segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

RIOS (D)E LÁGRIMAS

Estarão estes belíssimos casarões ainda em pé hoje? Foto Adriano Martins em 2006.

O assunto dos dois últimos dias foram os rios. Hoje não deveria ser, mas falando de São Luiz do Paraitinga e sua tragédia de ano novo não dá para não se falar de um rio. O rio que dá parte do nome à cidade, o Paraitinga, um dos formadores do Paraíba do Sul. Foi ele o causador de uma tragédia.

Quem construiu Paraitinga nos anos 1700 certamente sabia o que estava fazendo. Usando como material a taipa de pilão, enfim, barro batido, os seus construtores sabiam que o material tem problemas com as águas. Então, jamais construiriam essa cidade em lugar propício a alagamentos. Muito menos a alagamentos com esse que ocorreu na cidade dois dias atrás. Não eram bobos. E se por acaso eles se enganassem, simplesmente mudavam a cidade de local, abandonando a anterior.

Demorou 241 anos para seus fundadores percebessem, se estivessem vivos, que ali alagava também. Porem, jamais a cidade havia presenciado uma corrente d’água desse tamanho. O casario — não todo de 1769, claro, mas feito aos poucos; a igreja de São Luiz de Tolosa, que desabou, era do século 19 — permaneceu mais de uma centena de anos em média em seu lugar. Enfim: eles não estavam errados.

Foi o excesso de chuvas que causou a enxurrada. Mas já choveu dessa forma nessa região várias e várias vezes. Talvez mais ainda do que no último dia do ano passado. Por que desta vez o rio encheu? Não li nada acerca disto até agora — teria havido alguma barragem sido aberta ali próximo? Ou alguma barragem, voluntária ou involuntariamente, teria sido feita a jusante do rio? Não conheço, realmente, o sistema por ali. Mas que não se culpe o vilão de plantão, o aquecimento global.

O fato é que oitenta por cento dos bens tombados na cidade tombaram (sem trocadilho, e segundo informação de um jornal de hoje) com a enchente. Haviam sido localizadas rachaduras na igreja há alguns meses, sim — mas, sem essa água, provavelmente nada aconteceria até que fossem reparadas. A cidade tem, segundo o arquiteto e restaurador Julio Dias de Moraes, orgulho de suas tradições, do seu casario, de sua religiosidade — então, já se fala em restauração, que, na verdade, será uma reconstrução, pois muita coisa desapareceu totalmente.

Eu, particularmente (sempre lembrando que não sou arquiteto nem entendo de construções), acho que o que caiu caiu. Uma reconstrução nos mesmos moldes e não nos mesmos materiais, que é o que se propõe neste instante de perda, para mim é uma heresia. Julio Moraes, no entanto, acha que não, que em Goiás Velho isso foi feito e que na Europa é muito comum — citando o exemplo do Palácio Real de Varsóvia, destruído na Segunda Guerra e reconstruído depois: “Ali a dizer que não conseguiram destruir a Polônia — todos sabem o que aconteceu na Polônia física, não se engana ninguém, e a reconstrução só aumentou o orgulho nacional.”

Uma entrevista telefônica de uma rádio com Percival Tirapelli realizada hoje dá uma opinião similar à de Julio, com Tirapelli citando que a cidade é um dos símbolos da recuperação do Estado no final do século 18 — época do Morgado de Mateus, colocado no posto de Governador exatamente para fazer o Estado crescer e sair da miséria de então.

Para mim, reles mortal, as ruínas (não o entulho, mas as paredes que sobraram das casas) deveriam ser mantidas e o que não caiu deveria ficar ali e ser recuperado sem riscos de nova ruína – se é que isto é possível nesse caso. Claro, tudo cuidado. Enfim, quem sou eu para ir contra as duas autoridades, uma delas grande amigo meu? Que seja feito o melhor para Paraitinga. E um novo começo para eles.

2 comentários:

  1. Também achei estranho fato desta enchente ser a maior em 241 anos, mas logo me lembrei da carta topográfica do IBGE de 1973 em que aparece a represa do rio Paraitinga em construção, poucos quilômetros à jusante de São Luís. Alguma influência da represa nesta enchente? Só um estudo mais detalhado para responder porque o rio de Paraitinga 'jogou água pra fora'.

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  2. Ralph, quero apenas corrigir um pequeno equívoco: sou restaurador, com a formação específica de restauro de obras de arte e complementos arquitetônicos, estendida pontualmente a outros temas, mas não sou arquiteto. Permito-me opinar eventualmente sobre temas envolvendo arquitetura, por entendê-la como parte de um conceito ou conjunto maior, mas estritamente em caráter pessoal, nunca profissional. Minha convivência com obras de arte integradas à arquitetura, com as questões imateriais implicadas e minha procupação com o patrimônio cultural como um todo, me levam a tentar compreendê-la ao menos como um dos seus componentes. Neste sentido e com esta intenção manifesto-me aos amigos com quem dialogo, no caso do patrimônio arquitetônico de São Luis do Paraitinga.

    Quanto ao percentual destruído, prefiro aguardar a avaliação de gente mais qualificada que jornalistas, em que pese a boa vontade destes.

    Um abraço,

    Julio Moraes.

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