Carro-dormitório da Central do Brasil em 1912
Os quatro parágrafos seguinte, em itálico, são um resumo de um artigo escrito por Antonio Pastori, do Rio de Janeiro:
Ontem, 23 de junho, foi comemorado o sesquicentenário de inauguração da primeira estrada carroçável do Brasil, a União & Indústria, uma obra sem precedentes que permitiu que a viagem entre Petrópolis e Juiz de Fora demorasse somente doze horas. Antes, essa odisséia consumia uma semana, no mínimo, em estradas não pavimentadas, uma tortura para os viajantes que percorriam o Caminho Novo da Regular Estrada Real, a Calçada do Proença e outras trilhas antigas. Naquele tempo levava-se dois dias inteiros para ir do Rio a Juiz de Fora, coisa hoje se faz em menos de três horas pela BR-040 em dias normais.
A redução do tempo de percurso começou em 1854, com a inauguração da Estrada de Ferro de Petrópolis do Barão de Mauá, a primeira ferrovia do Brasil. Mauá soube se valer da combinação do vapor com as mobilidades existentes adicionando o trem ao sistema permitindo, com isso, que a perna Rio-Petrópolis da viagem até Juiz de Fora consumisse apenas três horas e meia, ao invés de um dia inteiro. Esse trem consistia de uma locomotiva a vapor - a Baroneza - que tracionava até três carros de passageiros (120 pessoas) à velocidade de 36 km/h.
A viagem Rio-Petrópolis começava com a travessia da Baia de Guanabara por barco a vapo, mais trinta minutos de trem do porto de Magé para chegar à raiz da serra da Estrela, e mais duas horas de subida. Contudo, ainda levaria 29 anos para que a subida fosse reduzida em 30 minutos com a inauguração da primeira linha da E. F. Grão-Pará, primeira a cremalheira do Brasil, em 1883, ligando a Raiz ao Alto da Serra de Petrópolis em 6 quilômetros.
A partir daí, caso necessário, era factível fazer o percurso Rio-Juiz de Fora em um dia, apesar de muito cansativo. Em nenhum outro local do Brasil era possível percorrer-se mais de 200 km em um dia, graças à U&I, o trem e a barca a vapor.
Contudo, a E. F. Mauá encontra-se totalmente abandonada, a Grão-Pará sobreviveu somente 81 anos, mas a U&I, apesar de mal cuidada, ainda presta bons serviços, e assim o fará por muitos e muitos anos.
Esse artigo me fez lembrar uma série de fatores com relação às estradas de ferro brasileiras. Primeiro, o fato de ter havido comemorações na data de ontem para festejar a abertura da União & Indústria, que ligava o Rio a Petrópolis. Embora parte dela tenha sido aproveitada para o leito de estradas muito mais modernas e até para leito de linhas da Leopoldina, ela basicamente ainda existe e mereceu comemorações. Não foi o caso da E. F. Mauá nem da Grão Pará, quando fizeram seu sesquicentenário ou centenário. Pelo menos, não como as que foram realizadas ontem, como se pode ver em novo texto transcrito abaixo, também em itálico, da Tribuna de Petrópolis de 22 de junho:
Nesta quinta-feira (23), a Prefeitura de Petrópolis e a Comissão Organizadora realizarão a solenidade de abertura oficial das comemorações dos 150 anos da Estrada União e Indústria – primeira estrada pavimentada do Brasil –, às 10h, na Avenida Barão do Rio Branco, altura do nº 234. Para a solenidade foram convidados os prefeitos de Areal, Três Rios, Comendador Levy Gasparian, Matias Barbosa, Simão Pereira e Juiz de Fora, municípios por onde passa a estrada. A homenagem está inserida na programação da Bauernfest – festa do colono alemão –, que este ano ocorre de 22 de junho a 03 de julho.
Na ocasião, será lançada uma revista especial sobre os 150 anos da estrada, uma realização da Fundação de Cultura e Turismo de Petrópolis, com a colaboração de diversos historiadores. As comemorações terão continuidade no Palácio de Cristal onde serão homenageados aqueles que contribuíram para a construção da estrada, com a abertura oficial da Exposição Itinerante Engenharia da Estrada União e Indústria, do Museu Dinâmico de Ciência e Tecnologia, e apresentação do Coral Canarinhos de Petrópolis.
Também participarão do evento representantes das seguintes instituições: Museu Imperial; Fundação Museu Mariano Procópio; Universidade Federal de Juiz de Fora; Instituto Histórico de Petrópolis; Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora; Associação Cultural e Recreativa Brasil-Alemanha; Associção Histórica de Matias Barbosa; e Concer.
O artigo do jornal petropolitano mostra algo sintomático: ferrovias, embora tenham tido uma importância enorme na colonização e desenvolvimento do país, estão hoje esquecidas, por seguidos enganos e descasos de também seguidos governos desde os anos 1930. Rodovias são importantes - e muito - também, mas temos de lembrar que elas têm uma capacidade limitada de movimento, capacidade esta que já foi alcançada em muitos casos há muitos anos atrás - especialmente as que ligam as capitais com as praias ou com o interior em épocas de feriados.
Era para isso que serviam (entre um rol de outras coisas) as ferrovias. Ferrovias não têm congestionamentos - o trem sempre anda, salvo raros acidentes. Quem não queria pegar a estrada por causa do excesso de trânsito, podia pegar o trem. Hoje, não mais. De carro ou de ônibus, rico ou pobre entra no congestionamento. Estes são democráticos - o tipo de democracia que não se faz questão de ter.
Mas, afinal, por que os trens de passageiros foram extintos e se faz o possível para esquecê-los? Para mim, o principal motivo foi simples: quem sustentava os trens de passageiros com sua escassa margem de lucro eram as "elites". Não gosto desta palavra, mas, enfim, ela deveria caracterizar os ricos. Foram eles que construíram as ferrovias e as utilizaram; quando não havia mais necessidade delas, pois passaram a comprar seus carrões para andar em estradas que começavam a ser asfaltadas, eles abandonaram as ferrovias.
Os trens de passageiros passaram a ser utilizados somente pelos pobres e "remediados" - leia-se neste último caso a classe média. Estes, sempre em número reduzido, acabaram comprando seus carros e de vez em quando fazendo um exagero de ir para a praia gastando veículo, combustível e aluguel de apartamento, casa ou hotel. Sobraram os pobres... pouco exigentes, aceitavam "qualquer coisa". Trens sujos, linhas cada vez com menos manutenção, estações caindo aos pedaços... afinal, para que se fazer tudo isto se ninguém exige? A questão é: era justo somente conservar os trens para os ricos? Foi justo dar manutenção muito abaixo do mínimo exigido? Claro que não. Tanto não, que mesmo eles foram abandonando os trens e indo para os desconfortáveis ônibus, mas que existiam e tinham mais horários para ofertar.
E os trens foram acabando. Hoje, pedem sua volta. Não os ricos, estes não ligam a mínima, têm seus helicópteros. Já os remediados e a chamada classe média emergente não têm opção: têm de entrar nos congestionamentos. Por que não usar trens, que não entram neles? Por que está demorando muito para os governos, que sempre fizeram coisas para ricos, perceberem que a situação mudou e não querem investir. Afinal, note-se que todas as ferrovias brasileiras - todas - foram construídas por particulares ricos e depois encampadas pelo governo. Hoje, esses ricos não querem fazê-las. Esperam que o governo as faça para poderem ser concessionados e sugarem tudo que é possível delas, pois o governo não fiscaliza nada - basta ver a situação das ferrovias em São Paulo, nas mãos da concessionária atual.
Os termos "ricos", "pobres", "elite", "remediados" e "classe média" podem estar meio exagerados ou, dependendo do caso até minimizados neste artigo - mas quem ler compreenderá.
sexta-feira, 24 de junho de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Minha primeira cicloviagem foi sair do Rio e ir até Petrópolis pedalando. A subida foi por essa mesma serra da Estrela, 17km ladeira de paralelepípedo acima nas mesmas duas horas que o trem levava no século XIX. A viagem no total me consumiu 6horas, marca alcançada graças a estradas pavimentadas e a eficiência da bicicleta. ;)
ResponderExcluir