Felipe VI de Espanha.
Em 1995, fiz uma viagem a serviço para Milão, na Itália. Como foi a empresa em que eu trabalhava que comprou as passagens e planejou a viagem, tomamos um vôo que ia de São Paulo a Madrid, Espanha, esperava cerca de seis horas nesse aeroporto e em seguida prosseguia para seu destino final.
Eu estava com um colega de firma. Quando desembarcamos do avião no aeroporto de Madrid, olhamos um para a cara do outro (era quase hora do almoço lá) e pensamos a mesma coisa: vamos tomar um ônibus e partir para conhecer o centro da cidade. Melhor do que ficar cabeceando de sono numa poltrona no aeroporto.
Chegamos ao cento e passamos a andar, por vários locais indicados, inclusive o palácio real de Juan Carlos I. Almoçamos em um pequeno restaurante a um ou dois quarteirões dali e depois, assistimos à nossa frente um transeunte ser assaltado por dois outros (equatorianos, pelo que soubemos depois). Nada como ver um assalto à sua frente em pleno primeiro mundo europeu.
Bom, nada muito mais a contar, voltamos ao aeroporto e tomamos o avião quase às seis horas da tarde para seguir viagem. Conheci Madrid no que pode ser chamado de "bate e volta", com direito a show de assalto ao vivo.
O curioso é que em 1995 ainda houvesse (e ainda há) um palácio real que serve como... palácio real. Vinte anos antes, Juan Carlos havia sido coroado logo após a morte do ditador e autoproclamado regente da monarquia espanhola Francisco Franco. Assim como Salazar em Portugal, ele conservou a velha Espanha em banho-maria, congelando-a no tempo desde a Guerra Civil do final dos anos 1930, que depôs a Segunda República e caiu nas mãos de um ditador que discordava de como o país estava sendo governado. Mais curioso ainda é ele ter optado pela volta da monarquia, indicando o filho de Alfonso XIII para sucedê-lo quando ele morresse, o que somente ocorreria em 1975.
O fato é que Juan (alguns o chamam de Juan III) tinha Franco como desafeto e não aceitava isso. Franco não ligou e disse que, se ele não quisesse o trono, seu filho mais velho o quereria. E acertou. Juan Carlos foi educado para ser rei.
A dinastia espanhola já estava capenga havia muito tempo. Atingiu seu auge no século XV e XVI, com os reis Habsburgos: o poderosíssimo Carlos V (Carlos I de Espanha), rei tanto de Espanha quanto Imperador do Sacro Império (ou o Primeiro Reich alemão, que realmente durou mil anos), Felipe II (aquele da Invencível Armada, que provou não ser tão invencível assim quando uma tempestade a destruiu durante a frustrada invasão da Inglaterra em 1588 que deveria depor sua ex-esposa, a rainha Elisabeth I), seus filhos Felipe III e IV, que não foram tão bons assim, mas que mantiveram o Império Espanhol na América e na África e Filipinas.
Essa dinastia acabou no final do século XVII, quando uma intervenção francesa conseguiu colocar no trono Felipe V, neto de Luís XIV de França. Já meio capenga, os Borbón espanhóis foram definhando até a invasão napoleônica. O então rei Carlos IV renunciou ao trono em favor de seu filho Fernando VII por pressão das tropas de Napoleão. Aliás, a renúncia de reis sempre foi uma constante no trono espanhol: Carlos I, Carlos IV, Afonso XIII (em 1931) e agora Juan Carlos, há alguns dias.
Perdendo praticamente todo seu império nas Américas no início do século XIX, o país foi empobrecendo tanto em dinheiro como em poder. Em 1868, a morte de Isabel III acabou por provocar um vazio de poder na realeza, vazio que quase foi preenchido por um nobre da família Hohenzolern, ou seja, dos reis da Prússia, talvez o país mais poderoso da Europa na época. A não nomeação acabou por ser um dos pretextos para a eclosão da guerra franco-prussiana, que acabou de vez com a monarquia francesa e que teve como consequência o beligerante Segundo Reich alemão em 1870.
Neste ano, as cortes espanholas colocaram um rei italiano no poder, Amadeu. Ele ficou três anos e (também) renunciou. Proclamou-se a Primeira República. Com isso, pressões internas colocaram no trono, restabelecendo a monarquia, o rei Afonso XII, filho de Isabel II e preterido quando de sua morte. Em 1885, ele faleceu e seu filho Afonso XIII, ainda no ventre materno, foi proclamado rei. Coroado em 1901, renunciou em 1931, gerando a Segunda República espanhola e, indiretamente, a Guerra Civil de 1936-39.
Com tanta confusão, essa monarquia, fundada em 717 d.c. por um rei de nome Pelaio (ou Pelágio), hoje não passa de um fantasma do que já foi. Juan Carlos, se fossem tempos de Felipe II, não mandaria Hugo Chavez calar a boca, mandaria cortar-lhe a cabeça. Apesar disso, Juan Carlos tem um pouco mais de poder no governo do que a famosa e histórica monarquia inglesa em tempos atuais.
Ele conseguiu controlar uma rebelião militar no Congresso espanhol em 1981, o que lhe deu uma admiração muito grande por seus súditos. Porém, uma série de decisões infelizes nos últimos anos levou parte da população espanhola a questionar a necessidade de uma monarquia - mesmo que esta vá completar 1.300 anos daqui a três anos. Juntando a seus problemas de saúde, renunciou na semana passada num gesto surpreendente, passando o trono a seu filho Felipe - Felipe VI, o primeiro Felipe depois de trezentos anos.
Não sei, realmente, qual o poder político e na direção de seu país que o novo rei terá. Sei que há diversos espanhóis questionando a monarquia que continua, depois de tantas interrupções nos últimos duzentos anos, mas o fato é que em minha opinião, os reis existem devido à religiosidade dos povos. Eles são, de acordo com as definições de outrora, os representantes do poder divino na Terra.
Feliz é o país que ainda tem uma monarquia, mesmo que seja com pouquíssimos poderes. Ela une os povos. Ela incentiva o povo a ter uma nacionalidade. Sim, é verdade que houve reis loucos, assassinos, ruins e bons, mas sempre eram substituídos pela morte "de morte morrida" ou pela "morte forçada". O Rei morreu. Viva o Rei.
Que saudades de Pedro II - que não conheci, obviamente, pois nasci sessenta anos depois de sua morte. Afinal,a República nunca deu certo por aqui. Se não fosse ele, o Brasil não existiria como tal.
A monarquia é mais forte que uma república, ditadura, etc. Francisco José de Áustria conseguiu segurar um Império (o Austro-Húngaro, uma espécie de dissidência do Sacro Império) por mais de setenta anos, com inúmeras nacionalidades e religiões porque ele era o Imperador respeitado de todos.
O que é a Austria hoje? Talvez um excelente país para se viver, mas é um país menor do que o Estado de São Paulo. Enquanto isso, os países que se desmembraram dela após a Primeira Guerra Mundial sofreram com o comunismo, ditaduras e guerras durante boa parte do século XX.
Finalmente, voltando à Espanha - conseguirá Felipe VI segurar os bascos e catalães louquinhos para se separar da Espanha (originalmente, a junção dos reinos de Leão e Castela - daí vem o nome "língua castelhana", e não espanhola, pois no país se falam diversas línguas, como o castelhano, basco, catalão e galego - nenhuma delas é o espanhol. Apenas o castelhano é a preponderante).
Força, Felipe VI. Que conte com o suporte de seus súditos espanhóis.
segunda-feira, 23 de junho de 2014
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Ao que parece, embora com bastante esforço e renúncias, tem dado certo. Vida longa ao Rei 👑
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