Maravilhoso texto escrito em 2015 e publicado no Facebook sobre a antiga Estrada de Ferro Oeste de Minas. Reproduzo-o abaixo. Seu autor é Carlos Antonio Pinto, que, claramente, "sente" a história da ferrovia enquanto a relata.
O ano era 1933 como atesta a foto. Ao terminar um reparo ou reforço no pequeno pontilhão da linha férrea, o pedreiro da EFOM achou tempo para confeccionar, caprichosamente, em alto relevo, com pedrinhas brancas minúsculas coladas, a data: precisamente, trinta de junho de mil novecentos e trinta e três.
Teria feito por conta própria ou foi por ordem de seu chefe na EFOM? De qualquer forma, o escrito, de modo nítido, resiste ao tempo e provavelmente terá, ao final, vida bem mais longa que aquela estrada de ferro já teve.
Esse vestígio da estreita linha da “bitolinha” estava oculto e se revelou após uma queimada. Fica entre Bom Sucesso e Oliveira, cidades entre o sul e o centro oeste mineiro; tal vestígio foi avistado por mim enquanto viajava pela Linha Nova – parei o trem e fui fotografar.
Linha Nova é a linha que foi construída em substituição ao traçado da antiga “bitolinha” – a “bitolinha” era de bitola 0,76 m, a Linha Nova é em bitola de 1,0 m, porém com infraestrutura ideal para receber a nossa bitola larga. A Linha Nova está compreendida entre Lavras e Divinópolis, e por todo esse percurso sempre se tem à vista os vestígios da antiga “bitolinha”, o “caminho” dela.
Mas a “bitolinha”, como sabemos, foi maior. Partia de Sítio (atual cidade de Antonio Carlos) e seguia para São João Del Rei e daí é que seguia para os lados de Lavras. No entanto, Lavras e Ribeirão Vermelho eram mero ramal da “bitolinha”, que bifurcava a partir de uma estação chamada de Aureliano Mourão (próxima a Bom Sucesso). Ramal sim, apesar de importante pelo contato com a navegação em Ribeirão Vermelho (que antes fora distrito de Lavras).
O ano era 1933 como atesta a foto. Ao terminar um reparo ou reforço no pequeno pontilhão da linha férrea, o pedreiro da EFOM achou tempo para confeccionar, caprichosamente, em alto relevo, com pedrinhas brancas minúsculas coladas, a data: precisamente, trinta de junho de mil novecentos e trinta e três.
Teria feito por conta própria ou foi por ordem de seu chefe na EFOM? De qualquer forma, o escrito, de modo nítido, resiste ao tempo e provavelmente terá, ao final, vida bem mais longa que aquela estrada de ferro já teve.
Esse vestígio da estreita linha da “bitolinha” estava oculto e se revelou após uma queimada. Fica entre Bom Sucesso e Oliveira, cidades entre o sul e o centro oeste mineiro; tal vestígio foi avistado por mim enquanto viajava pela Linha Nova – parei o trem e fui fotografar.
Linha Nova é a linha que foi construída em substituição ao traçado da antiga “bitolinha” – a “bitolinha” era de bitola 0,76 m, a Linha Nova é em bitola de 1,0 m, porém com infraestrutura ideal para receber a nossa bitola larga. A Linha Nova está compreendida entre Lavras e Divinópolis, e por todo esse percurso sempre se tem à vista os vestígios da antiga “bitolinha”, o “caminho” dela.
Mas a “bitolinha”, como sabemos, foi maior. Partia de Sítio (atual cidade de Antonio Carlos) e seguia para São João Del Rei e daí é que seguia para os lados de Lavras. No entanto, Lavras e Ribeirão Vermelho eram mero ramal da “bitolinha”, que bifurcava a partir de uma estação chamada de Aureliano Mourão (próxima a Bom Sucesso). Ramal sim, apesar de importante pelo contato com a navegação em Ribeirão Vermelho (que antes fora distrito de Lavras).
A linha tronco da “bitolinha” se estendia além da mesma Aureliano Mourão
já citada e prosseguia até Paraopeba (cidade) e isso fica bem além de
Divinópolis. Não sei a total extensão, mas é fácil descobrir; nosso ponto é
outro. Quem mais curtiu (se quisera ter curtido, claro) os vestígios da
“bitolinha” é quem viajou pela Linha Nova. Nesse caso, um maquinista – meu caso
– poderia viajar ao mesmo tempo em duas linhas: em uma, conduzindo um trem; na outra,
com a imaginação.
Quantas vezes, no comando de uma Diesel, me peguei imaginando a conduzir a (a vapor) Baldwin 68 ou a 42 lá naquele agora rastro deixado pela linha da “bitolinha”? Nem sei! Gostava de viajar de dia para fazer, bem feitas, essas duas viagens ao mesmo tempo. À noite eu não via nada além do farol à frente, mas sobrava ainda a imaginação: não via os vestígios, mas sabia onde estavam. Estavam lá, no breu, o rastro, aqueles pontilhões, pontes e ruínas de estação – algumas ainda de pé e habitáveis. Alguns vestígios ficam perto da Linha Nova, outros ficam longe; por vezes estão de um lado e somem e depois aparecem do outro.
Os vestígios, claro, se desfazem com o tempo. Até 1990, por exemplo, se via, na serra da Folha Larga um pontilhão curto, mas alto e medonho, da “bitolinha”. Via-se que deixaram em cima dele dormentes e fração de linha bitolada. Ninguém, ao tirar os trilhos daquele trecho na desativação, se empenhou em tirar os dormentes e os trilhos de tal viaduto. Depois de tanto tempo a resistente madeira dos dormentes se desintegrou, eu presenciei; e os trilhos devem ainda estar por lá, não sei.
Mas eis o “privilégio”: estar dentro de uma moderna locomotiva diesel em movimento e ainda poder ver ao lado os “dragões-de-fogo” do passado a resfolegar. É ato único. Era fácil ver a fumaça misturada ao vapor deixada no ar; era fácil ver um trem parado pegando água nas caixas d’água; era fácil ver o pessoal sobre a plataforma da estação olhando o lado de que surgiria o trem. Era também possível ver o foguista a manusear a lenha; era possível saber se o maquinista punha ou tirava potencia das braçagens. Em alguns casos era possível escutar o alarido.
Pois bem: vestígios da bitolinha ainda há e muito.
Carlos Antonio Pinto (em 25/02/2015).
Quantas vezes, no comando de uma Diesel, me peguei imaginando a conduzir a (a vapor) Baldwin 68 ou a 42 lá naquele agora rastro deixado pela linha da “bitolinha”? Nem sei! Gostava de viajar de dia para fazer, bem feitas, essas duas viagens ao mesmo tempo. À noite eu não via nada além do farol à frente, mas sobrava ainda a imaginação: não via os vestígios, mas sabia onde estavam. Estavam lá, no breu, o rastro, aqueles pontilhões, pontes e ruínas de estação – algumas ainda de pé e habitáveis. Alguns vestígios ficam perto da Linha Nova, outros ficam longe; por vezes estão de um lado e somem e depois aparecem do outro.
Os vestígios, claro, se desfazem com o tempo. Até 1990, por exemplo, se via, na serra da Folha Larga um pontilhão curto, mas alto e medonho, da “bitolinha”. Via-se que deixaram em cima dele dormentes e fração de linha bitolada. Ninguém, ao tirar os trilhos daquele trecho na desativação, se empenhou em tirar os dormentes e os trilhos de tal viaduto. Depois de tanto tempo a resistente madeira dos dormentes se desintegrou, eu presenciei; e os trilhos devem ainda estar por lá, não sei.
Mas eis o “privilégio”: estar dentro de uma moderna locomotiva diesel em movimento e ainda poder ver ao lado os “dragões-de-fogo” do passado a resfolegar. É ato único. Era fácil ver a fumaça misturada ao vapor deixada no ar; era fácil ver um trem parado pegando água nas caixas d’água; era fácil ver o pessoal sobre a plataforma da estação olhando o lado de que surgiria o trem. Era também possível ver o foguista a manusear a lenha; era possível saber se o maquinista punha ou tirava potencia das braçagens. Em alguns casos era possível escutar o alarido.
Pois bem: vestígios da bitolinha ainda há e muito.
Carlos Antonio Pinto (em 25/02/2015).
Maravilhoso mesmo, Ralph. O Carlos Antonio Pinto escreve muito bem, e com alma. É o Saint-Exupéry das ferrovias.
ResponderExcluirTexto emocionante. Minha história é a ferrovia e me comovo com cada depoimento que leio. Nossa história está se esvaindo junto com a fumaça da locomotiva.
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