segunda-feira, 7 de março de 2016

SANTO ANASTÁCIO, SP: A SOROCABANA NOS PRIMÓRDIOS DO OESTE PAULISTA

O antigo poder da cidade, a estação ferroviária, está abandonada. Seu pátio virou pasto. A Sorocabana há muito não passa mais lá. A população atual não chega a 22.000 almas. (Foto Adriano Martins)

Eu realmente não sei muito sobre Assis Cintra. Sei que escreveu livros e foi historiador. No meio de suas histórias, há uma que foi publicada no jornal Folha da Manhã em março de 1928, versando sobre a cidade de Santo Anastácio, na Alta Sorocabana dos anos 1920.

A estação e a cidade - na construção chamada curiosamente de "Vai-Vem" - ficaram prontas em julho do já distante ano de 1920. Quase cem anos atrás.

Assis Cintra não coloca claramente a que ano se refere seu relato. A verdade é que essas cidades que nasceram com a ferrovia no sertão paulista no início do século XX cresciam muito rápido. Em 1925, cinco anos depois de sua fundação, Santo Anastácio já era município. O texto de Assis Cintra é de 1928, então... vejamos o que ele escreve, em português vigente na época:

Bocca do Sertão - Eu já ouvira falar muitas vezes naquella cidadezinha plantada na bocca do sertão paulista, defronte de Matto Grosso, cujas terras tinham a grande arteria fluvial que é o rio Paraná. Olhei para o mappa do Estado e vi um pontinho negro, já no fim da Estrada de Ferro Sorocabana, com a legenda de Santo Anastacio, distante quase mil kilometros ou quasi duzentas leguas da capital do Estado. 

Curioso e cheio de ansiedade por conhecer o sertão bruto e inhospito, resolvi aventurar-me nessa investida para o desconhecido. Resolvi e fui. Pelo nocturno tomei o rumo das barrancas do Paraná. O trem resfolegou durante a noite toda e em Bernardino (de Campos) accordei com o sol já quente. O trem da Sorocabana, naquelle vagão que corria a solavancos, continuou a sua carreira, sempre resfolegando e assim foi pelo dia a fóra. Já era noite fechada quando o chefe, de "bonnet" trombudo, uma voz fanhosa de gramophone, annunciou o meu ponto de chegada: Santo Anastacio.

Desci e em frente á estação obtive o agasalho num hotel de roça, dirigida por uma viuva hespanhola, acolytada por duas filhas moças, morenas do sertão, olhos grandes de languidez de rolas.

- Um quarto, por favor?
- Pois não. De-lhe o nro. 3, Didi.
E fui para o nro. 3.

Com uma noite e um dia inteiro de viagem, o somno foi de pedra. No dia seguinte pude apreciar aquelle amontoado de casas de madeiras, com pretenções de cidade. 

O casarão, encardido, dava um aspecto funebre ao local. Procurei a matriz da cidade. Era uma cazinhola de madeira, com uma cruzinha no tope. No maximo, 10 ou 50 pessoas caberiam naquillo que tinha a pretenção de tempo catholico.

Circumdando essa casita de tabuas, onde se realiza de vez em quando o sacrificio da noite dominical por um sacerdote de fóra, pois Santo Anastacio não tem parocho. Vi um vasto capinzal, entremeado de espinheiros, que tem o pomposo nome de Parque Municipal.

Dalli fui ver o cinema, lamentando que a Casa de Deus fosse um ranchinho insupportavel. Era o theatro Annastaciano um barracão escuro, com bancos bambos, parte residencia de familia, parte casa de diversão. Uma ou duas vezes por semana o povo vae rir ou chorar, conforme as fitas, nesse aborto architectonico que foi baptizado com a denominação de theatro de Santo Anastacio. 

Procurei em seguida a Camara, casa dos legisladores locaes. Uma cazinhola com duas portas e o majestoso distico em letras grandes: Governo Municipal.

Eram os palacios da cidade.

Restava-me ver os notaveis.

Primeiramente, fui apresentado ao Prefeito. (...)

O delegado, gordo e valente, decidido e sem temor, policia aquelle sertão com tres praças e um cabo. 

O meu cicerone mostrou-me um posto da cidade, dizendo-me que, alli, fôra encontrado de manhã o cadaver de um cidadão sem a orelha esquerda: 
- Sem orelha?
- Pois, não sabe? Aqui é assim. Enquanto o cabra estrebucha com azeitonas na barriga, já se lhe raspa a orelha que vai para lembrança no bolso do outro. 

Voltei ao hotel, engoli ás pressas um jantar e sacudi a poeira dos sapatos, como São Pedro ao forte de Roma. 

E aquillo era Santo Anastacio, sede da comarca, plantada na bocca de sertão da aguas do rio Paraná, que separam S. Paulo de Matto Grosso.

3 comentários:

  1. Sou anastaciano e minha avó, junto com minha bisa, vindas da Espanha anos antes e depois de passarem por Santa Adélia, em Santo Anastácio chegaram por volta de 1912, e dela não cansei de ouvir as histórias de quando lá chegou. A cidade, hoje, com seus 22.000 habitantes é tranquila, bonita e acolhedora. De trem, para lá viajei inúmeras vezes, enfrentando dezesseis horas de viagem a partir da Julio Prestes, em São Paulo. A sua estação, hoje quase pasto onde um dia foi o pátio, tem uma das arquiteturas mas bonitas da antiga Sorocabana. A cidade, nascida com a Sorocabana, a ela sobrevive, mas sem o mesmo charme.

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  2. A nossa familia por parte da bisavó Francisca Isabel chegou em Santo Anastácio em início de 1918,o e não em 1912. Em 1912, o nome Vai-vem nem existia... Mas achei muito interessante este relato pelo seu blog, meu caro Ralph Giesbrecht. Vou salvar o seu link em meus preferidos... obrigado. Parabéns... Sou morador de Santo Anastácio, aqui nascido em 1945, engenheiro metalurgista aposentado. A minha família é toda daqui, de Santo Anastácio, SP...

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  3. viajo com estas historia, nao entendo porque acabou isso tao lindo, infelismente nosso pais so tem coruptu

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