Em 1944, Astrea, que viria a ser minha mãe em 1951, estava de férias numa fazenda em Colina e dali escreveu uma carta para a mãe dela, Maria, que permanecera em São Paulo.
Colina é uma cidade próxima a Barretos, SP, e que nasceu de uma estação ferroviária da Paulista em 1909.
Segue a transcrição da carta:
"14-1-1944.
Querida Mamãe
Como vão todos aí? Eu vou indo muito bem. Fiz boa viagem e estou gostando bastante daqui.
Tomo leite tirado na hora todas as manhãs, às 6 horas. Hontem choveu, mas hoje fez um dia lindo e de manhã andamos a cavalo. Em virtude de as aulas só começarem dia 7, Olga vai ficar até dia 30 e eu também.
A turma aqui é muito alegre e camarada. Hebe também é muito boazinha. Eu e ela estamos dormindo no mesmo quarto e à noite em vez de dormirmos, ficamos conversando e rindo até tarde, isto é, até a hora em que a Olga xinga, do quarto pegado.
O dono da fazenda, "seu" Plinio, está aqui, mas sozinho. A senhora dele não está. Ele é muito gentil.
Aqui no dia não se faz outra coisa senão comer o dia inteiro. Sérgio, principalmente, não para um instante de "moer".
Aécio, se estivesse aqui, haveria de gostar. Há 3 rapazes da idade dele: Sérgio, Helio e Gilberto (de Mogi) e outros menores. Brincam o dia inteiro, jogam bola e ficam vermelhos da terra. Aqui veste-se roupa um dia e já fica imunda.
Quando eu me habituar a montar, vamos visitar umas fazendas vizinhas que dizem ser umas maravilhas.
Olga quer saber se é possível mandar a máquina fotográfica e filme. Mas creio que é difícil, não?
A casa aqui é muito antiga, creio que tem uns 200 anos, mas é enorme e tem muito conforto.
Diga à Mévia que se eu seguir a regra, vou fazer concorrência a ela. Sérgio engordou 4 quilos em 15 dias. Hebe também. Ela é mesmo filha do dono da casa.
Mamãe, espero que você mande ao menos um bilhete em resposta.
Lélia já começou a fazer ginástica? E Mévia e Aécio, como vão? Papai sempre cheio de serviço, não?
Bom, mamãe, o assunto acabou. Meu endereço é: Fazenda Nossa Senhora da Aparecida, Linha Paulista, Colina.
Bom, aqui fico esperançosa de uma resposta sua.
Beijos nas crianças e abraços da sua filha, Astrea".
E agora, algumas explicações sobre a carta:
Astrea, na época, tinha 21 anos e ainda morava com seus pais na Vila Mariana, em São Paulo. É praticamente certo que tivesse ido de trem, pois Colina fica a 489 por trem da estação da Luz, na Capital e o acesso por automóvel na época seria impensável. A via Anhanguera estava no início de suas obras e as estradas seguintes eram péssimas, todas em terra.
Ainda havia resquícios da ortografia antiga no que Astrea escreveu: A palavra "ontem/' foi escrita por ela com "h", o que já era errado na época. Além disto, seu pai e sua mãe corrigiram diversos acentos mal colocados. Na carta existem as correções deles (chato, não?). Ela de estava de férias na faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, no primeiro ano.
Muito provavelmente os amigos dela citados na carta embarcaram em Rio Claro no mesmo trem, já que moravam lá. Olga era prima de minha mãe pelo lado materno. Olga, Sergio e Plinio eram da família Passafaro,;pelo que me recordo, Olga (Fontes) casou-se com Sergio Passafaro.
Filmes e máquina fotográfica? Bem século XX, mesmo. Será que minha avó Maria mandou a máquina posteriormente, como pedido? Não encontrei fotos de lá, o que não é conclusivo.
Casa de 200 anos? Pouco provável, naquela região.
Notar o enedereço para correspondência: somente o nome da fazenda e a linha da Cia. Paulista e a cidade. Para que mais, todo mundo na região sabia onde ficava.
Aécio, Lélia, Mévia, irmãos de Astrea. Astrea era a mais velha deles. Todos filhos de Sud Mennucci e Maria, que faleceram respectivamente em 1948 e em 1987.
Astrea, minha mãe, ainda está viva, com 99 anos.
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