, indo a Mococa anos atrás, perguntou a um morador onde ficava a antiga estação ferroviária, e a resposta foi algo como “mas aqui nunca teve trem!”.

E, quanto à estação de Canoas, mais à frente, foi transformada em estábulo... mas ainda está lá.

2 comentários:

  1. Esse tipo de resposta `nunca houve trem aqui` ou `nunca houve estacao aqui` ja ouvi algumas vezes...me lembro quando procurava a estacao de Canas, proximo a Lorena e dois senhores disseram que ali nunca teve estacao, so em Lorena...nao sei se posso culpar os cidadaos, mas com certeza existem razoes para a memoria morrer assim tao facil.

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    1. Já ouvi até em Piracicaba, onde houve (e ainda estão lá) duas estações, uma delas muito próxima ao centro.

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