sábado, 3 de janeiro de 2015

A ESTRADA DE FERRO CHIBARRO-JACARÉ (ANOS 1910)





A estação de Araraquara no início dos anos 1910 (Autor desconhecido)
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Em 10 de maio de 1894, a CPVFF – Companhia Paulista de Vias de Ferro e Fluviaes (depois CPEF – Companhia Paulista de Estradas de Ferro) – inaugurou a estação de Ribeirão Bonito, situada a pouco mais de 60 km por linha férrea de seu ponto de partida, a estação de São Carlos. Era sua intenção prolongar o ramal, embora a estação construída na estação terminal fosse bastante grande e imponente para uma cidade de bem menor importância do que São Carlos.

A primeira notícia encontrada sobre este prolongamento data de dezembro do ano seguinte (*O Estado de S. Paulo, OESP, 3/12/1895), quando foi anunciado o envio do requerimento do presidente da CPVFF, o Conselheiro Antonio Prado, à Superintendência de Obras Publicas do Estado de São Paulo. Nele ele solicitava a concessão de licença para “uso e goso” de uma ferrovia de bitola métrica (como era o ramal) que deveria acompanhar o vale do rio Jacaré Grande por sua margem esquerda até a confluência deste com o ribeirão do Chibarro, a cerca de 40 quilômetros distante dali.


Mapa do IBGE de 1960 mostra parte do município de Ribeirão Bonito. Nele pode se ver o caminho (provavelmente muito próximo à estrada de rodagem em vermelho) do prolongamento que a Paulista pretendia construir entre Ribeirão Bonito e a foz do rio Chibarro no rio Jacaré-Guaçu
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O jornal de dois dias depois (*OESP, 5/12/1895) anunciava a aprovação do pedido; era já bastante grande o poder do Conselheiro. A concessão oficial somente veio com o decreto 356, de 30 de abril de 1896 (*OESP, 5/7/1898).

Notícia no início de fevereiro de 1897 (*OESP, 3/2/1897) informa que “era bem possível” que a movimentação de terra do prolongamento se iniciasse naquele mês e que o trecho teria 36,800 quilômetros, menos do que a estimado no início do processo. Porém, pelo decreto, a Paulista teria seis meses mais três se necessário fosse, a partir da publicação do decreto para começar as obras. Até ali, nada havia sido feito.

Com outros detalhes de caução também não cumpridos, a Cia. Paulista perdeu a concessão em meados desse ano, depois de dois recursos negados (*OESP, 5/7/1898). Teria o Conselheiro perdido sua influência? Ou os seus planos mudaram e o prolongamento passou a não ser tão interessante assim? Talvez fosse mais fácil e barato ceder a linha à Douradense (C. E. F. do Vale do rio Dourado), que teria de qualquer forma de alimentar a estação de Ribeirão Bonito e já deveria estar se organizando – afinal, a linha Ribeirão Bonito-Dourado foi aberta em fins de 1900, apesar de ser mais curta, a menos de 20 quilômetros da estação da Paulista.

Nada mais se fala da ferrovia até 1912. No início do ano, noticia-se que dois engenheiros, J. Aranha e José Scutari, chegaram a Araraquara para começar a exploração da “Estrada de Ferro interna (?) pelo vale dos rios Chibarro e Jacaré” até os núcleos coloniais de Gavião Peixoto e Nova Pauliceia (*OESP, 17/1/1912). Em fevereiro e março do mesmo ano, uma revista especializada afirma que (*Brazil Ferrovias, 2/1912, p. 55, e 31/3/1913) os diretores desta estrada receberam uma representação dos habitantes de Araraquara, pedindo a "criação de uma estação à margem da estrada para Boa Esperança", para ajudar aos agricultores locais. A diretoria então anunciou a construção de uma estação que "deve denominar-se Santa Rosa" (p. 42). Pela forma que a reportagem foi apresentada, a ferrovia já existiria. Na realidade, não. E nem se teve mais notícias da estação Santa Rosa.

A partir daí e durante algum tempo, muitas notícias sobre a ferrovia foram sendo publicadas. O seu início seria junto ao pátio da estação de Araraquara e não mais lá em Ribeirão Bonito, a cerca de 110 quilômetros dali por trilhos.  Em 21 de janeiro de 1913, começou o serviço de locação da linha, “a partir do terreno sito à rua 8, esquina da avenida 2, escolhido para a locação dessa futurosa via ferrea, que, indubitavelmente, vem rasgar novos horizontes ao progresso local”. Esta última expressão, mesmo descontando-se o tom sempre exagerado da imprensa da época, mostrava que esta seria uma ferrovia muito maior do que um simples prolongamento, como seria a sua primeira versão.

Os concessionários, desta vez (não consegui encontrar a data e a lei de concessão) eram um certo Octavio Cardoso, engenheiro, e João Tibyriçá Netto, como engenheiros eram também Scutari e Vasco de Queiroz Filho, o primeiro ainda na empresa. Previa-se começar a terraplanagem ainda nesse mês de fevereiro (*OESP, 23/1/1913 e 15/3/1913), com uma festa programada para aquele dia. Ambos haviam trabalhado na construção do ramal Sylvania-Tabatinga da E. F. Araraquara em 1911 (OESP, 26/8/1911). Scutari e Francisco Rato foram escolhidos para a construção da E. F. Chibarro-Jacaré (*OESP, 4/2/2013).

Com uma notícia que começava com um “prosseguem com actividade os trabalhos de construção” da ferrovia, podemos deduzir que as obras realmente haviam começado em meados de março. O leito da linha estava sendo feito por diversas turmas e estava a quase dois quilômetros do ponto inicial (rua 8 com avenida 2, pelo meus cálculos, bem próximo ao Cemitério São Bento). Uma escritura de doação de terreno havia sido lavrada no dia anterior para a construção de uma estação no bairro Laranjal. Catorze outros proprietários também haviam feito doações no mesmo cartório para a passagem da linha férrea (*OESP, 15/3/1913).

O mesmo Octavio Cardoso solicitou em abril licença por trinta anos para a Câmara Municipal de Araraquara para instalar uma linha de bondes em ruas escolhidas para assentamento dos trilhos, conseguindo imediatamente. Os bondes deveriam começar a serem instalados em seis meses (*OESP, 3/4/1913).

A mesma comissão da Câmara aprovou outro privilégio por trinta anos para a linha férrea da Chibarro-Jacaré passar pela avenida 1 para se ligar com a linha da Paulista. Da mesma forma, impuseram a condição de que não fizessem nenhuma ligação com a estação do Ouro, da linha da Cia. Paulista, “em vista de tal ligação prejudicar a vida e o comercio” da cidade (*OESP, 3/4/1913). Quem conhece a cidade sabe que as ruas e avenidas continuam sendo numeradas, portanto pode imaginar exatamente por onde passariam as linhas da ferrovia. Quanto à condição do Ouro, uma estação com muitas fazendas de café e muito movimento de pessoas à época, é provável que a cidade não quisesse ter complicações com a Companhia Paulista – é difícil imaginar como a vida e o comércio da cidade pudessem ter problemas com isto.

Meados de abril: a Estrada de Ferro Vicinal de Araraquara, outro nome para a Chibarro-Jacaré (estranhos nomes para o trajeto a que ela se propunha) deveria passar a ser estadual, pois municípios como Ribeirão Bonito, Boa Esperança (do Sul) e Ibitinga, em comum acordo, aceitaram um novo traçado, que traria vantagens para o seu futuro (*OESP,14/4/1914). Estranho isto, quando a Douradense fazia esse traçado havia pelo menos seis anos. Seria descontentamento com a empresa já existente?


Outro mapa do IBGE em 1960 mostra parte do município de Araraquara (ainda englobando os atuais municípios de Americo Brasiliense, Santa Lucia e Motuca), a estação do Chibarro (no canto direito), a linha principal da Cia. Paulista (que passa por Ouro e Chibarro), a estrada de ferro da Fazenda Tamoio (saindo em inúmeras curvas para Ribeirõ Bonito) e a estrada de Lenha de Chibarro (saindo para nordeste  partir da estação do Chibarro). Também podem ser vistos o rio Chibarro e o Jacaré-Guaçu, além do possível trajeto da E. F. Chibarro-Jacaré que deveria ter sido construída (e não foi) nos anos 1910, uma linha vermelha que é a rodovia Araraquara-Boa Esperança do Sul e que sai da sede da cidade no sentido sudoeste - a ferrovia possivelmente acompanharia esse trajeto
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Em termos bem específicos, o trajeto, publicado no jornal, com exceção dos comentários entre parênteses, seria o seguinte: Araraquara – Bairro dos Machados, propriedades agrícolas de J. Aranha (este um dos engenheiros da ferrovia), Pio Lourenço e Jayme Barbosa; daqui sairá um ramal ligando com a estação do Ouro (ué, mas uma das exigências da Câmara para dar a concessão para a ferrovia não era não haver ligação com esta estação da Paulista?); da fazenda de J. Barbosa seguirá pelas fazendas de Vicente Gravina, Commendador Freitas, d. Mafalda, dr. Picarone, Major Dario do Carvalho, Francisco Pinto; dali atravessa o rio Jacaré e segue até a cidade de Ribeirão Bonito; em seguida passando por Guarapiranga, procura a estação da Cia. Douradense, na villa (município) da Boa Esperança. De Boa Esperança, a nova linha férrea sahirá procurando as colônias de Gavião Peixoto, Nova Pauliceia, Nova Europa, cidade de Ibitinga (todas estas já então servidas pela Douradense), demandando a margem direita do rio Tietê até o Itapura (seguindo o que seria o prolongamento da Douradense entre Ibitinga e Novo Horizonte a partir de 1936 e atingindo o ponto máximo da Noroeste do Brasil em Itapura), e dahi, atravessando o rio Paraná e correndo pelo ignoto sertão (acompanhando agora a Noroeste, já instalada então) chegará finalmente até o norte de Matto Grosso (então, desviando-se em algum ponto da Noroeste) (*OESP, 14/4/1914). O que estariam pensando a Douradense e a Noroeste de tudo isto?

Enquanto isto, mais escrituras de doação de terrenos para a linha ia sendo registrados no cartório do 1º ofício de Araraquara (*OESP, 17/4/1913). Neste mesmo dia, a Câmara reafirmava a proibição para a ligação com o Ouro – estranho, não? Quanto aos bondes, Octavio Cardoso apresentou um mapa da linha, uma circular, projetada para o bonde que deveria ligar as duas estações: a da Paulista e a da Chibarro-Jacaré – como dito mais acima, a estação desta ficaria perto do atual Cemitério São Bento, realmente não tão próxima da da Paulista e um bonde efetivamente ajudaria (*OESP, 21/4/1913).

O percurso provável seria para o sudoeste da cidade, acompanhando mais ou menos o que hoje é a rodovia Araraquara-Boa Esperança. Não consegui localizar, nem em mapas novos nem no do IBGE (1960) os já citados bairros do Laranjal e o dos Machados.

A estação de Chibarro da CPEF, que, na época, era chamada de Fortaleza, apesar de ser junto ao rio Chibarro, não seria atingido pela ferrovia. Ela ficava ao sul do município, próxima à divisa com São Carlos; hoje, a divisa ali é com Ibaté, ex-Visconde do Pinhal, desmembrado de São Carlos nos anos 1950. O rio corre de Ibaté até desaguar no rio Jacaré-Guaçu ((ou Jacaré-Grande) em Boa Esperança do Sul.

Apenas no ano seguinte, uma notícia da entrevista do engenheiro José Scutari a um jornal de Araraquara, dada em Ribeirao Bonito, ficamos sabendo “que esta nova companhia (a Chibarro-Jacaré) traria os seus trilhos até esta cidade” (*OESP, 23/4/1914).

A partir desta data, nada mais se lê acerca da ferrovia. Aparentemente, ela nunca foi instalada, pelo menos na então área urbana na cidade. Os bondes, então, jamais saíram. Mas são notícias de jornais e revistas, que, como é facilmente percebido no texto acima, deixam margem a dúvidas e lacunas na história.

Pode-se supor pressões da Cia. Paulista, Douradense e Noroeste contra a construção da linha e até falta de verba para continuação dos trabalhos. Não encontrei também qualquer informação sobre material rodante na ferrovia. Outra questão: ainda poderia existir algum sinal visível das escavações para preparo do leito supostamente feitas em áreas próximas à estação da antiga CPEF (a dois quilômetros, lembram-se no texto), ou mesmo fora da cidade?

Fontes possíveis do período citado acima, principalmente da segunda versão da ferrovia (1912-1914) seriam as atas da Câmara Municipal de Araraquara e de jornais da cidade, cujos arquivos nem sei se existem. Com algum tempo e paciência pode ser que cheguemos a esse material. Outra fonte seria o Correio Paulistano, cujos arquivos existem na Internet, mas que não foram consultados por mim – ainda.

No ano de 1929 – veja que estamos falando de um período de quinze anos – temos a citação da ferrovia da Empresa Industrial de Lenha Chibarro, que pode ou não ter sido uma sucessora, uma “terceira versão” da E. F. Chibarro-Jacaré. (*Relatório no. 3 da Secretaria de Estado dos Negócios da Viação e Obras Públicas do Estado de S. Paulo, 1929). Poderia ser esta ferrovia, de curta quilometragem, trilhos assentados pela Chibarro-Jacaré nos anos 1910, que depois teriam sido adquiridos por outra empresa?
 
Pouco provável, pela posição em que ela estava no município de Araraquara. A estação de Chibarro fora aberta em 1922 na nova linha da Cia. Paulista de Estrada de Ferro, que, até então, ainda tinha naquele ponto a velha linha da extinta E. F. Rio-Clarense de bitola métrica. A estação substituiu a antiga estação de Fortaleza, muito próxima (e cujo prédio ainda está de pé a cerca de 400 m dali, semi-abandonado). Da estação, desde data não determinada, partia uma ferrovia de 25 km e bitola de 60 cm, pertencente à Empresa Industrial de Lenha Chibarro, que carregava lenha. Vejam que a bitola de 60 cm, de certa forma, eliminaria a possibilidade de ter sido utilizada a linha da “segunda versão”.

É sabido também que em Chibarro havia uma pedreira, (além de uma usina hidrelétrica bastante antiga e que funciona até hoje fornecendo eletricidade a Araraquara) que teria sido a maior entre todas as que a Cia. Paulista de E. F. possuiu. Poderia ser o mapa da linha dos anos 1950, mostrado abaixo, a linha desta pedreira? Este empreendimento tinha uma linha própria de 25 km com bitola de 60 cm (*segundo Leandro Guidini). Ainda segundo Guidini, em Chibarro, "as locomotivas de tração “remuneradas” grandes eram alocadas de períodos em períodos. Principais locos de tração nesse trecho seriam da primeira série das tipo da CPEF 900 2-6-2 (900/1)".

A ferrovia ainda existiria no final dos anos 1950, de acordo com o mapa abaixo (da (*Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, volume XI, IBGE, 1960), embora esteja nele representada com bitola métrica e não de 60 cm – teria a bitola sido ampliada ou haveria um erro no mapa? Ou esta não seria a ferrovia citada (afinal, pelo que se sabe, o rio Jacaré fica à esquerda da linha da Paulista).

Fora as da citação de Guidini, não se encontraram informações sobre material rodante da ferrovia. Dela não existem mais trilhos ou indicações já há muitos anos.

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