domingo, 12 de agosto de 2012

O DESCASO CENTENÁRIO DE UM RAMAL DA SOROCABANA

Piracicaba, anos 1960: trilhos do ramal da Sorocabana e a avenida Salles Oliveira na época (autor desconhecido)

Provavelmente a grande maioria dos paulistas que hoje estão vivos jamais ouviram falar do ramal de Piracicaba, da Sorocabana... e originalmente da Ytuana. Nem, provavelmente, querem nem saber se ele existiu ou não. Mas a verdade é que existiu e durante mais de cem anos transportou o progresso para a região de Indaiatuba, Capivari, Piraciaba e São Pedro.

Neste ano da graça de 2012 ele estaria, se estivesse "vivo", completando 139 anos que seus trilhos chegaram a Indaiatuba, 135 anos em Piracicaba e 120 anos a São Pedro. A linha foi construída pela Ytuana a partir da estação de Itaici (esta, na linha que ligava Jundiaí a Itu e aberta em 1872/3) para, quando completada, chegasse à cidade de São Pedro, hoje uma das cidades turísticas do Estado.

Porém, desde o início, o ramal recebia reclamações de seus usuários, tanto como passageiros ou como empresas e fazendas que se utilizavam de seus cargueiros. A Ytuana, que sobreviveu até 1892, ano em que foi encampada pela Sorocabana formando a também deficitária CUSY (Cia. União Sorocabana e Ytuana) - e em 1905 desapareceu como nome, tendo se constituído a "nova" E. F. Sorocabana agora em mãos do governo paulista - já vivia em problemas financeiros e cuidava mal de suas linhas, o que refletia na manutenção da linha e do patrimônio imobiliário do ramal.

Já se acham inúmeras reclamações, por exemplo, provindas da Piracicaba do início dos anos 1880, com relação à estação de Piracicaba, que não ficava onde hoje se situa (o prédio é terminal de ônibus urbanos da cidade, e que se não a confunda com a estação de Piracicaba da Cia. Paulista, noutro local), mas sim no Bairro Alto. A estação era mal cuidada, com péssima iluminação e maus serviços. Disso resultou, já em 1885, a sua mudança para o que é hoje a avenida Armando de Salles Oliveira, via que substituiu os trilhos do ramal dentro da cidade, às margens do córrego Itapeva, hoje canalizado.

Com o correr do tempo, as reclamações, facilmente encontradas na imprensa da época, foram se sucedendo, de forma a que, já em 1901, a Cia. Paulista anunciasse a imediata construção de um ramal que, saindo de Limeira, deveria alcançar a cidade, linha esta que seria financiada pela prefeitura de Piracicaba. Por motivos que não vêm ao caso, a linha não foi construída.

Nos anos 1910, meu avô, que era piracicabano e que nessa época ia muito à cidade para visitar os pais, recusava-se a usar o ramal, recorrendo ele aos trens da Paulista, descendo em Limeira e tomando troleis para ir e voltar da cidade até a estação. Em 1917, no entanto, o acordo com a prefeitura de Piracicaba foi retomado e um ramal saindo agora de Nova Odessa (do posto telegráfico de Recanto) chegou a Santa Bárbara (d'Oeste, hoje). Em 1922, os seus trilhos chegaram a Piracicaba. Ramal de bitola larga, construído com o "padrão Paulista", tinha também uma estação moderna e somente sua, embora mais longe do centro, no final da rua da Boa Morte.

Uma queixa de 1945 mostra como um ramal com problemas de descaso causava prejuízos à própria Sorocabana: a cidade de Rio das Pedras reclamava que as cargas da região não eram embarcadas na sua estação por falta de vagões. Em vez disso, acabavam sendo embarcadas na estação de Taquaral, no ramal da Paulista, sete quilômetros mais longe.

Em 1976, acabou o transporte de passageiros no ramal e, em fevereiro de 1977, no do ramal da Paulista. As cargas transportadas foram se reduzindo cada vez mais, com a ineficiência da FEPASA, já dona dos dois e também pelo fato de serem ramais relativamente curtos, especialmente o melhor deles, da Paulista.

No final dos anos 1980, a FEPASA resolveu unir os dois ramais em Piracicaba, provavelmente para usar somente uns. O pátio da antiga Sorocabana foi ligado ao da Paulista por uma linha de bitola larga (os dois ramais tinham bitolas diferentes, como vimos) para liberar e desativar de vez o ramal da Sorocabana. Dinheiro jogado fora: o ramal mais antigo foi erradicado em 1991 e os dois ramais praticamente já não transportavam mais coisa alguma.

Piracicaba, que já possuiu duas estações de duas ferrovias diferentes, hoje têm apenas os prédios com outros usos. Quando estive na cidade em 1996 (portanto, 16 anos atrás) procurando fotografar as duas - e eu não sabia onde eram, realmente - perguntei a uma guarda de trânsito onde era a estação. Sua reposta foi a seguinte: mas já houve trens aqui na cidade?

Apesar de todas as deficiências, o ramal tinha algumas estações bastante significativas em termos de arquitetura. Os três maiores exemplos, ainda em pé, são as de Piracicaba, hoje terminal (art-noveau finalizada em 1944), a de Indaiatuba (no estilo das dez estações construídas em 1911 pela Sorocabana em diferentes linhas, muito bonita) e a de Capivari, de 1918, certamente a mais bonita de todas.

3 comentários:

  1. Uma pena pelo descaso.

    E, mais uma vez, parabéns pelo site! Muito bem informativo, uma pérola!

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  2. O ramal Paulista, tão desejado e preferido no passado, durou menos que o da Sorocabana. Até a história de Piracicaba privilegia o ramal da Paulista. É difícil encontrar fotos, textos e outras informações mais detalhadas da Sorocabana em Piracicaba. Vestígios do antigo leito, até nas imagens do Google Earth, são poucos. E Piracicaba, que detestava a referência de "fim de linha", ficou sem linha alguma. Só nos mapas os ramais ainda existem. Nova ferrovia? Só em projetos de expansão da Hidrovia Tietê-Paraná, daqui a "alguns anos", mas não nessa vida...

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  3. Meus parabéns pelo site!!!
    Jamais pensei em encontrar tamanha informação sobre as ferrovias como encontrei aqui.
    Espero que continue com o seu belíssimo trabalho!

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