domingo, 6 de setembro de 2015

DE TREM DE SÃO PAULO A BARRETOS (1976)

Pátio da estação de Barretos em 1990.

Cartas são sempre interessantes. Reportam a realidade de uma época sobre um ou mais assuntos específicos. Claro que muitas comentam sobre fatos isolados, mas quando o tema é os serviços das ferrovias no ano de 1976, se uma carta não pode ser generalizada, pode, pelo menos, provar que esses serviços não eram mais o que haviam sido até os anos 1940.

Aqui, um leitor do jornal O Estado de S. Paulo critica a viagem por ele feita em um trem da FEPASA na região em que antes a Companhia Paulista de Estradas de Ferro atuava: sua linha-tronco São Paulo a Barretos.

O trem noturno havia saído da Estação da Luz e deveria chegar a Barretos às 7 horas e 20 minutos na manhã do dia seguinte. Por causa de um acidente em Barrinha (estação na região de Ribeirão Preto), chegou somente 'as 14 horas e 25 minutos ao seu ponto final.

O leitor descreve o acidente como tendo sido um descarrilamento devido a dormentes podres. Ele até aceita o acidente. Porém, o problema maior foi o que se seguiu a ele. A composição não tinha um carro-restaurante, nem buffet, nem qualquer alimento ou mesmo refrigerantes. Nenhum funcionário da FEPASA se manifestou, fosse "o presidente, chefe do tráfego, guarda do trem, chefe da estação, sei lá quem", para atenuar o mal-estar de pessoas idosas, senhoras, crianças que sofriam com a longa permanência nos carros, com o calor que fazia nessa época do ano (a carta era de 28 de novembro de 1976).

Somente se encontrou comida e bebida depois de resolvido o problema do descarrilamento e o trem pôde chegar até a estação de Bebedouro - esta, não tão próxima assim a Barrinha. "Os passageiros puderam ir ao bar da estação, muito mal instalado, onde um refrigerante era cobrado à razão de Cr$ 5,00. Um roubo! Um assalto! E a SUNAB não viu!" Bem, pelo que eu me lembro da SUNAB, era um órgão que nunca via nem fiscalizava nada, embora o motivo de sua existência tivessem sido exatamente esses. Quanto ao preço do refrigerante, equivalia a mais de dez vezes o preço de uma passagem de trem de subúrbios em São Paulo.

Prolongando o caso, a composição chegou a Barretos e voltou, partindo de Barretos às 23 horas e 20 minutos. Tudo correu bem até a estação de Americana, quando os passageiros foram avisados para descer do trem: houve um acidente na linha.  "Vocês se virem para chegar a São Paulo". Não devolveram as passagens, nem custearam hotéis em Americana, nem pagaram o transporte para o destino de cada um. O táxi para Campinas ficava em R$ 150,00 e o ônibus para São Paulo, R$ 15,00.

O comentário final do escritor da carta foi: "Alguma coisa precisa ser feita para salvar o que ainda resta das ferrovias do Estado de São Paulo. Se isso não puder ser feito, se estas prioridades tiverem que ser mantidas, liquide-se, então, de vez com as estradas de ferro e não se pense mais nisso!"

Foi exatamente o que a FEPASA acabou fazendo, deve ter gostado da ideia. Vinte e cinco anos depois, com serviços decaindo cada vez mais, os trens de passageiros acabaram. Na verdade, em 1976, a FEPASA declarava alto e em bom som, em jornais e rádios, que transporte de passageiros era coisa do passado, dava prejuízo e seria cortado. A pressão política das cidades, no entanto, mantiveram as linhas principais (troncos ex-CP, troncos Mogiana, Sorocabana e E. F. Araraquara) funcionando por mais tempo do que a FEPASA gostaria. Uma pena.

Um comentário:

  1. Querido e atento Ralph: Vi hoje na TV Cultura um desenho sobre locomotivas e trens e acho que se todas as crianças brasileiras pudessem assistir, talvez no futuro nossas ferrovias voltariam a ter o brilho e o glamour de tempos atrás. veja http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/diarinho/2014/05/09/interna_diarinho,502815/piui-piui-thomas-na-tv-cultura.shtml
    também recebi na caixa de correio eletrônico está matéria. Veja se não dá para mudar no futuro a decrepitude que assistimos hoje, para nós, que temos ferro nas veias. Um baraço , Jorge Machado
    http://jornalpequeno.com.br/2015/08/24/novo-trem-de-passageiros-da-efc-comeca-a-operar-em-setembro/


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