domingo, 30 de maio de 2010

A MÃO NEGRA

Francisco Ferdinando de Habsburgo, (quase) Imperador da Áustria, rei da Hungria, etc. , etc. , etc., no distante 1910.

Há exatos cem anos, meu bisavô Giesbrecht morava em Teófilo Ottoni tentando administrar a complicada E. F. Bahia a Minas e fazendo projetos para a sua continuação Minas Gerais adentro. Meu avô Sud tentava começar sua vida profissional de professor primário no distrito de Serrinha (hoje município de Serrana, próximo a Ribeirão Preto) e aguardando todos os meses o salário para gastá-lo todo comprando livros na única livraria de Cravinhos, ali perto. Meu bisavô Daniel tocava a companhia telefônica em Porto Ferreira, e a família Klein tentava tocar a vida lá em Joinville, comandados por meu bisavô Nicolau, aquele que vendia velas com carrinho de mão nas ruas da cidade.

Os brasileiros mais abastados, como os "paulistas quatrocentões" esperavam o embarque para Paris, "cidade das luzes" e, naquela época, local para onde todos iam para depois dizerem que foram, numa viagem de navio de quase um mês só de ida e uma estadia que geralmente não durava menos de três meses. Os Estados Unidos não eram uma opção.

As revistas da época publicavam fotografias da "elite" de então em trajes com ternos e cartolas, os homens quase sempre com barbas grandes e as mulheres com roupas apertadas e desconfortáveis. Também nelas se podia ler os anúncios, os "reclames" de remédios milagrosos que curavam qualquer mal, o que podia ser comprovado sempre por depoimentos de "curados" que vinham do distante interior do Nordeste brasileiro. Provavelmente, para que v. não conseguisse chegar até eles para tentar saber se era mesmo verdade.

O mundo era em branco e preto, a não ser naqueles dias quando alguém o pintava com pincéis que lhe davam cores nem sempre realísticas... as locomotivas a vapor silvavam pelos trilhos brasileiros, e como se construíam ferrovias nessa época! A Paulista estava chegando a Bauru, os gaúchos a Caxias do Sul; a São Paulo-Rio Grande, comandada pelo poderosíssimo Percival Farquhar e seu misterioso sócio francês Hector Legru, construía a ferrovia lá no sul de Santa Catarina - ou seria do Paraná? O Contestado iria ser decidido somente seis anos mais tarde... tinham pressa, pois o ministro argentino Zeballos ameaçava o Brasil com uma invasão e a ferrovia para o sul precisava estar pronta antes disso! Por isso, avançava pela selva ao longo do rio do Peixe tentando chegar ao rio Uruguai pelo meio do nada.

Lá na Europa, enquanto a realeza da Inglaterra, Alemanha, Rússia, Itália, Turquia, Espanha e Portugal visitavam-se mutuamente escondendo as pistolas, o imperador de contos de fadas da Áustria, Francisco José de Habsburgo, tentava salvar seu vasto reino apresentando seu sobrinho-neto, o Arquiduque Francisco Ferdinando, como seu herdeiro, já que seu único filho Rodolfo havia se matado em Mayerling vinte e um anos antes.

Era esse Francisco, de bigodes armados e olhos azuis, que seria apresentado pelo jornal O Estado de S. Paulo em sua edição de segunda-feira, 30 de maio de 1910, como um homem de "cabello cortado á escovinha e já um pouco grisalho", um hábil general e com a confiança do Exército austro-húngaro, mas sem a simpatia, a bondade e a misericórdia de seu tio-avô. Seria um "novo Bismarck".

Não, não seria. Quatro anos e um mês mais tarde, ele seria assassinado com sua esposa nas ruas de Serajevo, então território austríaco, por um estudante de nome Gavrilo Prinzip, pertencente à sociedade secreta sérvia Mão Negra. Este episódio daria início à Primeira Guerra Mundial, também chamada de "Grande Guerra", "Guerra do Kaiser" e outros nomes. Foi esta a guerra que mudou o mundo para sempre, muito mais do que a segunda, esta, na verdade, nada mais do que uma continuação da primeira.

No seu final, em novembro de 1918, já não existiria mais a realeza em seu país, bem como na Alemanha, Rússia e Portugal (esta última, aliás, caiu em 1910 mesmo). A da Turquia e da Espanha não durariam muito, também. Só a da Inglaterra ficou, junto com a da Itália, esta encerrada em 1946. Aliás, no caso da Áustria, nem a realeza ficou, nem o país - o que sobrou da Áustria foi somente o país dos alemães que nela viviam, muitíssimo menor do que o Império, herdeiro do milenar Sacro Império Germânico.

É sempre muito interessante ler as notícias-previsões um dia escritas e que nunca se concretizaram. A vida de meus avôs e bisavôs jamais seriam as mesmas por causa da "guerra para acabar com todas as guerras".

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