segunda-feira, 15 de novembro de 2010

LUXO NO PARQUE DOM PEDRO II

Ralph M. Giesbrecht - 27/7/2010

Há alguns meses atrás, fui à rua 25 de Março para comprar uns badulaques. A loja estava perto daquela praça grande que fica perto do final da zona comercial daquela rua. Ragueb Chohfi, creio, é seu nome. Na esquina, um belo prédio de 5 andares mais o térreo. Estilo bem típico dos anos 1920 e 30. Não prestei atenção no nome do prédio. Estava (ainda está) em estado ruim por fora. Por dentro, nem tenho ideia de como possa estar. É, ou foi, pelo jeitão, um prédio de apartamentos. Hoje, não sei. No térreo, lojas - acho que sempre foram lojas ali. Eu tirei algumas fotografias naquele dia: uma delas está acima.

Fico sempre curioso de saber a historia desses edificios. Não sou nem um pouco fã de prédios de apartamentos, mas assim, antigão, bonito, só 5 andares, dá para engolir bem. Prédios assim não matam uma cidade. O problema de gente que pesquisa a história como eu é que não há tempo para se pesquisar tudo o que se quer. É muita coisa. As descobertas muitas vezes vêm por acaso. Na época, perguntei para o Douglas Nascimento se ele conhecia o prédio. Ele disse que sim (claro) e me disse o nome. Era um nome "turco". Não guardei.

O Estado de S. Paulo - 2/2/1930

Há umas duas semanas, no entanto, o acaso começou a acontecer. O jornal O Estado de S. Paulo do dia 2 de fevereiro de 1930 publicou um anúncio sobre o prédio, que foi construído e estava sendo lançado para venda de seus apartamentos. O anúncio, reproduzido logo acima, saiu no blog "reclames do Estadão".

Naquele tempo - 1930 -, quem tinha dinheiro bancava sua própria construção, tornava-se, claro, dono de todos os apartamentos e depois os alugava. Era mais difícil vender. As vendas desses apartamentos geralmente somente ocorriam anos mais tarde, quando algum herdeiro queria ou precisava dispor do imóvel.

O anúncio dizia: Situado no ponto mais central da cidade a três minutos apenas da Rua 15 de Novembro. De todas as dependências deste majestoso prédio se descortina um magnífico panorama, dominando-se inteiramente o incomparável Parque D. Pedro II, o maior logradouro do Brasil. Edificado em lugar saudável, banhado pelo sol durante o dia inteiro, e onde se respira ar puro, está naturalmente indicado para moradia das pessoas de bom gosto de todas as classes, particularmente ao pessoal do comércio, que nos seus amplos e confortáveis apartamentos vão encontrar os elementos necessários para sua instalação em condições favorabilíssimas.

Atualmente, no entanto, a situação ali é totalmente diferente. Continua a três minutos da rua 15 de Novembro a pé, mas quem quer ir nessa rua hoje em dia? O Parque Dom Pedro II continua incomparável, sim, mas na feiura, arrasado que foi pelos viadutos e terminais de ônibus nos anos 1970. O prédio até continua banhado pelo sol - não se construíram outros edifícios altos em torno dele, mas o ar está longe de ser puro, pela quantidade de veículos que por ali passam. E as pessoas de bom gosto somente vão se mudar para esse prédio se ele for totalmente reformado por dentro. Enfim, o caos, oitenta anos depois.

E, finalmente, hoje o acaso se completou. Procurando um documento para algo completamente diferente nos arquivos de meu avô, encontrei uma carta em que ele e sua esposa Maria tornaram-se fiadores do Sr. João Câmara - nunca ouvi falar dele - num apartamento que este estava alugando no Palacete Nacim Schoueri - este era o nome do prédio. A carta estava datada do dia 30 de dezembro de 1930.

Nessa carta havia uma cópia do recibo de entrega do imóvel ao Sr. João: O abaixoassignado Inquilino do appartamento no. 33 do predio no. 97 da avenida Exterior de propriedade do Sr. Nacim Schoueri declara que lhe entregue dito appartamento em perfeita ordem e precisamente: Existem e funcionam sem defeitos, uma bacia de latrina com tampa e caixa de descarga - um lavatorio de louça - um banheiro - um aquecedor a gaz - uma pia de cozinha com pedra de marmore e um fogão a gaz. Os ralos não estão entupidos e todas as torneiras e registros se acham em boas condições. Todos os abat-jours, globos e a instalação completa pertencem ao proprietário. As portas e janellas tem fechaduras, maçanetas e cremonas sem defeitos; não tem vidros quebrados. A pintura das paredes e esquadrias não estão manchadas. Declara tambem que lhe foram entregues duas chaves da porta de entrada do apartamento assim como todas as chaves das portas internas e bem assim uma chave do portão de entrada da rua.

Acervo Ralph M. Giesbrecht

Havia dois recibos de pagamento do apartamento, do ano de 1931, anexos a esses documentos de meu avô. Um deles está reproduzido acima. O recibo tem uma foto do prédio. Que eu tenha conhecimento, nunca houve problemas com essa fiança.

15 comentários:

  1. Que história interessante! Seu avô tinha um grande coração,ou esse sr. João era um poço de virtude indiscutível, para merecer a fiança. Ou ambos. Há anos torço para que esse prédio seja recuperado. Ele é maravilhoso. Nasci ali pertinho, na r. 25 de Março 171, um prédio também interessante, talvez da década de 1940. Prédio Alice, chama-se. Quando nasci, em 1963, ele era ocupado por imigrantes libaneses, japoneses, armênios. Hoje está bem deteriorado, mas não cortiçado. Falei com o zelador, peguei o fone do proprietário,numa primeira tentativa não consegui contato. Vou tentar de novo. Um dia o Parque Dom Pedro volta a ser o que era até a década de 1970. Valeu.

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    1. Antigamente as pessoas tinham palavra, podia-se confiar. E as pessoas tinham, realmente, bom coração.

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  2. Luiz Carlos

    Além das misérias que você relata sobre a região do Parque D.Pedro existe um agravante:
    a região está totalmente tomada por indigentes e viciados em crack. Ao contrario do ZNna Linha acima, não acredito que haja a mais pálida possibilidade de recuperação da area.
    Muito ao contario , piorará.

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  3. Olá,

    Muito legal saber essa história. Atualmente eu moro no quinto andar desse palacete (primeira janela a esqueda na foto). Adoro morar aqui. É um prédio magnifico apesar de carecer de reforma da fachada.

    Se você tiver mais informações ou fotos por favor me envie.

    abcs

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    1. Ricardo Murad, ainda mora no prédio?
      Por favor, gostaria de entrar em contato.
      Neuza
      dineuza@gmail.com

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  4. Caro Ricardo: obrigado, mas eu reverto a pergunta para você, já que o máximo de informações que conseguimos foi o que está no blog! Não conheces ninguÉm aí que já esteja no prédio há bastante tempo? Se sim, pode nos dizer? Gostariamos mesmo de ter mais informações sobre a história dele.

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  5. Olá Ralph,

    Não tenho entrado muito. Mas vou me informar com o síndico e te falo. Vou postar umas fotos que tirei também.

    abcs

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  6. Obrigado, Ricardo, gostaria mesmo de conversar com alguem e ver as fotos. Aguardo.

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  7. Nessa imagem pode-se notar o quão valorizado deveria ser o prédio já que ele tinha vista pra uma das áreas mais simpaticas do parque, a fonte e a ponte!
    http://4.bp.blogspot.com/-xUCMqYDLq3U/TeugKLmnJBI/AAAAAAAAAGc/sHFU3aTwdbY/s1600/panorama%252520de%252520SP%252520visto%252520do%252520parque%252520dom%252520pedro.jpg

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  8. Amo este prédio! Ele tem uma arquitetura magnifica que não existe mais. Sou louca pra conhece-lo por dentro!!

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    1. passo la todo dia fico admirando ele escultura bélisssa

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  9. Estava fuçando no Google Maps e achei por acaso este prédio. Fiquei impressionado com a beleza dele (mesmo neste péssimo estado de conservação). Pesquisei sobre ele e cai aqui. Parabéns pelo post. Traz um pouco da história da nossa cidade.

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  10. Minha primeira lembrança da infância é de estar sentado sobre um gigantesco pedaço de papel com um lápis na mão. O papel vem de enormes rolos usados para embrulhar as cortinas produzidas por mulheres que conversam animadamente apesar do barulho ensurdecedor de quatro máquinas de costura industriais. A sala é uma fábrica de cortinas clandestina improvisada num apartamento alugado no terceiro andar de um velho edifício no centro da cidade de São Paulo, onde vivia com meus pais e mais dois irmãos menores. Meados da década de 70.

    As cortinas eram encomendadas pelos “turcos”, como eram vulgarmente chamados os imigrantes sírios e libaneses que dominavam o comércio de tapetes e confecções da Rua 25 de Março (hoje reduto do contrabando chinês).

    Ah, meu castelinho! Lembro de pegar o elevador de portas pantográficas até o terraço no topo do edifício onde minha mãe pendurava as roupas para secar no varal e eu brincava com meu irmão nas torres que adornavam os cantos do prédio. Lembro de ficar olhando para o teto antes de dormir, onde as luzes coloridas dos carros que passavam na avenida em frente projetavam padrões abstratos através das frestas das venezianas.

    Das janelas dessa apartamento assisti a construção do terminal de ônibus e o progressivo enfeiamento do centro da cidade - o engraçado é que na época esses crimes arquitetônicos eram cometidos em nome do "progresso" - é de cortar o coração.

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  11. Toda semana vou ao centro de São Paulo,e fico admirando a arquitetura desse predio.Gostaria de conhecer o seu interior.

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  12. Toda semana vou ao centro de São Paulo,e fico admirando a arquitetura desse predio.Gostaria de conhecer o seu interior.

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