sábado, 20 de abril de 2013

MOGIANA: O DECLÍNIO DE UMA LENDA


Das grandes ferrovias paulistas, a primeira a entrar em coma antes da morte foi a Mogiana. O nome, que hoje é praticamente uma lenda, começou a esmorecer nos anos 1930 - não vou explicar aqui por que, pois já escrevi isto em outros artigos - até que, em 1952, os acionistas privados, depois de uma luta de mais de cinco anos, conseguiram finalmente o que queriam: vender suas ações para o governo paulista, de forma que ele ficasse com o abacaxi.

O governo ficou com uma empresa de ferro que estava espalhada por dois estados da federação, São Paulo e Minas Gerais, com inúmeros ramais partindo de sua linha-tronco com sérios problemas de manutenção, muitos já deficitários (por que muito curtos e por causa da queda do cultivo de café nas regiões em que ele servia), uma dívida imensa e com as estradas de rodagem, embora ainda precárias, cada vez mais se estendendo pelo interior paulista, o Triângulo Mineiro e o sudoeste de Minas.

Não que a Sorocabana e a Paulista, está já então a única grande ferrovia brasileira ainda privada, a E. F. Araraquara, a Noroeste e até a Santos a Jundiaí não tivessem seus problemas também. Alguns fatores externos afetavam a todas indistintamente. Porém, a Mogiana era a que estava em pior estado e já havia tempos.

O governo do Estado demorou a se mexer: em 1954, os salários dos ferroviários da ferrovia chegaram a ficar meses atrasados. Em 1956, sob o governo de Jânio Quadros, parece que finalmente notaram alguns problemas como os "ramais deficitários". Desativaram em junho os três ramais de bitola estreita (60 cm) que serviam à regiãi de Cravinhos e de Serra Negra e começaram imediatamente a falar em outros, como o Mococa-Canoas, o Guaxupé-Biguatinga e o Lagoa-Vargem Grande, todos, embora da mesma bitola do tronco, muito curtos e também certamente sem retorno.

O problema era que a Comissão Brasil-Estados Unidos, que atuou durante todos os anos 1950, na parte de ferrovias sempre afirmava que o melhor negócio era construir estradas de rodagem para substituir as linhas de trem deficitárias. Claro, os ramais curtos eram geralmente os piores: como toda linha ferroviária, viviam de cargas e não de passageiros (embora todas tivessem este transporte) e linhas curtas eram as que mais sofriam: com cargas não muito numerosas a essa altura, era mais barato enfiar tudo sobre um caminhãozinho e mandar ou para a estação-tronco ou, em alguns casos, direto para o porto!

Afinal de contas, a via Anhanguera, em 1956, já estava às portas de Ribeirão Preto, asfaltadinha... e a velha Mogiana cheia de curvas, querendo mas não tendo dinheiro para fazer as retificações e modernização necessária, perdia mais e mais cargas - em 1956, a única obra completa era o trecho Campinas-Jaguariuna (1945) e apenas parte da variante Lagoa-Tambaú. Além, claro, da concorrência da Companhia Paulista, mais rica, com trens mais rápidos e que podia ser atingida pelos fazendeiros levando as cargas de caminhão para as estações da região de Guatapará, Pitangueiras e outras, não muito distantes da região mais rica da Mogiana, que era Ribeirão Preto.

Quem se prejudicava era sempre os passageiros. Fechando uma linha, não havia mais transporte. As estradas a ser contruídas para substituir as linhas nem sempre vinham rápido. Em alguns casos, não vieram nunca. E, depois, não se avaliava exatamente o que significava o termo "deficitário": nem se pensava em reinvestir em linhas que não fizessem parte do tronco principal, nem em tentar pelo menos vendê-las para a iniciativa privada. E uma ferrovia era sempre deficitária analisada somente como tal - mas jamais se discutia o prejuízo que seria causado a todo o entrono da linha, a cidades e fazendas que dependiam dela para o transporte. Houve muitos casos pelo Brasil de linhas fechadas que causaram sérios problemas a diversas regiões, algumas das quais não se recuperaram até hoje.

Uma notícia publicada no jornal Folha da Manhã de dezembro de 1956 mostrava uma situação negra para a Mogiana e o anúncio de investimentos (afinal!) nas linhas. Bem, a quantidade de carga (tonelagem) praticamente não aumentara desde o ano de 1945 na Mogiana, bem como o lucro diminuía ano a ano até atingir deficits crescentes a partir de 1950 (numa tentativa dos acionistas de forçar a estatização, talvez?).

Além do mais, deve-se sempre notar que jornais têm em geral apenas uma versão resumida do problema relatado - e as fontes nem sempre são tão boas quanto pensamos. Além do mais, pelo menos nos anos 1940 e 1950, as notícias publicadas na Folha da Manhã sempre tinham um tom de, digamos, antipatia pela ferrovia, ao contrário das notícias com relação à Companhia Paulista, sempre com um tom bem mais otimista.

Na reportagem de 1956, foram dadas três sugestões para colocar a Mogiana novamente "nos trilhos". A primeira era exatamente o investimento do reaparelhamento das linhas e material de tração. Claro. A segunda, o auxílio da Companhia Paulista (a concorrente privada!) pelo desvio do tráfego da Mogiana por uma ligação a ser construída entre Ribeirão Preto e a estação de Barrinha (no tronco da Paulista), para que os trens da Mogiana pudessem ser de bitola larga e aproveitassem a melhor linha eletrificada da Paulista para levar suas cargas a Santos, abandonando o tráfego pela linha do seu tronco métrico. As baldeações passariam a ser feitas em Ribeirão Preto então mais em Campinas. Enquanto a Paulista já falava em construir essa ligação desde os anos 1940, realizar essa sugestão era como entregar à raposa a manutenção do galinheiro. Seria o fim da Mogiana.

Teria sido esta segunda sugestão uma tentativa do governo de repassar o abacaxi para a iniciativa privada, ou seja, a Paulista?

A terceira sugestão foi exatamente isso: que se acabasse com a Mogiana, desmembrando-a entre a Sorocabana estatal e a Paulista privada. Era, pelo menos, mais sincera. E se bem feita, seria, no final, a constituição de uma FEPASA quinze anos antes do seu ano de efetivação. O problema era que a Paulista não era do governo e funcionava muito bem - melhor que a Sorocabana. Os engenheiros que propunham todas estas sugestões ainda colocavam que o início das obras da variante Bento Quirino-Entroncamento seria "logicamente" adiado até que se decidisse pela solução a ser adotada. Ou seja, esta variante, uma das mais importantes do trecho, já planejada havia anos, teria de ter seu início postergado mais ainda (em tempo: esta variante ficou pronta somente em 1965).

No fim das contas, nada aconteceu, as variantes foram construídas uma após a outra, com enormes atrasos, sendo que uma delas, a Mato Seco-Lagoa, jamais foi feita; apenas uma ou outra pequena retificação pontual foram efetivamente realizadas nesse trecho, que é o que passa ainda hoje pelo centro da cidade de Aguaí.

É assim, cheio de surpresas e besteiras, que se conta a triste história das ferrovias brasileiras. Nossos dirigentes, apesar deste caso e de inúmeros outros, e com as desastradas "ascenções e quedas da FEPASA e RFFSA, não aprenderam até hoje. Basta ler os jornais dos últimos cindo-dez anos para ver o quanto (não) cresceu a quilometragem ferroviária deste país sem infraestrutura.

2 comentários:

  1. Um comentário meu: Na verdade, não fiu muito claro no "a primeira a entrar em coma": na verdade, a "primeira a entrar em coma e não se recuperar". A Sorocabana e a EFA faliram antes (anos 1900 e 1910 respectivamente), mas se recuperaram nas mãos do governo (outros tempos, não?). Depois caíram. A CM começou realmente com o abacaxi no emprestimo em libras para fazer a linha do litoral e que acabou gastando com diversos ramais perto e em Minas, nos anos 1910, já que a linha do mar não sairia mesmo. A CM melhorou um pouco a situação nos anos 1960, mas não de forma a conseguir salvar o pescoço.

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  2. Estadão de 03.10.1967:

    http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19671003-28366-nac-0006-999-6-not

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