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terça-feira, 19 de maio de 2015

FERROVIAS EM DECOMPOSIÇÃO: MOGIANA, SOROCABANA E NOROESTE

Minério a ser transportado via ferrovia em Porto Esperança: quem vai pegar o espólio? (acervo Tomas Correa)
.

Enquanto o resto do mundo está equivocado mantendo e modernizando suas ferrovias, o Brasil segue sendo o único correto, exterminando suas ferrovias de vinte anos atrás e não construindo novas - apenas dizendo que as constrói.

Óbvio que fui sarcástico na frase acima.

As notícias que caem sobre os ferroviaristas (e ferroviários) como granizo aumentam dia a dia. Vejam esta, enviada a mim hoje. Não vou citar o nome do autor.



"Boa Noite Ralph.

É com pesar que informo que estive esse final de semana em Ribeirão Preto e verifiquei que estão construindo casas por cima da via do antigo ramal que saía da estação Barracão e ia no sentido de Sertãozinho. Eles (munícipes) estão arrancando e vendendo os trilhos para o ferro velho e construindo casas em cima do leito. Ninguém faz nada pra impedir. Nem prefeitura nem concessionária. Uma vergonha. Não pude sequer tirar uma foto pois fui ameaçado pelos "proprietários" dos imóveis. No bairro Cidade Universitária, altura da Avenida Francisco Massaro em toda a extensão da avenida Rio Pardo (umas 8 quadras) está tudo construído sobre a via. O ramal nem aparece mais no google maps. Uma tristeza.

Mudando de assunto, me preocupa a situação da Sorocabana em Presidente Prudente. Estive lá há uns vinte dias. Meus pais moram do lado da ferrovia há mais de 20 anos. Eles me relataram que fazia mais de dois meses que não passava nenhum trem, nem mesmo de combustíveis ou de capina. A via está uma lástima.  Transformou-se num grande matagal. Fui até o pátio da estação e não há mais nenhum vagão de nada. Nem uma locomotiva sequer. O mato cobre tudo no pátio que fica no centro da cidade. Eu acho que já perdemos a velha Sorocabana também.
 
Um abraço."

A primeira pergunta é: como um ramal inteiro pode desaparecer dessa forma em Ribeirão Preto? As terras da linha são da União, mais particularmente do órgão Inventariança da RFFSA. Se a concessão ainda estiver nas mãos da FCA - atual VL! - não seria ela a responsável? Quem vai pagar por isso? Não respondam, porque não precisam. Ninguém, como sempre, neste país com excesso de leis, mas que não são respeitadas.

Finalmente, sugiro que dêem uma olhada neste artigo no meu blog, publicado em 2012: O MPF acertou! 

E a Sorocabana em Presidente Prudente? Trata-se da antiga linha-tronco da empresa extinta em 1971. De todos os mais de 840 quilômetros dela, poucos são atualmente utilizados - fora o trecho do início, usado pelos trens metropolitanos da CPTM entre as estações de Julio Prestes, em São Paulo, a Amador Bueno, na divsa de Itapevi com São Roque, pouco mais de 40 quilômetros. O que a me mensagem que recebi mostra é que essa linha foi - ou logo vai - para o saco mesmo. Estamos falando de 800 quilômetros de linha. 

Finalmente, mais (más) notícias da ex-Noroeste, especialmente a parte de Mato Grosso do Sul, a que me referi dois dias atrás no artigo que pode ser revisto aqui. O governador do Estado, Reinaldo Azambuja, "vai `cobrar responsabilidades` do governo federal e da nova concessionária da rede ferroviária no Estado, a Rumo, para garantir a continuidade da manutenção dos 1,2 mil quilômetros de trilhos que cortam o território sul-mato-grossense". Gostaria que houvesse sinceridade nas palavras do governador - para mim, isso não passa de uma cobrança somente com o intuito de não ser ele mesmo cobrado mais tarde por nada ter tentado fazer para evitar o debacle. Não deve ser de forma alguma prioridade no seu governo. E deveria ser.

As notícias não se limitam a apenas Mato Grosso do Sul. Os mais atentos estão prenunciando que, a curto prazo, a Noroeste toda (Bauru-Corumbá), mais o ramal de Bauru (da ex-EFS) e a antiga linha-tronco da Sorocabana todas vão ser fechadas e abandonadas. São cerca de 2,5 mil quilômetros.

Oremos. 

terça-feira, 2 de setembro de 2014

RIBEIRÃO PRETO, ANOS 1930: RODOVIAS E TRILHOS

Mapa dos anos 1930. O trecho em vermelho fino foi colocado por mim, pois estranhamente não foi desenhado
.

O mapa acima retrata Ribeirão Preto, numa planta bem resumida, nos anos 1930. Este recorte veio dos arquivos de meu avô Sud Mennucci e não diz nem qual é o jornal nem qual sua data. Mas posso assegurar que é dos 1930.

A declaração do prefeito da época mostrava sua decepção com as rodovias que existiam no município - e ao lado o mapa. Ele nada falava das ferrovias. Ou estava contente com elas ou achava-as sem importância. Na verdade, a cidade jamais teve trens de subúrbio. Na época, sua área urbana era muito menor do que a atual e existiam vários bairros rurais.

Por lá passavam, além da Mogiana (linha tronco, ramal de Sertãozinho, ramal de Guatapará), o ramal de Dumont (que acabou em 1939) e a São Paulo-Minas. Todos os trens que cruzavam ou saíam da cidade eram de longo percurso. Paravam em bairros rurais do município: Vila Bonfim, Guatapará e ainda por fazendas da região.

De todos os trilhos que estão no mapa, os únicos que ainda existem, mas estão abandonados há anos, são os do ramal de Sertãozinho - que são os que correm paralelos à rua Capitão Salomão, ao norte do mapa.

A declaração do prefeito - cujo nome não foi escrito na reportagem - dizia que a cidade tinha ?0 (ou seja, um número que terminava com zero - o resto do número está cortado, mas, pelo espaçamento, parece ser menos de cem) quilômetros de rodovias.

"Estavam em pessimas condições. Os contractos com os encarregados da conservação das estradas não eram cumpridos. Rescindi-os todos e estou fazendo um serviço especial e sob administração propria. Aliás, nunca tivemos estradas feitas especialmente para tal, com o aproveitamento de carreadores de cafesaes, transformados em rodovias provisorias, iniciamos o serviço que vae caminhando com a rapidez possivel dentro das nossas possibilidades. A estrada que vae a Araraquara ficou melhorada e encurtada em 12 kms.

"(...) Dentro de pouco tempo teremos uma rêde mais ou menos perfeita de rodovias, pois a Prefeitura não pode atacar todos os trechos, ao mesmo tempo, por falta de verba e material. Ainda agora estou providenciando para a compra de caminhões, que não possuímos, visto os existentes, estarem em petição de miseria". (Nota: transcrito com o português da época).

Aliás, no mapa acima, uma parte da linha tronco, a que segue para o sul, Santa Tereza, Vila Bonfim (Bonfim Paulista) e Cravinhos não aparece, embora existisse em funcionamento (funcionou até 1964). Tracei-a no mapa em vermelho.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

OS TRILHOS DO MAL (VII) - O MPF ACERTOU!

A estação do Barracão, de onde saem os trilhos do ramal de Sertãozinho em Ribeirão Preto desde 1899

A prefeitura de Ribeirão Preto, aquela que derrubara há quarenta e quatro anos sem nenhuma necessidade a estação ferroviária construída oitenta anos antes, agora está maluca para arrancar os trilhos do ramal de Sertãozinho, desativado pelas concessionárias privadas logo depois da entrega da linha da FEPASA a elas, no final de 1998.

O MPF - Ministério Público Federal -, que normalmente interfere em muita coisa, sendo que muitas vezes por mera politicagem ou sem fundamentos melhores do que os usados pelos "interferidos", desta vez entrou em ação com fundamentos muito bem colocados e com toda a razão do mundo.

Nas quatro cartas abaixo reproduzidas por mim - o texto é longo, mas, sinceramente, vale a pena lê-los, pois especialmente o primeiro, apesar de em alguns pontos ser repetitivo, mostra algumas posições muito clras até para leigos. Posições, que, no entanto, não parecem nada claras para as concessionárias - no caso, a FCA - nem para o governo municipal, estadual ou federal.

Leiam abaixo e vejam que, desta vez, o procurador que as emitiu está de parabéns pela serenidade e clareza. A primeira carta é a mais longa. Os grifos são deste blogueiro. Há citações de fontes que aqui eliminei, para não sobrecarregar demais.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)

DECISÃO - Peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10

As presentes peças informativas têm por objetivo apuração da denúncia, trazida a este órgão ministerial pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, Denis Willian Esteves, e também veiculada em matérias jornalísticas1, de que o MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO (doravante MUNICÍPIO) estaria planejando eliminar ramais ferroviários em desuso da antiga Companhia Mogyana, situados na zona urbana, ou dar-lhes nova afetação. Para tanto, a concessionária FERROVIA CENTROATLÂNTICA S.A. (doravante FCA) devolveria as áreas de tais ramais à UNIÃO, que, por meio do DEPARTAMENTO DE INFRAESTRUTURA DE
TRANSPORTES – DNIT, cedê-las-ia ao MUNICÍPIO. Em contrapartida, a UNIÃO custearia a construção de um novo ramal, mais afastado das concentrações populacionais.

Ocorre que o negócio ostenta, pelo menos, três sérios inconvenientes, a saber:
- sem justa causa, oneraria o MUNICÍPIO e desoneraria a concessionária FCA, ao carrear para o primeiro a responsabilidade, em princípio da segunda, pela recuperação dos ramais abandonados e a desocupação de suas margens, atualmente ocupadas por construções irregulares de famílias de baixa renda. Nesse ponto, merece destaque o seguinte trecho da reportagem constante da f. 79: “Segundo José Osvaldo Cruz, coordenador de relações institucionais da FCA, o trecho se tornou inviável por causa das intervenções urbanas”;
- sem justa causa, oneraria a UNIÃO e desoneraria a concessionária FCA, ao carrear para a primeira a responsabilidade de custear a construção de novo ramal em razão de o ramal já existente não ter sido devidamente aproveitado ou recuperado pela concessionária;
- inviabilizaria o projeto de trem histórico-cultural, que o MUNICÍPIO, por sua Secretaria da Cultura, afirma encampar.

Com o fito de evitar lides judiciais e prevenir responsabilidades acerca desse contexto fático, este subscritor, por meio de ofício, participou sua visão desses inconvenientes ao DNIT, ao MUNICÍPIO e à Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, ao mesmo tempo em que requisitou informações sobre o andamento de eventuais tratativas entre as partes.

Em resposta, a ANTT esclareceu que o inciso XIV da cláusula 9.1 do contrato de concessão2 abrange a obrigação da concessionária FCA de impedir ocupações irregulares (favelas e congêneres) nos terrenos marginais aos ramais ferroviários. Todavia, ressaltou que a construção de vias férreas fora dos contornos urbanos visa a evitar prejuízos para a população, que pode sofrer, por exemplo, com a poluição sonora e com o risco acidentes, acrescentando ainda que a construção de contorno ferroviário pela UNIÃO não desoneraria a FCA, pois esta última pagaria a devida indenização à primeira.

Por sua vez, o MUNICÍPIO esclareceu que:
(i) as tratativas para a reportada cessão de áreas realmente existem, mas não foram formalizadas;
(ii) foi firmado com a FCA protocolo de cooperação (trazido por cópia em versão com lacunas e não assinado), segundo o qual esta e o MUNICÍPIO envidarão esforços conjuntos para implementação de projetos e investimentos urbanos e ferroviários;
(iii) não há projeto oficial
quanto ao uso dos terrenos que poderão ser recebidas pelo MUNICÍPIO; e
(iv) quanto à remoção das ocupações nos terrenos marginais, seriam elas incluídas no programa municipal de desfavelização.

Finalmente, o DNIT informou que
(i) o MUNICÍPIO demonstrou interesse no recebimento das áreas dos ramais, solicitando
análise quanto à viabilidade do negócio;
(ii) houve uma reunião em Brasília/DF na qual se discutiram questões relativas ao transporte ferroviário em Ribeirão Preto/SP (foi trazida cópia da ata);
(iii) a responsabilidade de remover as favelas dos terrenos marginais é da FCA, sob fiscalização da ANTT;
(iv) não foi realizado nenhum estudo sobre a conveniência de construção de novo ramal, em vez de reativar o já existente;
(v) o traçado atual está muito antigo, o que pode trazer riscos à população;
(vi) após análises, constatou-se que, para reativar a malha ferroviária, seria necessário fazer um contorno fora do perímetro urbano.

É o relatório.

Antes de tudo, repise-se que estas peças informativas tiveram início com denúncia, feita por entidade privada vocacionada para a preservação da memória ferroviária, de que o MUNICÍPIO estaria planejando eliminar ramais ferroviários em desuso da antiga Companhia Mogyana, situados na zona urbana, ou dar-lhes nova afetação. O fato assim definido, sem maior contextualização, não ostenta nenhuma ilicitude. Tanto que foi, nesses mesmos termos,
confirmado pelas partes que a ele dão curso (MUNICÍPIO, DNIT e FCA).

O problema reside nas implicações desse fato e no modo como ele venha a se perfazer. Daí porque o caso é de relativa complexidade, merecendo atenção para sutilezas e detalhes. Não se tratando de fato ilícito prima facie, carece este órgão ministerial de razões para impugná-lo de plano. Afinal, não cabe ao Ministério Público ditar ao administrador a destinação a ser dada a bens em desuso. Porém – e aqui ingressamos no âmago da questão – , em se tratando de bens de extraordinário potencial de uso em prol do tecido social, notadamente no que diz respeito à mobilidade urbana, não pode ser destinado sem maior critério. E, por critério, compreendam-se não apenas decisões políticas, mas estudos e análises cientificamente respaldados, lançados sobre premissas objetivas tendentes a divisar, no longo prazo, os mais proveitosos empregos em favor da comunidade.

É claro que haverá margem para opções políticas, para a inequívoca discricionariedade administrativa. Até porque – veja-se! – a opção até aqui engendrada foi o abandono, teoricamente a pior de todas. Porém, nem de longe isso significa que qualquer outra opção seja válida. Afinal, o abandono de determinado bem não gera despesa direta; quando muito, depender de sua natureza, gera depreciação que, exacerbada, aí sim pode caracterizar malversação. A destinação pretendida pelos atores das negociações até aqui encetadas, ao contrário, gera despesa direta de considerável valor e, mais que isso, cria uma afetação com nota de definitividade.

Se assim é, se o que se pretende até aqui (novo ramal fora da cidade e transformação dos atuais em corredores de ônibus) são transformações de grande monta e elevado custo, que aderem ao solo e que ditam a conformação do entorno no longo prazo, é impensável que qualquer movimento, ainda que de mera cessão de áreas, seja feito sem grande segurança quanto à finalidade, calcada esta em razoabilidade e proporcionalidade.

A razoabilidade, no caso, implica ter certeza quanto à adoção de uma opção eficaz em termos de aproveitamento; e a proporcionalidade, por sua vez, expressa relação de custo/benefício que
não seja perniciosa para o poder público. Pelo menos até este momento, essa segurança
finalística apoiada em razoabilidade e em proporcionalidade não se faz presente. A impressão que se tem é que as deliberações, até aqui, foram de cunho estritamente político; que pouco ou nada transitaram pelo universo técnico.

Um protocolo de cooperação (juntado a estes autos em forma incompleta e sem assinatura) e a notícia de uma reunião em Brasília e de uma singela visita técnica que resultou num croqui,
obviamente, estão aquém do necessário para deflagrar o processo, com a cessão dos imóveis da UNIÃO ao MUNICÍPIO.

Com efeito, não existe demonstração técnica sobre a inviabilidade operacional dos atuais ramais. O DNIT informa que, em inspeção técnica, constatou que “o traçado ferroviário no trecho urbano encontra-se técnica e operacionalmente inviável por ser um traçado antigo, com raios e rampas inadequados, e com muitas passagens de nível, tornando-se assim um risco à população”. Deveras, não convence. Muitas perguntas podem ser arrostadas a essa assertiva. Só como exemplo:

- Raios e rampas inadequados não podem ser objeto de adequação?
- Passagens de nível não podem ser desniveladas, principalmente para o tráfego de pedestres (passarelas)?
- Quanto aos veículos, qual o inconveniente de semáforos, queexistem às centenas pela cidade?
- Traçado antigo, por si só, é um óbice insuperável? Por que?

Todos sabemos que, nos países mais civilizados do planeta, notadamente na Europa, o transporte ferroviário convive em harmonia com as cidades há muitas e muitas décadas. Será que todos os
traçados são novos? Que justamente lá não existem traçados antigos? Grandes estações ferroviárias estão presentes, muitas vezes, no centro das principais aglomerações urbanas. A despeito disso, a notícia que se tem é a de que as cidades europeias são as que oferecem maior mobilidade e segurança para seus habitantes.

Veja-se, nesse sentido, a seguinte reportagem, voltada para viajantes brasileiros na Europa:
Quem viaja pelo mundo já sabe que os passes de trem são uma das melhores formas de percorrer a Europa. O STB – Student Travel Bureau, que comercializa bilhetes de trem e
passagens aéreas para destinos europeus, com diferenciais para cada faixa etária e para quem viaja sozinho ou em grupo, faz um comparativo das vantagens e desvantagens das viagens de trem ou avião entre esses países. Segundo o gerente de Travel do STB, Henrique Braga,
na Europa existem 240 mil quilômetros de trilhos conectando 20 países, com muita praticidade e vantagens para os viajantes. (…)

Braga ressalta ainda outras vantagens das viagens de trem: geralmente as estações situam-se muito próximas aos centros das cidades, facilitando o deslocamento. Ombreando a ausência de conclusão segura sobre a inviabilidade operacional dos atuais ramais está a inexistência de estudos técnicos sobre a economicidade dos negócios pretendidos (relação custo/benefício para o poder público). Aqui as perguntas são ainda mais renitentes, tanto quanto básicas, como as seguintes:
- Quanto custará para a UNIÃO construir o novo ramal para uso da FCA?
- Como será a UNIÃO indenizada?
- Quais serão, concretamente, as vantagens econômicas do novo ramal? Quem as auferirá?

Semelhante ausência de respostas firmes e técnicas pode ser apontada quanto à pretensão do MUNICÍPIO de remover os ramais para, em seu lugar, erigir corredores de ônibus. Nesse passo, calha também notar que um dos ramais que se pretende eliminar corre, em boa medida, próxima e paralelamente a via pública de larguíssimo calibre, a Avenida Eduardo Andrea Matarazzo.
Começa a se tornar notório, mesmo entre os leigos, o fracasso da opção de favorecer o transporte sobre rodas, em vez do transporte sobre trilhos. Viadutos, contornos ou complexos viários, elevados, pontes, túneis, semáforos inteligentes, rodízio de veículos, horários para circulação, nada disso foi capaz de deter a semi-paralisia que afeta cidades como São Paulo, que, ao longo de décadas, deram primazia ao asfalto.

Ademais, obras viárias de grande porte como essas não raro têm o deletério efeito de “desumanizar” as cidades, “rasgando-as”, agredindo sua paisagem, servindo de painel para pichadores, de fonte de barulho para moradores e de tantas outras mazelas, sem falar no favorecimento à poluição pela queima de combustíveis fósseis. Basta lembrar que, agora,
quarenta anos depois de ter sido erguido e de ter produzido forte degradação urbana ao seu redor, o “Minhocão”, como é conhecido o Elevado Costa e Silva, em São Paulo, é objeto de um projeto de demolição da prefeitura.

O terrível vezo político da ausência de planejamento de longo prazo para mobilidade urbana não deve prevalecer numa cidade que já ultrapassou a marca dos 600 mil habitantes, sob pena de estes, no médio e longo prazos, serem submetidos a diuturno desgaste para deslocamentos, pondo-se a perder boa parte da chamada “qualidade de
vida” interiorana.
Também é absolutamente impensável que o MUNICÍPIO adquira a área em questão sem saber ao certo o que fazer com ela. Ou, pior, que a adquira com um intuito momentâneo que, implementado às pressas ou sem maior reflexão, precise ser alterado futuramente, por não se revelar adequado, o que remete ao triste exemplo do Minhocão. Ora, uma vez eliminados os ramais – assim entendidos não apenas os dormentes, trilhos e demais equipamentos férreos, mas principalmente a adequada conformação do solo e do terreno –, sua reposição, após constatar-se que o corredor de ônibus não passa de uma quimera política, afigurar-se-ia no mínimo canhestra.

A indagação primeira seria: por que retirar para depois repor, se tanto tirar quanto repor é
caro? Se é que o modal férreo representa a melhor solução técnica para o local, por que não adaptar, modernizar ou reconfigurar o que se tem? É evidente que, para se duplicar uma rodovia, não é necessário fazer desaparecer a pista simples preexistente. Muito ao contrário, haverá grande aproveitamento da obra anterior.

Como se vê, as questões que não calam nesse aspecto do pretendido negócio são:
- O MUNICÍPIO realmente necessita de corredores de ônibus no local onde hoje estão os ramais abandonados? Onde está o embasamento técnico para essa conclusão?
- O transporte por meio de ônibus é mesmo a melhor alternativa de aproveitamento das áreas para a mobilidade urbana? Não seria o caso de se aproveitarem, além das áreas, os próprios ramais nelas existentes, para a implementação de um modal ferroviário, dando-se início à inversão da lógica claramente nociva da primazia do asfalto?

Outra questão a ser ponderada é a remoção das ocupações irregulares nas áreas em tela, às margens dos ramais. De acordo com o contrato de concessão e segundo a visão da própria ANTT,
essa incumbência pertence à concessionária de transportes ferroviários. Ora, se a responsabilidade por tão oneroso mister recai sobre a FCA, qual a justa causa para o MUNICÍPIO assumi-la sem nenhuma contrapartida? Simplesmente afirmar-se que a região pode ser incluída no programa de desfavelização soa como uma tremenda minimização do problema. Por mais que o programa exista e seja efetivo, a inclusão de novas áreas obviamente onera o erário municipal, ainda que de forma pouco clara à primeira vista.

Por fim, mas não menos importante, não se pode perder de vista a legítima e valorosa pretensão da sociedade civil, por meio do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, de preservar a memória ferroviária da cidade e da região. Por força de provocação dessa mesma e combativa
associação, este órgão ministerial intentou ação civil pública (autos nº 0010837-73.2010.403.6102; 1ª Vara Federal de Ribeirão Preto) na qual se prolatou liminar que bloqueou indevida transferência de bens ferroviários de valor histórico para outra urbe, ameaça que adveio de concerto entre o DNIT e o município que almejava receber esses bens.

Tendo sido o ponto de partida destas peças informativas, a advertência do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, que tem revelado extrema vocação para o fim associativo a que se propõe, é no sentido de que a eliminação dos ramais em foco pode pôr a perder antigo anseio de criação de museu ferroviário nesta cidade, que a Secretaria da Cultura afirma encampar em caráter prioritário (f. 34, 43/47 e 52/56). Isso porque a realidade tem mostrado que museus ferroviários só se tornam atrativos quando oferecem para seus frequentadores a opção de passeio em trem histórico-cultural (f. 49), que, no caso de Ribeirão Preto, só poderia ser viabilizado em algum ponto dos ramais atuais (f. 6).

É notório que o transporte ferroviário de passageiros já foi usado em larga escala neste Estado, tendo experimentado grande apogeu em meados do século passado. As ferrovias eram instituições de grande envergadura e prestígio. Daí a importância da preservação dos bens
remanescentes em museu: revelar às atuais gerações a capacidade de nosso povo de erigir instituições grandiosas, extremamente úteis e dotadas de soberba tecnologia, como foi a Companhia Mogyana, instigando assim, nas pessoas, o senso cívico e de coletivismo – tão desbotado e que, desafortunadamente, só tem aparecido em tempos de copa do mundo de futebol.

Como fica fácil perceber, a legitimidade do Ministério Público para, a despeito da discricionariedade administrativa – e sem prejuízo dela – , questionar o pretendido negócio é ampla e apresenta vários flancos de abordagem.

Tal qual na tentativa de remoção de bens históricos narrada quatro parágrafos acima, não se furtará o parquet federal a, sendo necessário, solicitar ao Judiciário que impeça ou corrija eventual lesão aos interesses públicos primários que o caso suscita. Daí porque, com o escopo máximo de se evitarem lides desnecessárias, que atravanquem o atendimento das demandas político-sociais, afigura-se conveniente recomendar-se aos atores do
pretendido negócio que não ignorem ou minimizem nenhuma das relevantes variáveis mencionadas nesta decisão, sob pena de embargo judicial imediato.

Nessa hipótese, não se poderá alegar que o Ministério Público ou a Justiça estão a impedir a consecução de anseios e projetos favoráveis à coletividade. Afinal, a própria Administração é que, tendo sido expressamente advertida, ter-se-á colocado em posição de dar causa a tal
impedimento. Aliás, essa proposição seria verdadeira ainda que recomendação não houvesse, pois é dever do administrador proceder com razoabilidade e proporcionalidade, independentemente de ser instado nesse sentido.

Diante do exposto, expeçam-se as recomendações que preparei ao MUNICÍPIO (chefia do Poder Executivo), ao MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES e ao DNIT. Dê-se ciência ao representante, a cada um dos vereadores deste Município, à Secretaria da Cultura municipal e ao promotor de Justiça responsável pelas questões urbanísticas. Anualmente, renovem-se, com as necessárias
adaptações, as requisições de f. 90/93 e 94/97.

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

A segunda carta:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)
RECOMENDAÇÃO PRM/RP Nº 03/2012

Excelentíssima Senhora
DÁRCY VERA
Prefeita Municipal
Ribeirão Preto – SP

EMENTA: Ramais ferroviários em Ribeirão Preto. Antiga Companhia Mogyana. Plano da Administração municipal de eliminação ou de nova afetação desses ramais, após cessão das áreas pela União. Pretensão de instalação de corredor de ônibus. Ausência de embasamento técnico para o negócio. Riscos para o patrimônio histórico-cultural e para o erário municipal.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio, do Procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, caput, III, da Constituição Federal, bem como no artigo 6º, caput, XX, da Lei Complementar nº 75/1993, segundo os quais deve expedir recomendações para preservação
de direitos por ele tutelados e:

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis (CF, art. 127);

CONSIDERANDO que são funções institucionais do
Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, caput, II);
bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos,
coletivos e individuais indisponíveis (CF, art. 129, caput, III);

CONSIDERANDO que tramitam neste órgão ministerial as peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10, instauradas em razão de representação formulada pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, entidade privada, sediada nesta cidade, vocacionada para a preservação da memória ferroviária;

CONSIDERANDO as fundadas razões contidas na decisão lançada nas folhas 180/185 de referido procedimento, datada de 18 de janeiro de 2012, que segue em anexo e constitui parte integrante e indissociável deste ato;

RESOLVE RECOMENDAR ao MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO que não contrate com a UNIÃO, a título gratuito ou oneroso, a aquisição das áreas onde situados os ramais desativados da antiga Companhia Mogyana enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a utilidade desses bens para o MUNICÍPIO.

A presente recomendação é expedida nos autos do procedimento administrativo nº 1.34.010.000323/2011-10, de caráter público. Cópia de peças desses autos pode ser obtida, mediante recolhimento de taxa própria, na Procuradoria da República em Ribeirão Preto, situada na Rua Conde Afonso Celso nº 904, Sumaré, Ribeirão Preto (fone 16-3602-5700).

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

A terceira carta:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)
RECOMENDAÇÃO PRM/RP Nº 04/2012

Excelentíssimo Senhor
PAULO SÉRGIO OLIVEIRA PASSOS
Ministro dos Transportes
Brasília – DF
PRM-RAO/SP

EMENTA: Ramais ferroviários em Ribeirão Preto. Antiga Companhia Mogyana. Plano da Administraçãomunicipal de eliminação ou de nova afetação desses ramais, após cessão das áreas pela União. Pretensão de construção de novo ramal, a ser custeado pela
União. Ausência de embasamento técnico para o negócio (cessão) e para as obras (eliminação de
ramais antigos e construção de novo). Riscos para o patrimônio histórico-cultural e para o erário federal.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio, do Procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, caput, III, da Constituição Federal, bem como no artigo 6º, caput, XX, da Lei Complementar nº 75/1993, segundo os quais deve expedir recomendações para preservação de direitos por ele tutelados e:

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127);

CONSIDERANDO que são funções institucionais doMinistério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, caput, II); bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis (CF, art. 129, caput, III);

CONSIDERANDO que tramitam neste órgão ministerial as peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10, instauradas em razão de representação formulada pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, entidade privada, sediada nesta cidade, vocacionada para a preservação da memória ferroviária;

CONSIDERANDO as fundadas razões contidas na decisão lançada nas folhas 180/185 de referido procedimento, datada de 18 de janeiro de 2012, que segue em anexo e constitui parte integrante deste ato;

RESOLVE RECOMENDAR ao MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES

(i) que não aprove a cessão ao MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO, a título gratuito ou oneroso, das áreas onde situados os ramais desativados da antiga Companhia Mogyana enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a impossibilidade de aproveitamento de tais ramais e (ii) que não aprove a construção de um novo ramal em substituição aos já existentes enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a necessidade dessa obra.

A presente recomendação é expedida nos autos do procedimento administrativo nº 1.34.010.000323/2011-10, de caráter público. Cópia de peças desses autos pode ser obtida, mediante recolhimento de taxa própria, na Procuradoria da República em Ribeirão Preto, situada na Rua Conde Afonso Celso nº 904, Sumaré, Ribeirão Preto (fone 16-3602-5700).

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

A quarta e última carta:

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM RIBEIRÃO PRETO (SP)
RECOMENDAÇÃO PRM/RP Nº 05/2012

EMENTA: Ramais ferroviários em Ribeirão Preto. Antiga Companhia Mogyana. Plano da Administração municipal de eliminação ou de nova afetação desses ramais, após cessão das áreas pela União. Pretensão de construção de novo ramal, a ser custeado pela
União. Ausência de embasamento técnico para o negócio (cessão) e para as obras (eliminação de ramais antigos e construção de novo). Riscos para o patrimônio histórico-cultural e para o erário federal.

Ilustríssimo Senhor
JORGE ERNESTO PINTO FRAXE
Diretor-Geral do DNIT
Ministério dos Transportes
Brasília – DF
PRM-RAO/SP

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio, do Procurador da República que esta subscreve, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fundamento nos artigos 127 e 129, caput, III, da Constituição Federal, bem como no artigo 6º, caput, XX, da Lei Complementar nº 75/1993, segundo os quais deve expedir recomendações para preservação de
direitos por ele tutelados e:

CONSIDERANDO que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127);

CONSIDERANDO que são funções institucionais do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (CF, art. 129, caput, II); bem como promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis (CF, art. 129, caput, III);

CONSIDERANDO que tramitam neste órgão ministerial as peças informativas nº 1.34.010.000323/2011-10, instauradas em razão de representação formulada pelo presidente do INSTITUTO HISTÓRIA DO TREM, entidade privada, sediada nesta cidade, vocacionada para a preservação da memória ferroviária;

CONSIDERANDO as fundadas razões contidas na decisão lançada nas folhas 180/185 de referido procedimento, datada de 18 de janeiro de 2012, que segue em anexo e constitui parte integrante deste ato;

RESOLVE RECOMENDAR ao DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT
(i) que não aprove a cessão ao MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO, a título gratuito ou
oneroso, das áreas onde situados os ramais desativados da antiga Companhia Mogyana enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a impossibilidade de aproveitamento de tais ramais e

(ii) que não aprove a construção de um novo ramal em substituição aos já existentes enquanto não houver cabal e aprofundado embasamento técnico sobre a necessidade dessa
obra.

A presente recomendação é expedida nos autos do procedimento administrativo nº 1.34.010.000323/2011-10, de caráter público.

Cópia de peças desses autos pode ser obtida, mediante recolhimento de taxa própria, na Procuradoria da República em Ribeirão Preto, situada na Rua Conde Afonso Celso nº 904, Sumaré, Ribeirão Preto (fone 16-3602-5700).

Ribeirão Preto, 18 de janeiro de 2012.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

BRINCANDO DE TRENZINHO

Ramal de Sertãozinho em recuperação (?) em Ribeirão Preto. Autor desconhecido.

Notícias ferroviárias dos últimos dias são muitas. Façamos um acompanhamento nos próximos meses para ver o que resulta de tudo isso.

A primeira: o ministério dos Transportes finaliza até dezembro os estudos de viabilidade dos trens regionais federais entre Londrina e Maringá, no Paraná, e entre Caxias do Sul e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul. Seria ótimo, se fosse resultar em algo. No primeiro caso, a RFFSA eliminou esse trem, já bastante decadente mas sempre lotado de passageiros, em março de 1982. Depois de uma década, começaram os papos de volta desse trem. Vinte anos depois, falar dele vai e volta de tempos em tempos. Vai sair? No segundo, trata-se de trem eliminado em 1976. A linha, em teoria, ainda existe. Coberta de mato, de terra e de asfalto, dependendo do trecho. E com trilhos roubados também. Vai sair?

A segunda: FCA recupera (isso significa: tirar mato e terra de cima dos trilhos e repô-los onde foram roubados) o ramal que liga a estação do Barracão à de Passagem, em bitola métrica e que originalmente foi a junção de dois ramais - o de Pontal, da Paulista, e o de Sertãozinho, da Mogiana. Desde a privatização em 1998, nenhum trem jamais correu ali. Nem auto de linha. O trem de passageiros acabou em 1976. A recuperação provavelmente é para inglês ver e mais provavelmente ainda para devolver o ramal à União (note-se: o ramal Passagem-Pontal é o último ramal ainda existente da Cia. Paulista em bitola métrica). Uma associação de preservação ferroviária de Ribeirão Preto diz que vai colocar um trem turístico no local. Para ver o que? Como eu sempre disse, que tal as prefeituras das cidades por onde o ramal passa (Ribeirão Preto, Sertãozinho, Pontal e Pitangueiras) reativarem o ramal com trens regionais para seus munícipes em vez de pensarem em trem turístico (a enganação de sempre)?

A terceira: Linha do Metrô de Teresina será duplicada. Também serão construídas 6 novas estações e as instalações modernizadas. O projeto inclui ainda a aquisição de quatro novos trens, os quais contêm quatro vagões cada. Ainda bem, pois ficar rodando somente com trens dos anos 1970 e que originalmente não eram lá essas coisas (os velhos "trens húngaros") não convém mesmo. A pergunta: vai sair mesmo? Em quanto tempo? No cronograma Brasil?

A quarta: Duas composições do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) começam a funcionar a partir da próxima segunda-feira (10) em Maceió. O trajeto será da capital – da estação principal da Companhia de Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) até Satuba ao preço de R$ 0,50 por viagem. Os VLTS correrão sobre a linha por onde hoje correm - e há muitos anos - os trens diesel da CBTU. A estação de Rio Largo – destruída por conta da enchente do ano passado – segue em obras para recuperação de toda malha ferroviária. Em Rio Largo, a enchente de junho de 2010 acabou com a linha férrea, no final do ramal. Passaram-se 16 meses e nada até agora. No Japão, trens estavam operando um mês depois do tsunami de março deste ano... só para comparação.

A quinta: Governo de Paty do Alferes, RJ, defende trem turístico entre Paraíba do Sul e Nova Iguaçu. Para que? A não ser que trem regular de passageiros tenha mudado de nome, será mais uma enganação para o povo que precisa de transporte. No caso da Linha Auxiliar, como na de Sertãozinho citada acima, ela não é usada pela FCA (que coincidência, a mesma concessionária!) e poderia muito bem abrigar trens decentes. Mas não, ficam tapeando o povo. Mas nem tudo está perdido, pois parece que há gente pensando diferente: defensor da retomada do transporte ferroviário, o vice-prefeito
de Guapimirim, Marco Aurélio Dias, defende que a Linha Auxiliar, assim como
a ferrovia de contorno da Baía da Guanabara, seja recuperada para serem
utilizadas como trens de passageiros, reduzindo a necessidade do transporte
ferroviário e criando novas opções de deslocamento para os moradores desses
municípios. No caso de Três Rios e Paraíba do Sul, a viagem por trem para o
Rio de Janeiro, de 150 km, poderia ser feita em duas horas, mesmo tempo do
transporte rodoviário.

E assim, vai se processando a vida ferroviária do país: comoo há 150 anos atrás, sem planejamento algum, vivendo apenas de sonhos e enganações. Até 50-60 anos atrás, no entanto, no meio deles havia vida pensante e ferrovias eram construídas, trens para passageiros circulavam. Hoje, não há isso.

terça-feira, 25 de maio de 2010

O RAMAL DE SERTÃOZINHO

Ramal de Sertãozinho em 2001, próximo a Ribeirão Preto. Foto Rodrigo Cabredo

O ramal de Sertãozinho foi contruído pela Companhia Mogiana no final dos anos 1890 e terminado em 1914, quando se juntou à ponta do ramal do Pontal, em Pontal, da Paulista. Em 1970, como ambos tinham bitola métrica e pertenciam a duas ferrovias já estatizadas, o segundo passou à Mogiana, que passou a administrar o ramal, do seu início em Barracão, Ribeirão Preto, a Passagem, na bitola larga da Paulista. Também vale lembrar que nessa época o ramal de Pontal havia se tornado o único ramal de bitola métrica da Paulista, com todos os outros já desativados e arrancados.

O ramal de Sertãozinho e o de Pontal já eram nessa época decadentes; somente haviam sobrevivido por terem sido considerado pelos militares como "de segurança nacional", pois uniam duas das ferrovias mais importantes do Estado, a Mogiana e a Paulista. Os trens de passageiros que por ele passavam já percorriam apenas o trecho que já era da Mogiana, Barracão-Pontal, passando pela cidade de Sertãozinho. Pararam em 1976.

Região com enorme produção de cana de açúcar, o transporte de cana por trem era, paradoxalmente, cada vez menor. Com o advento da sombria FEPASA, perdeu movimento e os caminhões passaram a fazer o transporte de cana da região quase que monopolísticamente. Tentou-se, nos anos 1980, usar o ramal para carregamentod e combustíveis, incluindo o álcool de cana; havia um terminal de combustíveis na saída de Ribeirão Preto, perto do ramal, e um posto de carregamento próximo à velha estação de Sertãozinho, posto esse que passou a ter o nome de estação de "Sertãozinho-nova". Não vingou. Em 1998, quando a FEPASA foi privatizada, o movimento no ramal era praticamente apenas de locomotivas e autos de linha eventuais para fiscalização de linha.

Entrou a concessionária e, entre notícias alardeadas pelos jornais da região de que o ramal passaria a carregar álcool e cana, o mato e as ruínas passaram a tomar conta dos trilhos. Roubos destes passaram a ser constantes. Na cidade de Pontal, onde eles passavam pelas principais ruas do centro, junto à abandonada estação ferroviária, o asfalto cobriu tudo.

Nos últimos meses surgiram notícias de "trens turísticos" que usariam parte do ramal - uma forma de o governo enganar o povo em vez de investir em transporte sobre trilhos aproveitando o leito já existente. Esta semana, para avacalhar de vez, a Prefeitura andou anunciando a construção de uma avenida com a retirada dos trilhos. Só que o Ministério Público resolveu bater o pé: se já tem trilhos, que se use para colocar um VLT. Afinal, eles passam por uma zona bem populosa do município de Ribeirão Preto e atingem uma cidade desenvolvida, Sertãozinho.

Não sou prefeito de nada, não quero ser nem vou ser: mas sei que avenidas hoje deterioram um local muito mais rápido do que trilhos. Porém, prefeitos têm um caso de amor com avenidas, então... poucos, no fim, percebem as vantagens de se aproveitar os trilhos para usos... de trilhos. Recentemente, Macaé, RJ, anunciou exatamente o seu uso para colocar VLTs. Oxalá se concretize. Fizeram o mesmo no Juazeiro e no Crato, que parecem estar no fim do mundo em relação a nós, mas com prefeitos de mais juízo e vergonha na cara.

Parece que a chamada "locomotiva do Brasil" está saindo dos trilhos: são os vagões que estão mostrando o caminho certo.