quarta-feira, 4 de março de 2015

ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS E O PARQUE AUGUSTA

Foto de 1969: Ao fundo, dando frente para a rua Caio Prado, o Des Oiseaux. À esquerda, a rua Augusta. Embaixo, semi-escondido pelas flores, o Colégio Visconde de Porto Seguro, ainda de pé (Nesse momento da foto, eu estudava nele) e ocupado hoje pelo Caetano de Campos - sua frente dá para a Praça Roosevelt. E foi no Des Oiseaux que fiz a primeira comunhão, em 1960 (Revista VEJA)
.
No início do mês de fevereiro último, meu site Estações Ferroviárias do Brasil completou 14 anos de existência, mais quase cinco de pesquisas sobre o assunto, feitas antes da existência do site.

Em todo este tempo, aprendi muita coisa. Uma delas foi que muitas se estragaram pelo país inteiro, principalmente pela falta de uso e abandono. Muitas chegaram à ruína e várias foram demolidas. No entanto, várias foram recuperadas. Algumas foram descaracterizadas, umas muito, outras pouco, e várias foram restauradas. Algumas, mais de uma vez. Este é o problema principal aqui.

Esses prédios, alguns grandes, outros pequenos, ficam ou no centro de cidades grandes e médias, ou em pequenos bairros rurais. Alguns, longe de tudo, a vila ferroviária jamais chegou a se tornar um bairro. Quando são recuperados e restaurados, ou seja, reconstruídos com em sua forma original, necessitam ter manutenção constante.

Geralmente, passam a funcionar como pequenos departamentos da prefeitura, que são os órgãos que mais adquirem estas construções das antigas linhas férreas. Como sabemos, trens de passageiros no interior não existem mais. Apenas umas poucas estações conservam parte de sua função quando recuperadas no interior, no caso, para funcionar parte do tempo com trens turísticos, que, na maioria dos casos, funcionam apenas em fins de semana. E, por favor, notem que apenas parte das antigas estações desses trechos são recuperadas. Outras ficam abandonadas ou são invadidas.

Entre todas as prefeituras que adquirem estes prédios, apenas uma parte os restaura, e não necessariamente todas as que possui. Depende de dinheiro e de interesse de quem está no governo.

Um prédio, quando é restaurado, precisa de manutenção constante. Principalmente prédios antigos como estes - muitos com mais de cem anos. E também não devemos nos esquecer que os materiais usados para a restauração não são sempre necessariamente de boa qualidade. A fiação de muitas delas já causou alguns incêndios (existem, também, incêndios causados por vândalos). As tábuas com cupins já causaram outros estragos.

Enfim, aprendi muito sobre o assunto.

Agora, olho para outros prédios que nada têm ou tiveram a ver com as antigas ferrovias e a situação é igual. O Teatro Municipal, de São Paulo, já foi restaurado três vezes, pelo que sei. A última vez há dois ou três anos atrás. O que se viu nestas "re-restaurações" é que não houve praticamente nenhuma manutenção no período entre a obra "velha" e a obra "nova", tornando-se cada obra que se sucede muito mais cara do que deveria ser.

Ou seja, a restauração de imóveis no Brasil não é necessariamente confiável. Igrejas, armazéns, residências, edifícios de apartamentos ou escritórios, fachadas, monumentos, estátuas, chafarizes, muitas de diversas obras de recuperação realizadas passam pelo mesmo mal - falta de manutenção e materiais vagabundos.
O Parque Augusta, visto de cima. Ao fundo, a rua Caio Prado e as pessoas que o ocupavam hoje (Fonte desconhecida).

Saiamos dos prédios de tijolos e entremos pelas praças e parques. Um exemplo aqui perto, na cidade em que nasci: Praça da República. Ela foi recuperada na gestão Kassab. Jardins e monumentos foram refeitos, bem como o quiosque. Kassab deixou a prefeitura há menos de três anos. A praça hoje está imundo, cheia de mato, com estátuas destruídas, placas de bronze roubadas e, pior, seu quiosque, cercado com tábuas para que não seja invadido pelos mendigos e drogados. As tábuas foram colocadas junto à estrutura de ferro. Porém, são tapumes de madeirit, que já foram arrancados de forma a permitir que os mendigos entrem e, dentro, existem diversos colchões, restos de comida e sujeira.

À noite, não se meta na praça, o risco de assalto é muito grande.

Hoje, exatamente na manhã de hoje, no chamado "Parque Augusta", que de parque não tem nada, sofreu uma "evacuação forçada" de ativistas que haviam-no invadido para tentar impedir que a construtora que adquiriu o terreno há alguns anos venha fazer o que sempre fez e é seu modo de vida: construir prédios. Ela é a dona do terreno, quer construir nele.

O terreno, que está situado com frente para as ruas Augusta e Caio Prado, abrigou no passado o Colégio Des Oiseaux (será que escrevi certo? Meu francês é péssimo. Mas quer dizer: "os pássaros"). O magnífico prédio ocupou a frente da rua Caio Prado por cerca de setenta anos, até ser fechado e demolido no início dos anos 1970. Portanto, há mais de quarenta anos. Uma parte pequena dele, exatamente na esquina, tornou-se um estacionamento por muitos anos. O resto foi-se enchendo de mato. O portal de entrada do colégio, junto à calçada, ainda está em pé - somente a parte de alvenaria.

Milagrosamente, a área sobreviveu vazia com seu muro de tijolos original durante todo esse tempo. E (posso estar enganado), já teve mais de um dono depois que foi vendido pelas freiras do colégio. Uma penas, mas a Igreja, no Brasil, tornou-se uma imobiliária, longe de querer conservar os belos bens que tinha.

Ali daria um parque. Sim, um belo parque. Os prédios vão estragar aquilo, porque prédios estragam o visual, causam excesso de sombra, causam impermeabilização de grandes áreas. Porém, o terreno é da construtora e ela quer construir. Ponha-se no lugar dela. Você doaria aquele terreno para a Prefeitura fazer um parque?

Não, você quer dinheiro. E nada há de errado nisso. Só que - Primeiro) São Paulo não precisa desse empreendimento. Segundo) Os danos ao ambiente serão grandes. Terceiro) São Paulo já atingiu seu limite em termos de infraestrutura: vejam o que está acontecendo, com a falta de água e de eletricidade. Aí vem um sujeito e constrói três torres de sei lá quantos andares de apartamentos e/ou escritórios. Mas ele pode.

Para tentar aplacar a ira dos anjos, a construtora ofereceu à prefeitura - que em tempos passados, com diversos prefeitos, já prometeu fazer ali um parque e nunca cumpriu, em grande parte porque gosta de prometer e porque não tem dinheiro para a desapropriação (alguns falam em 70 milhões de cruzeiros, valores de hoje) - fazer três torres (acho que é isso) em 45% por cento da área do terreno, deixando o resto para um parque (que, pelo que entendi de uma fonte, seria totalmente público, e, por outras, de que apenas parte seria público e o resto, dos prédios, portanto, particular). Pode haver engano nos meus números, mas eles não são o que importa aqui.

O que serve de lição é que mais uma vez, e isso vem se repetindo cada vez mais frequentemente, o povo mostra que está de saco cheio de prédios e mais prédios, e da falta de parques, praças e árvores. Aconteceu - isto estou lembrando agora, de cabeça, mas há mais casos - recentemente na Vila Mariana (avenida Conselheiro Rodrigues Alves), em Pinheiros (na rua Cristiano Viana, creio) e, agora, na Caio Prado. Reclamações e mais reclamações contra o que representa, por incrível que pareçca, a piora da qualidade de vida.

Há, no entanto, algo muito mais sério a se pensar, e isso nos retorna ao texto do início, sobre as estações ferroviárias: a construção de um parque trará, no início, quando estiver bonitinho e novinho, muita gente da região, que, aos poucos, será substituída por mendigos e drogados, que tomarão conta dele. Um dos motivos será a falta de manutenção crônica, a mesma que comentei lá em cima.

Convenhamos: por mais que falemos mal dos prefeitos, e temos tido muitos prefeitos ruins desde pelo menos os anos 1980, a Prefeitura não tem condição de tocar São Paulo, um dos maiores conglomerados de pessoas do mundo, com doze milhões de habitantes e sei lá quantos mil quilômetros de ruas e avenidas e sei lá quantas edificações.

Se quisermos um parque, seja onde for, somos nós, que moramos nas redondezas, que deveremos cuidar dele através de uma sociedade, agremiação, associação - seja lá o que for. E que tenha consciência de que fará isto para o público todo e não somente para eles, que moram perto. Da mesma forma que essas pessoas que cuidam dele possam ir a outras praças cuidadas por outros.

Enquanto isso não ocorrer, não adianta fazer um Parque Augusta. É perda de tempo e de dinheiro. A Prefeitura? O que diz? Nada, estará pouco se lixando.

2 comentários:

  1. Foto sensacional, certamente tirada do alto de um prédio na praça Roosevelt. Estive há duas semanas no piquenique de integração dos que defendem a criação do parque 100%. Como toda unanimidade é burra (e sinceramente acredito na verdade dessa idéia), São Paulo já é unanimemente dos prédios. Restou essa área, que deve ser integralmente transformada em parque, pelo bem de nossa inteligência, se nossa sensibilidade, de nossa saúde. Nenhuma construtora vai ficar mais pobre do que 99% da população, se doar esse terreno pra municipalidade.

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  2. ET.: O que seria aquele prédio baixo à esquerda da foto, na esquina da Augusta com a Caio Prado? (no prédio em construção ao lado, por volta de 1973 funcionava o consulado da Alemanha Ocidental, onde eu ia buscar os belos mapas e livretos que eles distribuiam).

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