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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

IMAGENS DO FIM DO RAMAL FERROVIÁRIO DE DESCALVADO

Este local, em Araras, chama-se "Facão". A fotografia dos trilhos seguindo de Araras para Remanso, ao fundo, foi tirada pouco antes de seu arrancamento em 2002, de sobre o viaduto na via Anhanguera. Hoje, nem sombra de linha por ali. Foto RMG.

Hoje eu estava revendo algum material que coletei durante os últimos dezenove anos de pesquisas sobre as ferrovias brasileiras.

Esta região do Estado de São Paulo foi a que primeiro me chamou a atenção. A região entre Cordeirópolis e Descalvado, pode ser percorrida, tendo as cidades sempre à sua direita quando você percorre a via Anhanguera entre os quilômetros 153 e 227 - exceto as duas cidades das extremidades, Cordeirópolis e Descalvado, que ficam à esquerda e não tão próximas à estrada quanto as da direita. Além disso, há o fato de Porto Ferreira ser um dos berços da minha família,
A linha em 1996, em Porto Ferreira, segue para a estação, vinda de Laranja Azeda; ao fundo, fará uma curva para a esquerda para chegar à estação da cidade. Também nada sobrou. Foto RMG.

A saída para Porto Ferreira e Descalvado é a mesma, no quilômetro 227. A primeira cidade, para a direita. A segunda, para a esquerda.

Por que este trecho? Na verdade, todas essas cidades foram formadas ao longo da inicialmente chamada de Estrada do Mogy-Guassu - que, depois, teria rapidamente o seu nome alterado para Ramal de Descalvado. Estamos, aqui, falando de uma estrada de ferro construída entre 1876 e 1881.

Inicialmente, esta era a linha-tronco da Companhia Paulista de Estradas de Ferro - começava em Jundiaí e seguia até Porto Ferreira, passando por Cordeiros (então um povoado no município de Limeira e que, a partir de 1944, tornou-se o município de Cordeirópolis) e terminando às margens do rio Mogi-Guaçu no Porto do Ferreira. De lá deveria cruzar o rio e seguir para Ribeirão Preto.

Por problemas políticos, a linha dobrou 90 graus a oeste e terminou em Descalvado, sem jamais cruzar o rio.

De Cordeiros, saía um ramal para Rio Claro, que,a partir de 1916, já esticado até São Carlos (e mais tarde, atingindo Colombia, às margens do rio Grande, na divisa São Paulo-Minas), foi transformado na nova linha-tronco e o ramal de Descalvado passou a existir com ramal.

Com isso, a eletrificação do tronco da Paulista, construída entre 1920 e 1928, entre Jundiaí e Rincão, não seguiu para o ramal. Os carros-restaurante pararam, com o tempo, de seguir, como antes seguiam, para Descalvado e o nome "ramal da fome" passou a ser usado para o trecho.

A decadência ferroviária chegou. Os ramais sofreram primeiro. O de Descalvado teve os trens de passageiros extintos entre Pirassununga e Descalvado em 1976 e entre Cordeirópolis e Pirassununga, em 1977. E, nos últimos anos, eram trens mistos, apenas. Isso significava trens sem horários de chegada definido.

Cargas pelo ramal seguiram até 1989, diminuindo ano a ano até seu fim.

Quando comecei a estudar o ramal, em 1996, ele não possuía movimento algum, apenas, eventualmente, de autos de linha. O mato existia, mas não tão intenso, pois a FEPASA era incompetente em 1996, mas ainda cuidava mal e mal do mato sobre os trilhos, mesmo em linhas sem tráfego. 
Foto do Jornal Regional de 9/6/1995: a estação já estava desativada havia dois meses. Dois dias depois, a cabine de controle seria destruída.

Nesse mesmo ano, os trilhos foram arrancados dentro da cidade de Descalvado. Em 1997, foram arrancados entre Descalvado e Araras. Em 2002, já com tudo abandonado, arrancaram os trilhos até Cordeirópolis. As estações que sobraram de pé foram abandonadas. De promessa em promessa, hoje, 2015, apenas Araras, Leme, Pirassununga, Porto Ferreira e Descalvado têm suas ex-estações em boa forma e com outros usos. Duas delas viraram terminais de ônibus.

Elihu Root e Laranja Azeda estão em péssimo estado de conservação. Remanso, São Bento, Souza Queiroz e Butiá, estações rurais, foram totalmente demolidas.

As fotografias que mostro mostram uma pequena parte das tragédias no rama hoje extinto.
Fotografias do mesmo jornal publicadas no mesmo dia da que está mais acima. Abandono total num prédio que deveria estar fechado e trancado, mas que foi invadido sob os olhos das autoridades. 

Cordeirópolis sofreu o primeiro golpe em 1991, com o famoso botequim de madeira construído em 1914 no centro da plataforma triangular da estação sendo destruído por um incêndio criminoso. Em abril de 1995, a estação foi fechada. Passageiros passaram a se utilizar apenas da plataforma para embarque e desembarque, passando a pagar as passagens do trem do tronco dentro dos carros de passageiros. Dois meses depois, a estação, já invadida, teve seus móveis roubados, depredações e documentos que ainda estavam no prédio espalhados pelo chão. Logo em seguida, outro incêndio, em 11 de junho desse mesmo ano, praticamente destruiu o velho prédio da cabine de comando da estação. A partir daí, o abandono da estação só foi piorando. Hoje, todo o telhado e o piso de madeira que sustentava o andar superior, bem como a escadaria de madeira, não existem mais. A estação é apenas uma carcaça de tijolos. Data de sua construção: 1876. Uma história de 140 anos jogada no lixo.

As outras fotografias, de minha autoria, mostram a linha em Porto Ferreira e em Araras, respectivamente em 1996 e em 2002, hoje, apenas uma saudade.

sábado, 7 de março de 2015

FERROVIAS NO BRASIL VIRAM POEIRA - E TINHAM MUITO AINDA PARA DAR.

Sabem onde ficam as estações de Rosario de São Paulo e de Monte Azul Paulista? Pois é, entre essas duas correram trens de passageiros, de 1910 até 1969. Eram da E. F. São Paulo-Goiaz, comprada em 1950 pela Cia. Paulista e com trilhos arrancados em 1969. A linha passava aqui, sentido Monte Azul (Foto R. M. Giesbrecht, 2000)
.

O Brasil inteiro está virando poeira. O presidente da Câmara é suspeito de um esquema que roubou milhões. O do Senado também. Um ex-presidente da República dos anos 1990 também. Diretores e sócios das maiores empreiteiras do país estão na cadeia. Um ex-presidente anuncia pela televisão que tem seu próprio exército particular, a popular milícia, ameaçando com ela quem não concorda com ele. Hospitais estão sem material, sem leitos, sem limpeza, sem lugares. Cadeias são em sua maioria uma piada. Menores de seis anos de idade assaltam pelas ruas. O número de mortes por assassinato é colossal. O prefeito da maior cidade de São Paulo picha as ruas livremente. Os impostos aumentam porque não há arrecadação que chegue. A presidente se esconde. Quando aparece, dá mais notícias para o povo em geral, que se contradizem totalmente com suas promessas de campanha. A polícia mata - quando tem razão, responde a processo. Quando não tem, também.

Enquanto isso, o ingênuo aqui vem falar de ferrovias e tentar defender o pouco delas que sobrou num país que tinha mais de 37 mil quilômetros de linhas com trens cargueiros e de passageiros e que hoje, com boa vontade, tem 10 mil - somente 2 mil quilômetros de passageiros na maioria em apenas duas linhas privadas.

A Argentina, também mal governada há dezenas de anos, ainda tem trens de passageiros e acaba de reformar uma linha, de Buenos Aires a Rosário, tornando-a eletrificada. E aqui em São Paulo, o único Estado da União que ainda promete que até 2020 teremos uma linha de passageiros ligando São Paulo a Americana, acaba de suspender obras em diversas linhas de metrô e na CPTM.

Qual é o segredo de se construir uma simples ferrovia nova? Parece que somente o Brasil ainda não descobriu. Eles já souberam um dia, mas parece que todos se esqueceram. Uma série de fotografias, todas tiradas por mim (onde não, o autor será citado), mostrará parte da hecatombe que houve no país que destrói seus próprios investimentos em infra-estrutura. A primeira foto, logo abaixo, mostra os trilhos recém arrancados em Laranja Azeda, sentido Pirassununga, ramal de Descalvado da Cia. Paulista. Aí correram trens de passageiros entre os anos de 1880 e de 1976.


Na foto abaixo, a linha que não existe mais mostra hoje apenas o leito do tronco original da Sorocabana entre as estações de Miranda Azevedo e de Paula Souza, em foto de 2001, sentido Paula Souza, municípios de Botucatu e Itatinga. Aí correram trens de 1895 a 1953. Vejam ao fundo uma ponte ainda existente e coberta de mato. Tentamos ultrapassá-la a pé, mas foi impossível, tanto mato havia sobre ela.


Mais uma fotografia mostra, também em 2001, o início do ramal de Itatinga, no seu início, na já demolida estação de Miranda Azevedo, seguindo até a estação velha de Itatinga. Outro que se foi, depois de prestar serviços entre 1914 e 1953.


Abaixo, uma foto de 2015 mostra uma ponte na região urbana de Rio Claro, tirada em janeiro deste ano, por onde passaram trens de passageiros, desde 1916 até 1998. Os trilhos nesse trecho foram-se em 2008, mas a ponte ficou, com dormentes apodrecendo ao tempo.


E outra foto mostra um ramal, o de Analândia, que saía também de Rio Claro e foi construído pela E. F. Rio Clarense em 1884, tendo sido adquirido pela Cia. Paulista oito anos depois. Trens de passageiros passaram por aí desde 1884 até 1966, quando arrancaram seus trilhos. Hoje serve de pista para bicicletas. Cara essa pista... talvez a mais cara do Brasil. A foto é de 2015.


Vejam abaixo um pontilhão, ou melhor, somente a sua cabeceira, pois ele deveria ser de ferro e foi arrancado em 1966. A linha que passava - ligava Mineiros do Tietê à estação de Campos Salles - sobre a estrada rodoviária era de 1887, e por ali os trens passaram até 1966. A foto foi tirada em 1997.


Mais desgraças (exagero meu?) são vistas nesta fotografia tirada em 1996 da rodovia que liga Pirassununga a Santa Cruz das Palmeiras e que mostra o leito (sentido Laranja Azeda), sem trilhos desde 1980, do ramal de Santa Veridiana, da Cia. Paulista. Trens circularam nesse ramal de 1891 até 1976.


Por fim, para coroar os absurdos feitos, alguns carros de passageiros que foram por anos utilizados pela Sorocabana e se estragaram no tempo, sem uso. As fotografias e composição são de Eric Mantuan.


Já entendeu por que você não anda de trem no Brasil? Não? Eu também não.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

LEME - UMA CIDADE QUE NASCEU EM VOLTA DE UMA ESTAÇÃO

Foto de 1910 - autor desconhecido
.

Quem olha para esta bela fotografia tirada em 1910 certamente não saberá qual ela é. Esse prédio não existe hã muito tempo. Ela existiu de 1891 a 1916. Embora a que a tenha substituído seja também bonita - segue o padrão das estações de Brotas, Torrinha, Sumaré e Araras - essa dos tijolinhos era mais bonita e aparentemente maior. Possivelmente incorporaria o armazém ferroviário.

Feia foi a primeira, de madeira. Não resistiu muito tempo - bom, até que sim, afinal, foram catorze anos (1877 a 1891). Possivelmente pequena - não havia nada ali quando foi erigida, apenas a linha, que, aliás, terminava ali. Não há, aparentemente, nenhum registro dessa estação de madeira, mas dela não se podia esperar grande coisa.
Anos 1950. Autor desconhecido
.

Terceira página do jornal A Província de S. Paulo de 23 de outubro de 1877. Uma notícia curta, que dizia apenas: "Precisa-se contractar até 300 trabalhadores para a construcção da estrada de ferro da estação Leme a Pirassununga. Para tratar com Squire Sampson na estação Leme."

Trata-se, portanto, da estação de Leme. O nome? Manuel Leme doou suas terras para a passagem da linha e construção do pátio ferroviário. O ramal de Descalvado, que começou a ser construído em 1875, saía de Cordeiros (hoje Cordeiropolis) e ficou pronto em 1881, quando chegou a Descalvado e ali parou. Deveria seguir até Ribeirão Preto e depois desviar para o oeste desconhecido até a velha cidade matogrossense de Santana do Paranaíba (hoje Paranaíba apenas - não confundir com a cidade que moro hoje, Santana de Parnaíba, e naquela época somente Parnahyba), para depois prossegiur por um caminho possivelmente nunca determinado com exatidão para chegar a Corumbá ou Cuiabá.
A estação ainda com trilhos, mas sem trens desde 1990. Foto minha
.

Ficou por Descalvado mesmo. A´segue-se uma longa história de brigas com a Mogiana e Rioclarense, que fez com que a Paulista somente chegasse ao rio Paraná em 1962 (e muito ao sul do objetivo inicial) e jamais a Ribeirão Preto. Porém, essas adversidades não impediram a Companhia Paulista de se tornar uma das mais eficientes enpresas ferroviárias do mundo.

Esse trecho, na verdade, foi parte do tronco da Paulista até 1916, quando decidiu-se que ele dobraria em Cordeiropolis, via Rio Claro, para Araraquara e Barretos, depois de ampliações de bitola - a Rioclarense tinha bitola métrica e jamais passou de Araraquara, bem como de Jaú, no sentido oeste. Os detalhes são muitos.

Leme hoje é uma cidade sossegada. calma, com pouco tráfego. Não há, curiosamente, tantas construções antigas - a maioria é mesmo posterior aos anos 1930. Tornou-se município em 1895. Não é tão pequena hoje, com quase 92 mil habitantes.

A estação de 1916 hoje é uma estação rodoviária - na verdade, o terminal de ônibus urbanos da cidade - depois de ter tido diversos usos, inclusive o abandono. Foi desativada por volta de 1990, mas os trens de passageiros foram-no antes, em fevereiro de 1977. Os trilhos foram arrancados em dezembro de 1997. Mais sobre a estação de Leme pode ser visto aqui.




sexta-feira, 22 de abril de 2011

MEMÓRIAS DO RAMAL DE DESCALVADO

Estação de Butiá, 1940 - o chefe de estação com a família e amigos.
Quando comecei a pesquisar a história da ferrovia no Brasil, fi-lo exatamente por este ramal da antiga Companhia Paulista: o ramal de Descalvado, que seguia para esta cidade partindo da estação de Cordeirópolis.

Hoje, procurando por alguns dados sobre a linha nos meus alfarrábios, encontrei várias fotografias e recortes que são interessantes. Seguem alguns.

Em 1976, o jornal O Ferreirense escrevia sobre o fim dos trens de passageiros no ramal e dava as justificativas da FEPASA sobre o tema (abaixo):
Em 1996, ainda havia trilhos no ramal, como em Pirassununga, onde eles corriam no canteiro central de uma avenida. A fotografia foi tirada por mim (abaixo):
Nos anos 1930, os bilhetes de staff para autorizar viagens entre determinados trechos no ramal (abaixo):
E também em 1996, uma passagem de nível já inútil no Remanso (abaixo). Hoje tudo isto está invadido por sem-terras.
E, senhores, há muitas mais, não só comigo, mas com a memória de seus antigos usuários. Quem viveu, viu. Se quiserem saber mais detalhes, vejam no meu livro Caminho para Santa Veridiana, que conta a história desse ramal e de seus três sub-ramais, inclusive o de Santa Veridiana.

segunda-feira, 14 de março de 2011

A ESTAÇÃO E CIDADE DE VINHEDO VISTA DA ALEMANHA

Carro da antiga Cia. Paulista virando poeira ao lado do museu de Vinhedo. Foto de janeiro de 2011. O que se pensar de um museu desses?
Recebi hoje um e-mail da Alemanha que me deixou muito feliz. Transcrevo-o abaixo sem colocar o nome da remetente, a qual não conheço e não sei se lhe interessaria ter o nome divulgado aqui. Depois mando, se ela me o permitir.

Bom dia, Ralph,

antes de mais nada, parabéns pela tua page sobre estacoes ferroviárias. Uma maravilha histórica, num país onde infelizmente a memória é desprezada e pisoteada. Com isso, são contribuicoes como a tua que fazem com que o interessado pelo menos consiga algum material para tentar entender um pouco da sua própria história.

Anexo uma foto que tirei em janeiro do corrente em Vinhedo. Tenho também foto da estação, ou melhor do que sobrou do prédio. Uma tristeza imensa de ver aquele abandono todo.

O meu interesse na ferrovia tem a ver com a minha história familiar, onde penso que o advento da ferrovia teve um papel preponderante, não obstante ninguém diretamente ter trabalhado nem na construção nem posteriormente no funcionamento.

Meu bisavô foi o primeiro pastor luterano que de fato fincou pé no interior do Estado de São Paulo, sendo o fundador de inúmeras comunidades e escolas. O seu envio ao Brasil em 1869 pela Missão da Basiléia tinha por objetivo atender espiritualmente os imigrantes de língua alemã cuja maioria nessa época encontrava-se nas fazendas de café.

Interessante observar que justamente nessa época começa a construção da estrada de ferro no interior do Estado, com o que, depois de o primeiro endereço dele ser lá pelos lados de Limeira, em 1874 encontro carta datada de "Rocinha, Estação Cachoeira".

Ao visitar essa estação em janeiro, chamou-me a atenção que, de fato, alguns prédios (penso que deva ser o que restou) apresentam características bem antigas e, se dependesse de mim, todo aquele pedaço, inclusive a estação seria tombado e tratado com o devido respeito.

Não deixa de ser um contrassenso em si mesmo o fato de em Vinhedo existir um Museu do Imigrante, uma construção caríssima e - a meu ver - totalmente destituída de sentido, pois o que existe dentro do prédio que se chama de Museu são apenas fotos antigas ampliadas para posters e, se for ver corretamente, tudo muito recente para se falar alguma coisa sobre Imigrantes. De fato, o que me pareceu ser antes o fato, de que algum político de plantão, descendente de algum imigrante mais recente,
resolveu assim fazer uma homenagem a si mesmo. Mas isso é mero palpite, uma vez que nada, mas nada mesmo encontrei naquele museu sobre imigração alemã de meados do século XIX, sendo que sei que por lá ainda hoje há descendentes desses imigrantes. Mas sobre sua história nada se sabe oficialmente.

Interessante é que aqui na Alemanha acaba-se encontrando muito mais material sobre esse Brasil do século XIX do que no próprio Brasil. No momento estou a ler o relatório de viagem de J. J. Tschudi, que em 1858 visitou como cônsul suíço para assuntos de imigração todas as colônias nas fazendas de café onde houvesse imigrantes de língua alemã. Interessantíssima história e não deixa de ser interessante também os seus comentários sobre a necessidade de uma estrada de ferro para escoamento do café e suas consideraçoes sobre a relação da futura ferrovia com a abolição dos escravos.

Desejo-te um excelente dia. Caso queira a foto da estação de Vinhedo,
terei prazer em enviá-la.

Grande abraço

Minha resposta está abaixo. Havia muito que responder, mas tentei ser bastante resumido em meu texto:

Obrigado por suas palavras com relação a meu site. É, museus no Brasil são assim mesmo - não vou dizer todos, mas 99% deles. O brasileiro ainda não percebeu que museu, para ser bom e atrair pessoas, precisa ser um senhor museu, e não um lugar que apenas junta "velharias". Não adianta algo que o sujeito visita, fica dez minutos (quando muito), e quando tem dúvida sobre algo, pergunta à pessoa - geralmente uma só - que "toma conta" do museu e a resposta é "não sei, estou aqui só para tomar conta".

Eu me recordo de duas vezes isso ter acontecido: uma na antiga usina elétrica de Emas (Pirassununga), onde existe um museu da região, e eu perguntei ao sujeito mal vestido que estava lá algumas coisas e ele me respondeu "desculpe, não sei nada, sou só faxineiro aqui". E olhe que o que mais tinha no museu era poeira... tudo extremamente empoeirado.

A segunda vez foi em Porto União, SC, onde havia uma moça - devia ter uns 18, 19 anos e, sinceramente, era uma das mulheres mais lindas que já vi, e que respondeu quando perguntei algo: "não sei, só tomo conta aqui, ainda sou estudante"... fica difícil. Não que beleza signifique necessariamente cultura ou interesse na área, mas acaba decepcionando mais ainda quem pergunta...

Acho, no entanto, que o conceito de pesquisa, cultura e preservação aqui está mudando rápido, para melhor, mas falta muito ainda a percorrer. Uma das coisas que se precisa eliminar é a concorrencia - o ciúme que uma associação tem da outra... não sei se isso existe na Europa também...

Obrigado, e mande por favor as fotos de Rocinha.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

CARTAS ESQUECIDAS

Os Silva Oliveira... Constança, Daniel e, em pé, Angélica, em 1916. Foto tomada em Porto Ferreira.

Piracicaba, 12 de junho de 1916

Maria

Cheguei de viagem (1) não tão bom como suppunha, pois, á noite, arranjei a minha costumeira dor de cabeça que eu havia prophetizado, em virtude do pince-nez, do pó e talvez da saudade. (...)

Minha terra está morta. Com a vinda das férias os estudantes zarparam. Os meus collegas, casados quase todos, não se atrevem mais a apparecer por estas plagas. (...)

Fui hoje entregar ao snr. Julio Pedroso e família as encomendas de seu Daniel e d. Constancia (2). Moram na casa da Empresa Telephonica e pelo que me falaram nunca sahiram daqui, depois que vieram de Descalvado e Porto Ferreira. Receberam-me affavelmente e a senhora do snr. Julio me contou que já sabia que tu eras minha noiva. Falamos, durante mais de uma hora, de Porto Ferreira e do pessoal dahi, que para elles, como para mim, quasi que se resume na família de teu pai. Prometteu, o Julio, arranjar o miesophone, si fosse possível e a Lucy não resistiu ao desejo infantil de abrir o pacote e ver o que é que a madrinha lhe mandava. (...)
Dahi mandar-me-ás algumas, especialmente sobre o estado de saúde do Joaquim (3). Como foste de festa de Pirassununga? (4) Ficaste para o baile ou decidiste mesmo voltar a assistir fitas no Condor? (...) (5)

É possivel que na volta, si não for incommodo ahi, eu leve commigo Sida (6), que com a mudança de escola vai ter uns quinze dias de férias.

Sem mais recommenda-me a todo o pessoal que forma a família Oliveira, não te esquecendo do Siqueira, Affonso e Rodello (7), emquanto te beijo humildemente as mãos

O teu Sud

Carta transcrita no português original.

(1) De Porto Ferreira, onde Sud Mennucci morava e estava então ainda noivo de minha avó Maria.
(2) Pais de Maria e meus bisavós.
(3) Um dos irmãos de Maria, 2 anos mais velho do que ela.
(4) Pirassununga, onde Maria estudava na Escola Normal e distante 20 km de Porto Ferreira.
(5) Cinema de Porto Ferreira na época.
(6) Irmã de Sud, mais nova.
(7) Futuros cunhados de Sud, menos Affonso que não tenho ideia de quem tenha sido.