sábado, 6 de setembro de 2014

A MEMÓRIA BRASILEIRA E O TREM DAS ONZE



Adoniran na estação do Jaçanã. Essa fotografia teria sido tirada logo após sua desativação em 1965
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O Trem das Onze. Quem não conhece esta música? Composta por João Rubinato, mais conhecido como Adoniran Barbosa, foi lançada em 1964. Com ela ele ganhou o Primeiro Prêmio de Músicas Carnavalescas do IV Centenário do Rio de Janeiro. Vinicius de Moraes sempre chamava São Paulo de Túmulo do Samba, mas desta vez ele se enganou... feio.


A Música do Trem das Onze fala de um cidadão que está uma noite com a namorada de repente descobre que está atrasado e tem de deixá-la. Ele tem de pegar o trem que passa às onze horas na estação (qual?) e, se ele o perdesse, não chegaria no Jaçanã (bairro da zona norte da cidade de São Paulo) a tempo - a alternativa seria pegar o trem na manhã do dia seguinte - e a mãe dele "não dorme enquanto eu não chegar".

Ele teria dito que o nome da estação de Jaçanã havia sido colocado na letra para rimar com "só amanhã de manhã". Muita gente diz que esse trem, que chegaria à estação do Jaçanã às onze horas, onde, aliás, ele não morava, não existia - ou melhor, esse horário não existia para o trem da Cantareira, onde estava a estação e o bairro. Outros, como Werner Vana, estudioso da Cantareira, disseram que ele existiu, sim.

Mas, afinal, o que importa isso hoje? Afinal, a velha estação do Jaçanã ficou rapidamente famosa. E, apesar disso, foi demolida.

A música é de 1964; a Cantareira fechou em maio de 1965 (quando fechou, o trem ainda parava nessa estação); a estação foi demolida em junho do ano seguinte, 1966, com festas. Alguns poderão pensar: a música era muito nova e a estação não chegou a ficar famosa tão rápido. No entanto, ela era, como prova uma reportagem publicada no dia 21 de junho de 1966 (ver logo abaixo a manchete), que fale em "festa", "comício político", :palmas dos presentes" e a execução dos discos das músicas "Adeus Cantareira", de Frederico Rossi, e Trem das Onze", de Adoniran.

Folha de S. Paulo, 21/6/1966
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Adoniran Barbosa não estava nessa "festa". Talvez nem tenha sabido dela. Talvez, vá saber, não tenha nem se importado com o fato.

Houve "vários oradores" e também "a despedida dos moradores do bairro". O vereador Molina Jr. ressaltou os melhoramentos e da necessidade de dotar os bairros da Zona Norte dos serviços públicos essenciais". Curioso. O bairro havia perdido o único meio de transporte mais rápido que tinha (apesar da lerdeza dos trens da Cantareira) e a estação, que foi o símbolo do que deixou o bairro famoso no país inteiro. E estavam todos felizes.

Não sobraram traços da estação, da plataforma, nada. Hoje em dia as reportagens sobre o tema falam da "saudade que o povo tem da estação, não deviam tê-la deixado ser demolida".

Porém, naquele dia, todos bateram palmas. Por que? Em que a demolição do prédio ajudaria em fazer melhoramentos para o bairro?

Nossa memória é mesmo uma piada.

Um comentário:

  1. O Estadão de 21.06.1966 também noticiou a demolição da estação de Jaçanã na página 13:
    http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19660621-27967-nac-0013-999-13-not/tela/fullscreen

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