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domingo, 6 de setembro de 2015

DE TREM DE SÃO PAULO A BARRETOS (1976)

Pátio da estação de Barretos em 1990.

Cartas são sempre interessantes. Reportam a realidade de uma época sobre um ou mais assuntos específicos. Claro que muitas comentam sobre fatos isolados, mas quando o tema é os serviços das ferrovias no ano de 1976, se uma carta não pode ser generalizada, pode, pelo menos, provar que esses serviços não eram mais o que haviam sido até os anos 1940.

Aqui, um leitor do jornal O Estado de S. Paulo critica a viagem por ele feita em um trem da FEPASA na região em que antes a Companhia Paulista de Estradas de Ferro atuava: sua linha-tronco São Paulo a Barretos.

O trem noturno havia saído da Estação da Luz e deveria chegar a Barretos às 7 horas e 20 minutos na manhã do dia seguinte. Por causa de um acidente em Barrinha (estação na região de Ribeirão Preto), chegou somente 'as 14 horas e 25 minutos ao seu ponto final.

O leitor descreve o acidente como tendo sido um descarrilamento devido a dormentes podres. Ele até aceita o acidente. Porém, o problema maior foi o que se seguiu a ele. A composição não tinha um carro-restaurante, nem buffet, nem qualquer alimento ou mesmo refrigerantes. Nenhum funcionário da FEPASA se manifestou, fosse "o presidente, chefe do tráfego, guarda do trem, chefe da estação, sei lá quem", para atenuar o mal-estar de pessoas idosas, senhoras, crianças que sofriam com a longa permanência nos carros, com o calor que fazia nessa época do ano (a carta era de 28 de novembro de 1976).

Somente se encontrou comida e bebida depois de resolvido o problema do descarrilamento e o trem pôde chegar até a estação de Bebedouro - esta, não tão próxima assim a Barrinha. "Os passageiros puderam ir ao bar da estação, muito mal instalado, onde um refrigerante era cobrado à razão de Cr$ 5,00. Um roubo! Um assalto! E a SUNAB não viu!" Bem, pelo que eu me lembro da SUNAB, era um órgão que nunca via nem fiscalizava nada, embora o motivo de sua existência tivessem sido exatamente esses. Quanto ao preço do refrigerante, equivalia a mais de dez vezes o preço de uma passagem de trem de subúrbios em São Paulo.

Prolongando o caso, a composição chegou a Barretos e voltou, partindo de Barretos às 23 horas e 20 minutos. Tudo correu bem até a estação de Americana, quando os passageiros foram avisados para descer do trem: houve um acidente na linha.  "Vocês se virem para chegar a São Paulo". Não devolveram as passagens, nem custearam hotéis em Americana, nem pagaram o transporte para o destino de cada um. O táxi para Campinas ficava em R$ 150,00 e o ônibus para São Paulo, R$ 15,00.

O comentário final do escritor da carta foi: "Alguma coisa precisa ser feita para salvar o que ainda resta das ferrovias do Estado de São Paulo. Se isso não puder ser feito, se estas prioridades tiverem que ser mantidas, liquide-se, então, de vez com as estradas de ferro e não se pense mais nisso!"

Foi exatamente o que a FEPASA acabou fazendo, deve ter gostado da ideia. Vinte e cinco anos depois, com serviços decaindo cada vez mais, os trens de passageiros acabaram. Na verdade, em 1976, a FEPASA declarava alto e em bom som, em jornais e rádios, que transporte de passageiros era coisa do passado, dava prejuízo e seria cortado. A pressão política das cidades, no entanto, mantiveram as linhas principais (troncos ex-CP, troncos Mogiana, Sorocabana e E. F. Araraquara) funcionando por mais tempo do que a FEPASA gostaria. Uma pena.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

TRISTE GUATAPARÁ

A primeira ponte de Guatapará, antes de 1930.

A história de Guatapará começou ainda no final do século XIX,  com as fazendas de café e a abertura de um porto da navegação fluvial da Coa. Paulista de Estradas de Ferro em 1886. Em 1902, foi aberto o ramal do Mogi Guaçu e consequentemente três estações:  Guatapará, Guarani e Martinho Prado. 
Então, os  portos de Guatapará e de Martinho Prado foram também fechados. A navegação acabou.

Este ramal havia tido as obras iniciadas em outubro de 1900 que, com as chuvas de dezembro, ficaram paradas até abril de 1901 em ritmo acelerado. O terreno era pantanoso e alagadiço. O ramal seguia em boa parte de sua extensão a margem direita do Mogi Guaçu.

Vindo os trilhos de Rincão, a linha cruzava o rio em uma ponte metálica vinda da Pensilvania, nos Estados Unidos. Por causa do tipo de terreno, ela teve de ser reforçada durante a construção em relação ao projeto original.
Estação de Guatapará em 1916 (Foto Filemon Peres).

Em agosto de 1909, a Câmara de Ribeirão Preto, a quem pertencia Guatapará, concedeu uma licença para Jorge Lobato e o Coronel França Pinto para construírem uma estrada de ferro de Ribeirão Preto a Guatapará. Isto forçou a Cia. Mogiana a, dois meses depois, resolvesse começar as obras de um ramal que estava previsto já havia quase vinte anos, mas que jamais teve as obras iniciadas.

O ramal era uma estrada de ferro São Simão – Jataí (hoje Luiz Antonio) – (Fazenda) Piraju – Ribeirão Preto. Essa estrada passaria a cerca de 12 quilômetros de Guatapará e atrairia também cargas próximas à fazenda dos Prado (de nome Guatapará), de forma a não usar a Cia. Paulista via ramal do Mogi Guaçu.

Quatro anos depois, construiu-se uma ligação da estação de Monteiros, no ramal da Mogiana (chamado de ramal de Jataí) com a estação de Guatapará da Paulista. Isto aconteceu por ideia de Percival Farquhar, na época, grande acionista de ambas. A Mogiana construiu seu pátio ferroviário no bairro, com uma pequena estação com o mesmo nome daquela da Paulista: Guatapará.
Parte do pátio da Mogiana em 1918. Não mudou muito, mas não tem trilhos. Ao fundo, a estação da ferrovia da Mogiana (Foto Filemon Peres).

Esperava-se que a linha nova da Mogiana a ajudasse. Não parece ter sido bem assim. A linha logo se mostrou deficitária. O transporte de passageiros era pequeno em relação ao tronco. Com exceção de Jataí, que se tornou sede de município um bom tempo depois, as outras estações não se desenvolveram a ponto de gerar mais população ou mesmo produção de café e, depois, de cana de açúcar.  O bairro rural que se tornou entroncamento de linhas (uma métrica com uma larga, esta a partir de 1930, quando a Paulista prolongou sua linha-tronco até Barretos e Colômbia com bitola larga a partir de Rincão e da margem direita do rio Mogi) não cresceu tanto assim. A nova bitola obrigou a Cia. Paulista a fechar a ponte de ferro e construir uma nova de alvenaria.

Transformado em distrito em janeiro de 1939, não tinha sua sede ao redor da pequena vila que se formou em volta do pátio ferroviário (e, antes, do porto ali existente), mas na Fazenda Guatapará, a cerca de seis quilômetros dali.

Curiosidade: dois anos depois, visitantes ilustres norte-americanos visitaram a fazenda Guatapará partindo de São Paulo por ferrovia e desembarcando na estação de Guatapará. Depois da visita, foram a Ribeirão Preto... de automóvel. Má notícia para a linha da Mogiana que ligava os dois pontos.

O decadente ramal teve uma parte fechada em 1960 – a ligação de Monteiros com São Simão. Sobrou o trecho Ribeirão-Guatapará, exatamente o que os vereadores da Câmara de Ribeirão queriam construir em 1909, que foi rebatizado para ramal de Guatapará. A esta altura, não havia mais muita esperança de sobrevida. O café já não era forte como era e o distrito não havia crescido muito.
Antiga estação da Mogiana em 1998, ainda está em pé (Foto Ralph Giesbrecht).

Em 1968, problemas estruturais na ponte de 1930 fizeram a Cia. Paulista construir uma terceira ponte e mudar a linha de lugar. Isso fez com que a estação da Paulista fosse fechada, tendo a cobertura abobadada da gare sido retirada e removida para a cidade de Tupã, cujo prédio da estação estava sendo ampliada. Um novo prédio para a estação no novo trajeto na linha foi construído, mas nada mais era do que um pequeno barraco de alvenaria.

Veio a FEPASA, que juntou as ferrovias, mas a situação dos trens piorou.

Em meados de 1976, o ramal de Guatapará fechou e a cidade ficou de vez sem trens. Em outubro do mesmo ano, os trilhos foram retirados, a partir de Ribeirão Preto, que já reclamava dos trilhos em sua área urbana. A área ferroviária da FEPASA em Guatapará ocupava cerca de cinco alqueires e foi totalmente abandonada. A ponte de 1902 estava já abandonada e não servia para travessia do rio nem para pedestres, pois um dos apoios junto às margens não existia mais.

Em 1981, para os 5.500 habitantes, a maior parte na área rural, trens, somente pela linha-tronco da Paulista, para cidades como Barretos, São Carlos, Araraquara, Campinas e a capital paulista. Nenhum funcionário trabalhava mais no distrito – a passagem tinha de ser paga no trem, pois a estação não funcionava mais e a original estava fora da linha e abandonada. Logo foi demolida (1982). Para ir à sede, Ribeirão Preto, cinco horários de ônibus por dia em uma estrada onde um terço dela não tinha pavimentação. Aliás, asfalto era algo que ainda não existia na zona urbana.

Seis anos depois (1987), o distrito não tinha ainda asfalto, esgoto, pronto-socorro e apenas uma escola. A vila queixava-se de ser estar esquecida pela sede do município e queria sua autonomia. Os trens, cada vez mais problemáticos, continuavam passando, mas no pátio ferroviário nem desvios havia. As casas que não haviam sido demolidas foram vendidas ou alugadas como moradia pela FEPASA. O local da bonita estação de 1902 virou um terreno vazio de terra batida. Nem a plataforma sobrou.
Sede da fazenda Guatapará em 1938.

Em 1993, Guatapará finalmente conseguiu sua autonomia. Três anos depois (1996), tinha sete mil habitantes, mas nenhuma indústria. A agricultura respondia por 95% da renda do município. Quase toda a cana de açúcar produzida era enviada à Usina São Martinho, no município de Pradópolis, antiga Martinho Prado. O trem continuava passando e somente parando no barraco de alvenaria onde morava gente se houvesse alguém para subir ou descer.

Eu conheci a cidade em 1998. Não me impressionou nem um pouco. Voltei lá pelo menos mais três vezes nos anos seguintes. Nada mudou. A ponte de ferro cada vez mais enferrujada e inclinada, poucas ruas asfaltadas e apenas um quarteirão com construções interessantes: exatamente o que tinha a antiga casa do chefe e a estação ferroviária da Mogiana. Mais para a frente, acompanhando o trajeto da linha da ferrovia arrancada em 1978, ruínas do que foi a fazenda Guatapará aparecem no meio de um imenso matagal. O que chama a atenção de longe é uma chaminé de tijolos sem nenhum uso. Na fazenda, que já foi dos Prado, dos Morganti e dos Silva Gordo, hoje é um canavial. Até a belíssima casa-sede foi demolida nos anos 1990.

Enfim, Guatapará é hoje um retrato do Brasil. Sem passado e, talvez, sem futuro. Ainda tem ferrovia. Trens da Rumo/ALL passam por ali com cargas para e de a Usina São Martinho, em Pradópolis. Aliás, na antiga linha-tronco da Companhia Paulista, Pradópolis é o ponto máximo que um trem alcança hoje. Depois dali, cidades como Pitangueiras, Bebedouro, Barretos e Colômbia, esta fim da linha, não vêem trens há muito tempo. E provavelmente não o verão nunca mais, apesar das promessas cínicas dos governos e das concessionárias.

É evidente que os trens de passageiros já acabaram. Isso ocorreu em março de 1998, quando os trens da FEPASA passaram a chegar apenas até Araraquara.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

DE SÃO PAULO A CURITIBA, DE TREM - E SE FOSSE HOJE?

A estação de Ponta Grossa, em 1935 (Relatório da RVPSC)
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Houve um tempo, mais precisamente entre 1909 e 1976, que se podia ir de São Paul a Curitiba de trem. Por que isso acabou?

Especificamente, viajar de trem entre São Paulo e Curitiba devia ser algo que nunca tenha sido muito comum, durante os sessenta e sete anos em que isso foi possível. E por que penso eu assim?

Bom, primeiro, estou falando como alguém que jamais fez essa viagem (quando acabou, eu tinha vinte e quatro anos de idade). Portanto, estou fazendo uma série de conjeturas que me parecem razoavelmente lógicas.

A separação da província do Paraná da de São Paulo, em 1853, foi uma consequência do isolamento de Curitiba e do porto de Paranaguá em relação ao governo central da província de São Paulo. Os paranaenses insistiam em ter um governo próprio, pois a viagem para Curitiba, quando necessária, era feita por navios a partir de Santos e desembargando em Paranaguá. Também era possível se fazer a cavalo até Ponta Grossa pela trilha dos tropeiros e dali até Curitiba. Era um trecho longo e, não por coincidência, a ferrovia fez praticamente o mesmo trajeto.

O caminho mais curto de São Paulo a Curitiba é o atual, que a BR-116, Regis Bittencourt, segue. E ela existe desde 1960. Antes dela, havia dois outros caminhos. Um, via Sorocaba, Itararé, Ponta Grossa até Curitiba; outro, via Sorocaba, Itapetiniga, Capão Bonito, Apiaí, Ribeira, Cerro Azul e, finalmente, Curitiba. Este caminho somente foi asfaltado há cerca de dez anos e é uma estrada extremamente estreita e cheia de curvas, principalmente no trecho paranaense.

Houve vários estudos, na área ferroviária, que queriam aproveitar o ramal Santos-Juquiá, pronto em 1915, prolongando-o até Curitiba. Isto, no entanto, faria com que o paulistano tivesse de descer até Santos, tomar essa linha que, de alguma forma, deveria subir novamente a Serra do Mar para alcançar Curitiba.

A Regis Bitencourt tem cerca de 400 quilômetros entre São Paulo e a capital paranaense. Já a ferrovia que unia as duas capitais tinha 830 quilômetros e uma longa parada em Ponta Grossa, sendo que havia divisões de comboio que às vezes obrigavam os passageiros a pernoitar em Ponta Grossa. Digo "tinha" por que todo o trecho entre Itapeva e Jaguariaíva foi arrancado há mais de vinte anos (1993). Se houvesse um trem de passageiros hoje entre São Paulo e Curitiba que seguisse a linha atual, ele teria de passar por uma variante construída entre Itapeva e Ponta Grossa nos anos 1970.

Na verdade, a razão oficial para a extinção do trem na linha de 1909 foi a queda de uma ponte em Itararé, em 1976. A partir daí, até se podia ir de trem a Curitiba, mas a volta era imensa, via Ourinhos. Isto, de qualquer forma, foi possível até junho de 1979, quando os trens foram extintos.

Não é à toa que Curitiba cresceu em velocidade muito maior somente após a abertura da Regis Bittencourt, 55 anos atrás. Somente aí a cidade passou a fazer parte de uma estrada realmente - no caso, de asfalto. Na ferrovia, era não era muito mais do que um ramal, mesmo sendo a capital e local de passagem de trens para o principal porto do Estado.

Mas e se a ferrovia, tal como ela era em 1976, tivesse mantido os seus trens de passageiros até hoje? Lembrar que o trecho entre Ponta Grossa e Curitiba foi retificado em 1966 e 1978, portanto, depois do fim dos trens para São Paulo. Lembremo-nos também que a linha problemática entre Itararé e Jaguariaíva (98 quilômetros de linha para 48 quilômetros de rodovia entre as duas) foi reformulada em metade desse trecho em 1964. A outra metade, entre Fábio Rego e Itararé, apesar de ter sido projetada, nunca foi realizada. Essas duas melhorias reduziram a distância, mas, quanto? Cinquenta, sessenta quilômetros? Pouco para os 830 quilômetros, que representam hoje o dobro da distância percorrida por automóveis na rodovia BR-116.

Enfim, se o percurso, com as modificações citadas e apenas ela, tivessem, por algum capricho, sido mantido, seria ele utilizado para viagens entre as duas capitais? Difícil. O mais provável seria que os passageiros fizessem pequenos percursos, como em trens regionais. Quais são as cidades que, hoje, seriam candidatas a terem bastante movimento?

Considerando obviamente que os trens da CPTM seriam independentes de um trem São Paulo-Curitiba, vamos supor que esse trem saísse da estação de Julio Prestes (ou da Barra Funda). Daí, parasse em estações que pudessem apresentar bom movimento. Então, eu sugeriria Osasco, Barueri, São Roque, Mairinque, talvez Alumínio e Sorocaba. Daí em diante: Tatuí, Itapetininga, Itapeva e Itararé. Já no Paraná, Jaguariaíva, Castro, Carambeí e Ponta Grossa. Daí até Curitiba, somente Palmeira, Balsa Nova e Araucária, para dali alcançar Curitiba.

Enfim, os 830 (talvez 760) quilômetros seriam percorridos por passageiros que iriam de uma cidade a outra e também pelos que se dirigiam aos dois extremos da linha. Afinal, fazer 830 quilômetros de uma vez tendo aviões e carros à disposição em, respectivamente, 40 minutos e cinco horas seria coisa para aventureiros. Bom para se fazer uma vez a cada cinco anos.

A conclusão é que trens estas duas capitais não seriam viáveis hoje, a não ser que se construísse uma linha totalmente nova e bem mais curta, capaz de transportar comboios que pudessem correr a pelo menos duzentos quilômetros por hora. Possível é. O difícil é convencer os governos de visão curta que continuamos tendo, apesar dos seguidos tombos que temos sido obrigados a sofrer desde sempre.

domingo, 18 de janeiro de 2015

A DESTRUIÇÃO DAS FERROVIAS EM RIO CLARO, SP

Avenida Brasil, Rio Claro, em 15/1/2015. Ao fundo, sentido São Paulo. Atrás do fotógrafo (eu), sentido Analãndia. Os trilhos do progresso viraram um caminho abandonado para bicicletas
.

Desculpem-me meus fieis leitores (Se é que os tenho), mas volto a explicar que escrever um artigo não criticando as ferrovias brasileiras é muito difícil. Por isso, aí vai mais um.

Três dias em Rio Claro nesta semana levaram-me a tirar três fotografias que ilustram as decadentíssimas ferrovias na cidade paulista de Rio Claro.

É certo que a estação central ainda está de pé, externamente em boas condições. Porém, ficou anos no semi-abandono até ser transformada em estação... rodoviária. Para ônibus dentro da cidade e nãi intermunicipais.

Mais longe da cidade, as estações de Batovi e Itapé continuam em pé, sem trilhos (Eram da linha de 1916 desativada em 1980), Ajapi (antigo Morro Grande, é residência e mal pode ser vista da estrada por ter uma enorme fila de árvores encobrindo-a) e Ferraz está no "bico do corvo". Guanabara, a Rio Claro-nova, que funcionou muito pouco como embarque e desembarque de passageiros, não serve para nada, apenas o pátio é usado para manobras e como depósito de sucatas de vagões.

Acima, a linha vermelha mostra a linha de 1976; a cor-de-rosa, a de 1884; a amarela, de 1916 e a azul, a de 1884, no trecho que foi retirado por volta de 2008.
O mapa tirado do Google Maps mostra como estão as linhas e ex-linhas do município. De cada uma das três linhas que o município teve, tirei uma fotografia de cada uma (precisava mais?) para se ter uma ideia das mesmas.

A foto do topo do artigo mostra o local da linha métrica que funcionou de 1884 a 1966. Foi essa linha
(arrancada em 1966 mesmo) que deu origem à estrada de ferro na cidade, instalada que foi pela Cia. Rio Clarense Estradas de Ferro. Ligava Rio Claro, em bitola métrica, a Araraquara, com um ramal para Jaú. Esse sistema de linhas foi vendido para a Rio Claro Railway, uma empresa inglesa com ligações com a SPR (São Paulo Railway) em 1889 para que o Conde do Pinhal, acionista principal, pudesse levantar dinheiro através de um banco que ele fundou nesse mesmo ano para financiar o pagamento dos empregados de sua fazenda, pois os escravos haviam sido liberados no ano anterior (Lei Aurea de 1888).

A primeira linha que havia sido construída na cidade, no entanto, funciona até hoje. Aberta em 1875, liga Santa Gertrudes (vindo de São Paulo) às oficinas de Rio Claro, no centro da cidade, na avenida 8. A ALL ainda usa as oficinas.
Junto à rua M15, no norte da cidade, uma ponte sem trilhos e com dormentes podres é o que resta da linha entre Rio Claro-nova e Batovi, construída em 1916 e desativada por volta de 1908
.

Em 1892, a Cia. Paulista de Estradas de Ferro comprou a RCR e passou a operar a lin ha Jundiaí-Araraquara com baldeação de passageiros e cargas na estação de Rio Claro, devido à fiferença de bitola das duas ferrovias.

Em 1916, a Paulista alargou e retificou a linha da Rio Clarense (de métrica para larga, 1,60 m), mantendo, no entanto, a métrica com o nome de ramal de Anápolis (antigo nome de Analândia), por onde a linha passava. O trem da métrica continuou usando a linha antiga, que, a partir da estação de Visconde do Rio Claro (aquela, que se vê até hoje à margem esquerda da Rodovia Washington Luiz, mais ou menos em seu quilômetro 210), passava a correr paralela à linha de bitola larga até a cidade de São Carlos, onde acabava - a linha até Araraquara foi eliminada, substituída pela da Paulista de bitola larga.

Em 1941, o trecho que ligava a estação de Anápolis a Visconde do Rio Claro foi retirado, pois era por demais acidentado, mesmo tendo sofrido retificações e melhorias em 1916. O trem da métrica passou a seguir num "bate-volta" de Rio Claro a Analândia somente.
ACIMA: A linha de 1976, construída pela FEPASA. Para a direita, o cargueiro da ALL segue para São Paulo. Para a direita, a linha dirige-se a Guanabara e a São Carlos. Este cruzamento sobre a Washington Luiz está ainda no município de Santa Gertrudes, e a foto foi tirada por mim da divisa de Rio Claro, em 13/1/2015
.

Quanto à linha de 1916, a Paulista, entre Rio Claro e São Visconde do Rio Claro, refê-la em outro traçado bem diferente da antiga, passando agora à esquerda do que hoje é a pista da rodovia Washington Luiz. Novas estações foram construídas com nomes diferentes das que estavam na linha antiga, devido à distância: Batovi, Itapé, Graúba, Ubá, Itirapina e Visconde do Rio Claro, esta a única que, em outro local (o atual), substituiu a outra desativada. Era uma ferrovia mais plana. A estação de Colonia, útima antes de São Carlos, teve o nome alterado para Conde do Pinhal e passou a atender as duas linhas, tanto a métrica quanto a larga.

Em 1976, nova modificação: uma nova linha foi feita já pela FEPASA (mas projetada pela Cia. Paulista) entre a estação de Santa Gertrudes (antes de Rio Claro para quem vem de São Paulo) e a de Itirapina. Com isso, manteve a linha velha que passava por Rio Claro entre a bifurcação logo após a estação de Santa Gertrudes e a união das duas próximo a Batovi, para que os trens de passageiros pudessem utilizar a estação de Rio Claro-velha (muito melhor do que a nova, que era praticamente uma plataforma com cobertura) e também as oficinas do pátio de Rio Claro.

Finalmente, por volta 2008 (realmente, não me lembro em que ano ocorreu), os trilhos entre as oficinas (ao lado da estação, após esta para quem vem de São Paulo) foram arrancados, transformando Santa Gertrudes a Rio Claro em um simples ramal: o ramal das oficinas.

Com tudo isto, a cidade perdeu muito. Enquanto São Carlos, Araraquara cresceram muito, Rio Claro ficou meio que estagnada por um tempo. A avenida por onde passavam os trilhos do ramal de Analândia é hoje chamada de Avenida Brasil. O canteiro central é realmente largo, mas mal cuidado, com exceção de pequenos trechos. Parece que retiraram os trilhos ontem e não há quarenta e nova anos. Uma enorme faixa abandonada, tendo no centro uma faixa para bicicletas, exatamente onde passava a linha singela dos trilhos da velha Rio Clarense. A área, que devia ser coberta de mata ou de fazendas e sítios na época da extinção do ramal, hoje é chamada de Distrito Industrial.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

SUCURI, SÃO SIMÃO, SÃO PAULO

A estação em 1910. Autor desconhecido
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A hoje decadente cidade de São Simão já foi uma cidade com relativa importância no nosso Estado. Sempre ouvi falar dela, desde menino, pois meu tio Antonio Siqueira de Abreu, o "tio Siqueira" (até a esposa dele, Angélica, minha tia-avó, o chamava de Siqueira) era de lá.

Chegou a ser prefeito da cidade, por volta de 1935-36.

A cidade era entroncamento de linhas da Mogiana. Da estação, uma construção típica dessa ferrovia no estilo do início do século XX, tijolinhos, telhado de duas águas, ventilação redonda nas altas laterais... eram duas construções muito parecidas, até em tamanho; uma era a estação de passageiros, outra era o armazém. É possível que essa estação não tenha sido a original, que foi inaugurada em 1882. As duas construções ainda existem, numa praça que passou a existir depois que eliminaram os trilhos e o pátio da linha-tronco da ferrovia que por ali passavam, em 1971.

O motivo da eliminação dos trilhos foi a construção da variante Tambaú-Bento Quirino, que mudou a linha-tronco da parte alta da cidade, onde estava a estação, para a parte mais baixa, ao longo da rodovia que vem de Santa Rosa do Viterbo. A estação aberta em 1971 (São Simão-nova) tem um estilo bem mais simples, como as que a Mogiana construiu nessa variante. Também esta está lá ainda.

Da estação velha saía também o ramal de Jataí, que era uma espécie de variante entre São Simão e Ribeirão Preto e que passava por Guatapará, para evitar o "ataque" da linha da Paulista que também servia Guatapará - na época, um pequeno bairro rural pertencente a Ribeirão Preto. De 1910 a 1961 essa linha funcionou. Em 1961 foi arrancada e partiu a existir apenas a linha Guatapará-Ribeirão Preto, que funcionou aé 1976 e também foi "para o saco".

Um pouco mais à frente, existia um bairro de São Simão, Bento Quirino, também na linha-tronco e que servia de sede e de saída para a linha principal da E. F. São Paulo a Minas. Isto, entre 1902 e 1968.

A importância relativa da cidade de São Simão não é hoje nem sombra da importância que tinha na virada do século XIX para o XX. Um dos motivos foi o extraordinário crescimento da ciade de Ribeirão Preto, muito próxima a ela, ofuscando o progresso das cidades vizinhas. A decadência da ferrovia, de que São Simão dependia muito (afinal, eram três linhas de duas diferentes empresas que se juntavam na cidade), tornou-a uma cidade que, hoje, tem apenas cerca de 15 mil habitantes.
A estação que conheci em 1998. Foto de minha autoria
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Mas e Sucuri? Não sei por que me veio à cabeça esta simpática estaçãozinha no dia de hoje. Esta era uma estação que ficava no município, junto a um eucaliptal que fica onde anteriormente havia uma grande fazenda de café, entre Tambaú e a cidade de São Simão. Visitei esta estaçãozinha apenas uma vez, em 1999. Já não tinha os trilhos, como São Simão-velha, desde 1971. Não foi fácil chegar a ela, fui com um senhor que encontrei em um posto de gasolina em São Simão. Nela encontrei uma senhora muito simpática que nela morava e cuidava do prédio, ainda pouco descaracterizado, como podia. O nome dela era Matilde Frauche Mamana. Anos depois, em 2008, um anúncio num jornal local anunciava que a velha estação estava 'a venda. O que teria acontecido com dona Matilde?

E o nome Sucuri? Possivelmente derivado do nome de uma fazenda ou de um córrego no local. E provavelmente a quantidade de sucuris, um tipo de cobra, como sabemos, era grande antigamente - talvez ainda existam por lá, já que o local foi vendido e serve de moradia, com várias descaracterizações - mas continua com muita mata em volta.

Sucuri tem história. Contam os simonenses que durante a Revolução Constitucionalista de 1932 os trens da Mgiana que partiam de Campinas pela linha-tronco paravam em Sucuri, sem prosseguir adiante. Isso fazia que os simonenses fossem à estação constantemente para obter notícias da revolução, bem como para usar o telégrafo. Afinal, a cidade havia sido invadida por mineiros, utilizando-se da E. F. São Paulo-Minas.

Também me vêm 'a cabeça que o trisavô e xará de meu cunhado, Andreas Schmidt, ali parou em 1901 numa de suas viagens de trem pelo interior ainda semi-virgem de São Paulo. Andreas, o velho alemão, havia sido o construtor da estação ferroviária original de Valença, no Rio de Janeiro, e nesta época já estava morando em Rio Claro, onde trabalhava como diretor e acionista da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Morreu em 1910.

sábado, 11 de outubro de 2014

TRENS E GATOS NA VELHA PORTO FERREIRA

A estação em 1916. Foto Filemon Peres
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Minha avó Maria nasceu em Porto Ferreira no ano da graça de 1894. Treze anos e meio depois da chegada da Companhia Paulista à cidade e basicamente o mesmo tempo de sua fundação.

Contava ela para seus filhos, que nasceram todos em São Paulo (com exceção da primeira, que morreu com seis anos de idade), que, quando ela ia para a Escola Normal de Pirassununga, onde estudou por volta de 1912 a 1914, ia à noite.

Todos os finais de tarde, ela tomava o trem da Paulista na estação e descia na estação de Pirassununga, de onde caminhava por cerca de dez a quinze minutos até a escola.

E todas as noites, quando ela voltava da escola no trem, este apitava na curva que existe logo após a curva sobre o riacho Santa Rosa, antes de chegar à estação.

Seu gato ouvia o apito e chegava à estação para esperá-la e voltar ao seu lado até sua casa, que ficava a cerca de quatro quarteirões.
A estação em 2010. Foto Carlos R. Almeida
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Histórias que não se ouvem mais, por motivos óbvios, pelo menos neste país que detesta o mais lindo e agradável de todos os transportes: o trem.

Vovó morreu em 1987. A estação fechou para passageiros em 1976. Esta ainda está de pé com funções que nada têm a ver com a ferrovia. Os trilhos foram arrancados em 1997.