Projeto da estação de Cambará, PR - O Estado de S. Paulo, 13/6/1925
Fora da área ocupada pela RVPSC, começava a surgir uma estrada de ferro que, partindo de Ourinhos, em São Paulo, faria história. A sua origem remonta a 1923, mas o motivo para a sua existência tem de ser procurado no século anterior. Assim como São Paulo, o Estado do Paraná também tinha a maioria das suas terras desconhecidas até o final do século XIX. No norte, apenas alguns pequenos núcleos isolados se desenvolviam devido à relativa proximidade do rio Tibagi, ou devido a velhos assentamentos próximos à fronteira com São Paulo.
A região ao sul do Paranapanema no longo trecho em que ele faz a divisa com o Estado vizinho, ou seja, entre as atuais cidades de Cambará (próxima a Salto Grande, em São Paulo) e Marilene (próxima à atual Rosana, no Pontal do Paranapanema), era totalmente inexplorada até os anos 1920. A oeste do rio Tibagi, nada havia, sendo que as povoações mais ocidentais se situavam exatamente à sua margem direita, como Jataí e São Jerônimo, colônias militares. Os mineiros e os paulistas que começaram essa colonização seguiam para lá devido à riqueza das terras – terra vermelha, “roxa”, como se dizia, excelente para o cultivo de café e de grãos em geral. Alguns anos antes, um fazendeiro de Ribeirão Preto, Antonio Barbosa Ferraz Júnior, comprou uma imensa gleba de terras para plantar café entre as novíssimas e próximas cidades entre si Ourinhos, paulista, e Cambará, paranaense, e decidiu construir sua própria estrada de ferro ligando as duas.
Somente em 1923 os primeiros trilhos foram assentados a partir de Ourinhos, cruzando o rio no local na época chamado de Porto União e entrando em território paranaense. Da empresa participaram a família Ferraz – o filho Leovigildo e a esposa Flora até juntaram os nomes e batizaram uma das estações como Leoflora – e vários fazendeiros da região, entre eles Willie da Fonseca Davids, Prefeito de Jacarezinho. Era a Estrada de Ferro Noroeste do Paraná, com 29 quilômetros, paralela ao rio Paranapanema após cruzá-lo ao sul de Ourinhos. A concessão para essa ferrovia foi postergada por anos, como escrito acima, exatamente porque o Estado do Paraná demorou para permitir a construção de uma estrada de ferro que se ligava ao porto paulista de Santos juntando-se à Estrada de Ferro Sorocabana.
O dinheiro para o empreendimento era pouco. No início de 1924, quando a ponta da linha estava na estação de Leoflora, eles publicaram em um jornal de São Paulo um anúncio de página inteira que, em resumo, mostrava as vantagens de se investir na ferrovia naquela região de tão rico potencial. Foi quando desembarcou no Brasil a missão inglesa chamada pelo Presidente Artur Bernardes para sugerir mudanças nos sistemas econômico e tributário do Brasil. Era a Missão Montagu, chefiada pelo inglês Lord Montagu, que havia sido Secretário do Tesouro na Inglaterra, entre outros cargos, e essa missão contava com a presença de Simon Joseph Fraser, ou Lord Lovat.
Ele viu o anúncio, que mostrava entre outras coisas a intenção da ferrovia alcançar o rio Tibagi, atravessá-lo e chegar a Guaira, além de dizer que a ferrovia possuía 700 toneladas de trilhos e acessórios, duas locomotivas de 25 toneladas, dez vagões e dois autos de linha. Também se conclui que o ufanismo dos proprietários era grande, prevendo um futuro riquíssimo para a linha mesmo se ela mantivesse seus 29 quilômetros, pois Cambará seria “a nova Ribeirão Preto”. Lovat “comprou” a idéia e concordou em visitar Ferraz em Cambará. A esta altura, a empresa já tinha a idéia de alterar o nome para Companhia Ferroviária São Paulo–Paraná, para dar a idéia de integração entre os dois Estados e para “não fazer confusão com a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil”, segundo seus próprios diretores.
Lovat era especialista em plantações de algodão, mas se impressionava com qualquer plantação de qualquer cultura que via. Em Cambará, ele fez uma oferta pela fazenda. Ferraz recusou, mas Gastão de Mesquita Filho, ali presente e experiente construtor de ferrovias em zonas inóspitas, lhe perguntou se ele não se interessaria por outras glebas próximas e com preços muito baixos, pois nessas áreas não existiam estradas. Estas teriam um alto potencial de valorização, pois a ferrovia estava avançando no sentido do então distante rio Ivaí.
Um mapa estendido sobre uma mesa de bilhar e uma boa conversa envolvendo gente experiente como Mesquita e Willie Davis fizeram com que, naquele dia, Lovat tivesse a idéia de uma empresa de colonização. Ele passou um telegrama para o Sudão, para o gerente da Sudan Plantations, a qual representava, e pediu-lhe para seguir para Londres e que lhe encontrasse em sua volta para discutir investimentos no Brasil. A idéia era plantar algodão, mas o potencial ia muito mais longe do que isso. Lovat voltou para a Inglaterra, mas deixou muitas amizades profícuas no Brasil.
Ainda em 1924, Lovat funda em Londres a Brazil Plantation Syndicate Ltd. E sua subsidiária no Brasil, a Companhia de Terras do Norte do Paraná, no ano seguinte. A empresa começa a comprar terras na região da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, entre Bauru e Araçatuba, em terras próximas a Presidente Epitácio e em Salto Grande, muito próxima a Cambará, mas em território paulista. E plantou algodão. Essas compras todas fizeram com que Lovat fosse procurado através de seus representantes no Brasil para que investisse em terras ao redor dos rios Pirapó e Ivaí. As terras eram claramente griladas, mas a possibilidade de se construir um ramal partindo de Regente Feijó, na Sorocabana, à margem do Paranapanema, facilitaria o acesso.
A Brazil Plantations, mesmo pagando um alto preço para regularizá-las, ainda obteve um retorno altíssimo. A aquisição já foi feita pela subsidiária constituída, a Companhia de Terras do Norte do Paraná, enquanto a Brazil Plantations tinha o nome alterado para Paraná Plantations. Lovat era o presidente. Lovat decidiu então concentrar todos os esforços no Paraná, abandonando as plantações de algodão na Alta Sorocabana, que não iam bem, no lado paulista. As terras a partir da margem esquerda do rio Tibagi eram todas da Companhia, e, como a idéia do ramal de Regente Feijó não vingou, Lovat comprou de Ferraz a Estrada de Ferro São Paulo-Paraná para prolongá-la o mais rápido possível. Embora o Governo do Paraná tivesse acompanhado todo o processo por motivos óbvios, inclusive por ter vendido parte das terras que eram dele para Lovat, a região se tornou altamente dependente de São Paulo, não somente pelo trajeto para o porto de Santos via Sorocabana, como também pelos homens que dirigiam a Companhia, todos paulistas.
Lovat via mais longe que Ferraz. Ele previa cidades como Londrina, que seria fundada pela Companhia em 1927. E possivelmente tudo o que veio depois. Em 1944, por causa dos enormes gastos ingleses com a II Guerra Mundial, ele vendeu a ferrovia e a Companhia de Terras para paulistanos, que são os donos de boa parte das terras até hoje. A ferrovia acabou ficando com a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina.
segunda-feira, 21 de abril de 2014
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