Nos últimos dias tivemos diversas notícias sobre os VLTs pelo Brasil afora. Embora algumas notícias sejam até otimistas, há outras que são tipicamente brasileiras.
Em Sobral, Ceará, o projeto, que dizem que sai até o fim do ano que vem (!!) pretende utilizar os trilhos que passam dentro da cidade e que são da antiga Linha Norte da extinta Rede de Viação Cearense, além de ter um ramal que seguirá pelo leito desativado do esquecido ramal de Camocim (fechado em 1978) e outro que terá de ser construído em leito a ser aberto.
Esta linha deve ter movimento razoável, pois é a que liga os estados de Pernambuco e Paraíba ao porto de Itaqui no Maranhão. Uma fotografia que vi do pátio da estação de Sobral, pelo menos, mostra uma quantidade considerável de vagões estacionados.
Já em Santos, aqui em São Paulo, as notícias são que o VLT, que seguirá pela linha do abandonado ramal de Santos a Juquiá, “somente poderá iniciar seu tráfego em 2012”, pois antes, tem o projeto, tem aprovação, tem isso, tem aquilo e tem a própria construção de estações, readaptação de linha, etc. Cheira a pavio queimado, mas quem sabe sai mesmo? Por que o de Sobral pode ser o ano que vem e o de Santos não? Quem está mentindo mais nessa história?
Já em Campinas, também São Paulo, única cidade do Brasil que já teve um VLT (entre 1991 e 1995), que percorria parte das antigas linhas da Sorocabana e da Mogiana então desativadas da cidade (em bitola larga e não métrica, já que as linhas tiveram as bitolas alargadas no caso), teve os trilhos retirados depois de 14 anos de uso algum e estações totalmente abandonadas. O que vai se fazer com o leito? Dizem que vai ser usado para VLPs (ônibus, enfim, que correm por uma rua exclusiva), outros que para a construção de uma avenida (lembrem-se que prefeituras adoram avenidas). A foto lá em cima, de Luiz Souza, mostra um dos viadutos por onde passava o VLT já sem trilhos, só dormentes.
Esses trilhos, que não serviam infelizmente para nada, serão transferidos para a linha Taquaral-Anhumas, que fará com que o trem turístico a vapor da ABPF que hoje parte de Anhumas e segue para Jaguariúna passe a partir do Parque Taquaral.
Finalmente, em Vitória, Espírito Santo, mais uma vez tivemos um caso de promessa de campanha que deu em nada. O prefeito da cidade eleito em 2004 prometeu fazer um VLT. Mostrou animação gráfica, tudo. E hoje, já no segundo mandato, está sendo cobrado e nada. Diz ele que “continua apostando na ideia do metrô, embora reconheça a dificuldade de colocar o projeto em prática - em função da falta de parcerias e também da crise financeira” (fonte: Gazeta on Line).
São cinco anos de projeto e nada de construção ou aprovação. "Precisamos desse apoio. Até porque, como o próprio nome diz, é um transporte metropolitano. Então o gasto não pode ser de apenas uma prefeitura", falou ele em 2007. Claro: ele não sabia disso (???). Esbarrando na falta de apoio político, o projeto também encontrou barreiras nos empresários do setor de transportes. Com a redução da frota de ônibus prevista no projeto do VLT, houve uma ameaça de que trabalhadores do setor se posicionassem contra a ideia, temendo o desemprego. Ou seja: o lobby atacou e o prefeito ficou com medo (como se um VLT fosse passar por todos os lugares que os ônibus passam hoje em uma cidade como Vitória).
terça-feira, 29 de setembro de 2009
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
DESAPROPRIAÇÕES
Ontem saiu no jornal uma reportagem sobre o traçado da linha 5 do metrô unindo o Largo Treze à estação Chácara Klabin. Cada uma das pessoas entrevistadas conta o seu drama, que não quer sair da casa, conta suas lembranças, alegrias e tristezas depois de morar ali durante até cinquenta anos.
Uma senhora diz que se mudou para a avenida Santo Amaro há cinquenta anos quando ela ainda era de terra... acho que ela está enganada quanto à terra, mas de qualquer forma, ela deve ter visto uma série de modificações muito grandes durante todo esse tempo. Duplicação, ônibus, ônibus elétrico, depois tiraram o ônibus elétrico e fizeram corredor com ônibus comum, o silencio da época da mudança e a barulheira insuportável que certamente existe hoje.
Do barulho na avenida ela certamente não se recordará com satisfação. Ele já existe há muito tempo. Há mais de vinte anos, eu costumava fazer meus óculos numa loja na mesma avenida, mais para o começo dela. Se a loja não fechava as portas, não era possível ouvir o que o vendedor falava no balcão. Com portas fechadas, melhorava... um pouco.
As pessoas querem não receber dinheiro exatamente pela desapropriação, mas em alguns casos querem uma outra casa, igualzinha àquela. Isso jamais será possível numa cidade de apartamentos e onde a gente fica surpresa que ainda há pessoas que moram em casas sem muros altos (é o caso dela) e ainda por cima numa avenida cheia de ônibus, barulho e poluição do ar.
A maioria, no entanto, aceita a desapropriação, mas tem dúvidas de quanto e quando o Governo pagará. Em um País onde quem tem um pouco de cultura e de educação não acredita em Governo algum (e tem motivos para isso), não há nada de estranho nas preocupações.
Lembro-me de algumas desapropriações que ocorreram na minha família. Foram todas na mesma época, quando Faria Lima e Figueiredo Ferraz, prefeitos entre 1966 e 1973, desapropriaram a casa que foi de meus bisavós Mennucci, na avenida Rudge, para duplicação da rua (meus bisavós já haviam morrido havia trinta anos, a casa estava nas mãos de inúmeros herdeiros e alugada). Cada um dos herdeiros recebeu uma miséria.
Depois veio a casa de meus tios-avós Angélica e Siqueira, na rua Vergueiro, 2024, junto com todas as casas do lado par da rua entre a rua Stella e a rua Neto de Araújo para fazer o metrô e depois duplicar a rua. Meu tio jamais perdoou a Prefeitura pela desapropriação, achava que ela não tinha esse direito e ele gostava da casa. Morreu amargurado oito anos depois, em 1977. Nas 3 fotos acima: a mais em cima é de 1969, a casa de minha tia é a casa da esquerda; a da direita, geminada, era a da dona Ciriaca, a vizinha, que, aliás, aparece na foto. A segunda foto mostra o lado oposto da casa, a saída da sala de jantar para o quintal traseiro. A terceira mostra o mesmo local, hoje (repare no prédio atrás). Uma ou duas lojas ocupam o que deve ter sido o fundo do quintal da casa. A pista que não se vê passa por cima da casa e de parte do quintal. A que se vê sempre existiu e era de paralelepípedos, como pode ser visto na foto de cima.
Finalmente, a casa da minha avó, na avenida Doutor Arnaldo, 1388, para que se duplicasse a rua, mas, antes, se cavasse ali um enorme buraco para que abaixo cruzasse a avenida Paulo VI. A Doutor Arnaldo ali hoje tem um viaduto que originalmente não existia. Isto foi por volta de 1969.
Minha avó morou ali somente por três anos; havia comprado a casa em 1966 para substituir a da Capitão Cavalcanti, na Vila Mariana, onde havia morado desde 1929. Com a demolição, voltou para a Vila Mariana, na rua Azevedo Macedo, 112, onde também morou por 2 ou 3 anos e depois se mudou para outra, a um quarteirão dali.
Enfim: não adianta chorar. Se for desapropriado, entregue as chaves. Não tem jeito. As lembranças são e sempre serão somente lembranças. E não se esqueça de tirar fotografias. Elas sempre farão falta.
Uma senhora diz que se mudou para a avenida Santo Amaro há cinquenta anos quando ela ainda era de terra... acho que ela está enganada quanto à terra, mas de qualquer forma, ela deve ter visto uma série de modificações muito grandes durante todo esse tempo. Duplicação, ônibus, ônibus elétrico, depois tiraram o ônibus elétrico e fizeram corredor com ônibus comum, o silencio da época da mudança e a barulheira insuportável que certamente existe hoje.
Do barulho na avenida ela certamente não se recordará com satisfação. Ele já existe há muito tempo. Há mais de vinte anos, eu costumava fazer meus óculos numa loja na mesma avenida, mais para o começo dela. Se a loja não fechava as portas, não era possível ouvir o que o vendedor falava no balcão. Com portas fechadas, melhorava... um pouco.
As pessoas querem não receber dinheiro exatamente pela desapropriação, mas em alguns casos querem uma outra casa, igualzinha àquela. Isso jamais será possível numa cidade de apartamentos e onde a gente fica surpresa que ainda há pessoas que moram em casas sem muros altos (é o caso dela) e ainda por cima numa avenida cheia de ônibus, barulho e poluição do ar.
A maioria, no entanto, aceita a desapropriação, mas tem dúvidas de quanto e quando o Governo pagará. Em um País onde quem tem um pouco de cultura e de educação não acredita em Governo algum (e tem motivos para isso), não há nada de estranho nas preocupações.
Lembro-me de algumas desapropriações que ocorreram na minha família. Foram todas na mesma época, quando Faria Lima e Figueiredo Ferraz, prefeitos entre 1966 e 1973, desapropriaram a casa que foi de meus bisavós Mennucci, na avenida Rudge, para duplicação da rua (meus bisavós já haviam morrido havia trinta anos, a casa estava nas mãos de inúmeros herdeiros e alugada). Cada um dos herdeiros recebeu uma miséria.
Depois veio a casa de meus tios-avós Angélica e Siqueira, na rua Vergueiro, 2024, junto com todas as casas do lado par da rua entre a rua Stella e a rua Neto de Araújo para fazer o metrô e depois duplicar a rua. Meu tio jamais perdoou a Prefeitura pela desapropriação, achava que ela não tinha esse direito e ele gostava da casa. Morreu amargurado oito anos depois, em 1977. Nas 3 fotos acima: a mais em cima é de 1969, a casa de minha tia é a casa da esquerda; a da direita, geminada, era a da dona Ciriaca, a vizinha, que, aliás, aparece na foto. A segunda foto mostra o lado oposto da casa, a saída da sala de jantar para o quintal traseiro. A terceira mostra o mesmo local, hoje (repare no prédio atrás). Uma ou duas lojas ocupam o que deve ter sido o fundo do quintal da casa. A pista que não se vê passa por cima da casa e de parte do quintal. A que se vê sempre existiu e era de paralelepípedos, como pode ser visto na foto de cima.
Finalmente, a casa da minha avó, na avenida Doutor Arnaldo, 1388, para que se duplicasse a rua, mas, antes, se cavasse ali um enorme buraco para que abaixo cruzasse a avenida Paulo VI. A Doutor Arnaldo ali hoje tem um viaduto que originalmente não existia. Isto foi por volta de 1969.
Minha avó morou ali somente por três anos; havia comprado a casa em 1966 para substituir a da Capitão Cavalcanti, na Vila Mariana, onde havia morado desde 1929. Com a demolição, voltou para a Vila Mariana, na rua Azevedo Macedo, 112, onde também morou por 2 ou 3 anos e depois se mudou para outra, a um quarteirão dali.
Enfim: não adianta chorar. Se for desapropriado, entregue as chaves. Não tem jeito. As lembranças são e sempre serão somente lembranças. E não se esqueça de tirar fotografias. Elas sempre farão falta.
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domingo, 27 de setembro de 2009
CARROS ANTIGOS
Em mais um documento do tempo dos Afonsinhos, datado de 1940, o “Levantamento Estatístico dos Veículos Registrados no Estado de São Paulo durante o ano de 1940”, da “Directoria do Serviço de Trânsito do Estado de S. Paulo – 1ª Secção – Estatística”, batido a máquina e com marcas de água suja (quem terá jogado água no documento de cinco folhas?), podemos extrair alguns dados no mínimo curiosos.
Havia exatos 32.905 automóveis (ou veículos de tração motora) na Capital de São Paulo. 19.836 automóveis particulares, 2.301 de aluguel (táxis), 7.925 caminhões, 834 ônibus, 624 motocicletas, 35 mototriciclos (?) e 1 “outros”, além de veículos do serviço público (ambulâncias, carros de presos etc.).
A relação diferenciava quanto aos “tipos” também: Sedans estavam em primeiro lugar, com 15.918 unidades.Depois, vinham “turismo”, “coupê”, “coach”, “barata”, “cabriolet” e outros menos votados.
E por marca? Ford e Chevrolet lideravam entre os automóveis: respectivamente, 11.159 e 10.853. Longe delas, a terceira colocada era a International. Depois vinham 71 diferentes marcas e as “outras”. Havia nesse meio Rolls-Royce, Studebacker, Fiat, Austin, DKW, Lincoln, Lincoln Zephyr, Chrysler, Mercedes, e outras estranhas, como Henschel, Graham Peige, Fargo, Erekine, De Soto, Auburn, Oackland, Wippet...
Ainda havia a “tração animada”, onde lideravam as bicicletas, seguidas muuuuuito de longe pelas “carroças 2 rodas com molas” e pelas “carrocinhas de mão” – o popular “burro sem rabo”. Havia 71 triciclos e apenas um carro de boi em todo o município... e também existiam “aranhas rural”, “aranhas com rodas de borracha” e “aranhas com rodas de ferro”. Realmente, não sei o que é (era) isto.
Na relação do interior, havia 38.784 veículos motor. Havia mais caminhões do que automóveis particulares. Como na Capital, a Ford e a Chevrolet lideravam facilmente e tinham números quase iguais. E a tal da International era a terceira colocada também. Em motocicletas, lideravam a NSU, seguidas da DKW e da Harley-Davidson.
Não tenho a menor ideia de quantos carros, caminhões, ônibus, motocicletas e carros de boi existem hoje em dia por todo o Estado. Nem quantas marcas. Só sei que há demais.
O sujeito que se dispôs a fazer essa lista deve ter tido um trabalho imenso. Como essa lista veio parar nas mãos de meu avô eu não sei. Como veio parar na minha mão mais de 50 anos depois eu sei.
Esses carros, que sofriam pra burro junto com seus chaffeurs trafegando em ruas e estradas de terra e vivendo em atoleiros foram realmente heróis. Poucos deles devem ainda estar inteiros nas mãos de colecionadores ou enferrujando em algum terreno baldio. Meus respeitos a todos eles.
Havia exatos 32.905 automóveis (ou veículos de tração motora) na Capital de São Paulo. 19.836 automóveis particulares, 2.301 de aluguel (táxis), 7.925 caminhões, 834 ônibus, 624 motocicletas, 35 mototriciclos (?) e 1 “outros”, além de veículos do serviço público (ambulâncias, carros de presos etc.).
A relação diferenciava quanto aos “tipos” também: Sedans estavam em primeiro lugar, com 15.918 unidades.Depois, vinham “turismo”, “coupê”, “coach”, “barata”, “cabriolet” e outros menos votados.
E por marca? Ford e Chevrolet lideravam entre os automóveis: respectivamente, 11.159 e 10.853. Longe delas, a terceira colocada era a International. Depois vinham 71 diferentes marcas e as “outras”. Havia nesse meio Rolls-Royce, Studebacker, Fiat, Austin, DKW, Lincoln, Lincoln Zephyr, Chrysler, Mercedes, e outras estranhas, como Henschel, Graham Peige, Fargo, Erekine, De Soto, Auburn, Oackland, Wippet...
Ainda havia a “tração animada”, onde lideravam as bicicletas, seguidas muuuuuito de longe pelas “carroças 2 rodas com molas” e pelas “carrocinhas de mão” – o popular “burro sem rabo”. Havia 71 triciclos e apenas um carro de boi em todo o município... e também existiam “aranhas rural”, “aranhas com rodas de borracha” e “aranhas com rodas de ferro”. Realmente, não sei o que é (era) isto.
Na relação do interior, havia 38.784 veículos motor. Havia mais caminhões do que automóveis particulares. Como na Capital, a Ford e a Chevrolet lideravam facilmente e tinham números quase iguais. E a tal da International era a terceira colocada também. Em motocicletas, lideravam a NSU, seguidas da DKW e da Harley-Davidson.
Não tenho a menor ideia de quantos carros, caminhões, ônibus, motocicletas e carros de boi existem hoje em dia por todo o Estado. Nem quantas marcas. Só sei que há demais.
O sujeito que se dispôs a fazer essa lista deve ter tido um trabalho imenso. Como essa lista veio parar nas mãos de meu avô eu não sei. Como veio parar na minha mão mais de 50 anos depois eu sei.
Esses carros, que sofriam pra burro junto com seus chaffeurs trafegando em ruas e estradas de terra e vivendo em atoleiros foram realmente heróis. Poucos deles devem ainda estar inteiros nas mãos de colecionadores ou enferrujando em algum terreno baldio. Meus respeitos a todos eles.
sábado, 26 de setembro de 2009
COMO SE SATISFAZ UM CLIENTE
Há cerca de uns quinze anos, minha esposa Ana Maria foi a um restaurante no Shopping Center Norte junto com um casal americano. Na hora de trazerem a comida pedida, aconteceu um fato que em um restaurante que se preze não pode ocorrer. O pior é que era um restaurante do qual Ana e eu sempre gostamos, tanto pelo ambiente quanto pela comida. Ela se queixou ao garçon e depois ao maitre, que pouco se lixaram para a ocorrência e ainda cobraram pelo prato no final.
Ela chegou em casa e me contou o que aconteceu. Eu (naquele tempo ainda dava tempo de fazer essas coisas) escrevi imediatamente uma carta relatando o ocorrido e meu desapontamento com o fato e enviei pelo correio para o endereço pelo qual procurei na lista telefônica (ainda não existia e-mail na época e, incrível, existia lista telefônica decente!).
Passaram-se alguns dias e recebi um telefonema. Era o dono da cadeia de restaurantes. Ele me disse que lamentava o fato e que queria me fazer uma visita. Eu lhe disse que morava em Alphaville, portanto não era perto. Ele disse que não fazia mal. Marcamos uma hora e ele foi à minha casa num sábado à tarde.
Muito simpático, pediu mil desculpas, pediu que eu não deixasse que isso causasse uma impressão definitiva de seus restaurantes e que eu aceitasse um presnte. Ele me trouxe um enorme bolo, maravilhoso. Conversamos por um bom tempo e eu lhe disse que eu e Ana sempre gostamos do restaurante e que por isso mesmo ficamos até surpresos que o que aconteceu tenha ocorrido ali. No meio da conversa, an-passant, disse-lhe que adorava a torta de chocolate com sorvete de creme que eles faziam.
Finalmente ele se despediu e foi embora. Nós saímos também um pouco depois e voltamos somente à noite. Descobrimos então que ele havia retornado e trazido a tal torta com o sorvete e tudo e deixado com um de meus filhos.
Lembrei-me bem disso quando três dias atrás surgiu uma longa discussão gerada por um blog de um sujeito que foi a um restaurante na Vila Madalena, sentiu-se pessimamente servido e colocou isso claramente no seu blog, o que gerou diversas respostas no blog e depois nos twitter da vida. Só que, neste caso, a resposta do dono ou gerente do tal restaurante foi grossa e ofendida, originando inúmeros textos pró e contra a atitude que ele tomou.
Eram os tempos diferentes quinze anos atrás? Não temos mais o direito de reclamar quando somos mal atendidos? Sempre ouço dizer que “se os brasileiros reclamassem dos maus serviços, o atendimento em geral seria bem melhor do que é” – em todas as áreas. Eu respondo que, se eu fosse reclamar por escrito de todos os absurdos que me são feitos nos negócios em geral, não teria tempo para fazer nada mais – talvez nem para dormir à noite. Mas às vezes vale a pena...
Ela chegou em casa e me contou o que aconteceu. Eu (naquele tempo ainda dava tempo de fazer essas coisas) escrevi imediatamente uma carta relatando o ocorrido e meu desapontamento com o fato e enviei pelo correio para o endereço pelo qual procurei na lista telefônica (ainda não existia e-mail na época e, incrível, existia lista telefônica decente!).
Passaram-se alguns dias e recebi um telefonema. Era o dono da cadeia de restaurantes. Ele me disse que lamentava o fato e que queria me fazer uma visita. Eu lhe disse que morava em Alphaville, portanto não era perto. Ele disse que não fazia mal. Marcamos uma hora e ele foi à minha casa num sábado à tarde.
Muito simpático, pediu mil desculpas, pediu que eu não deixasse que isso causasse uma impressão definitiva de seus restaurantes e que eu aceitasse um presnte. Ele me trouxe um enorme bolo, maravilhoso. Conversamos por um bom tempo e eu lhe disse que eu e Ana sempre gostamos do restaurante e que por isso mesmo ficamos até surpresos que o que aconteceu tenha ocorrido ali. No meio da conversa, an-passant, disse-lhe que adorava a torta de chocolate com sorvete de creme que eles faziam.
Finalmente ele se despediu e foi embora. Nós saímos também um pouco depois e voltamos somente à noite. Descobrimos então que ele havia retornado e trazido a tal torta com o sorvete e tudo e deixado com um de meus filhos.
Lembrei-me bem disso quando três dias atrás surgiu uma longa discussão gerada por um blog de um sujeito que foi a um restaurante na Vila Madalena, sentiu-se pessimamente servido e colocou isso claramente no seu blog, o que gerou diversas respostas no blog e depois nos twitter da vida. Só que, neste caso, a resposta do dono ou gerente do tal restaurante foi grossa e ofendida, originando inúmeros textos pró e contra a atitude que ele tomou.
Eram os tempos diferentes quinze anos atrás? Não temos mais o direito de reclamar quando somos mal atendidos? Sempre ouço dizer que “se os brasileiros reclamassem dos maus serviços, o atendimento em geral seria bem melhor do que é” – em todas as áreas. Eu respondo que, se eu fosse reclamar por escrito de todos os absurdos que me são feitos nos negócios em geral, não teria tempo para fazer nada mais – talvez nem para dormir à noite. Mas às vezes vale a pena...
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
O QUE TEM DADO CERTO NAS FERROVIAS DO PAÍS
Apesar do que tenho escrito sobre os projetos de ferrovias (aqui incluo estradas de ferro, VLTs, metrôs e trem turísticos) e do meu eterno pessimismo sobre as promessas feitas e não cumpridas, há coisas que têm dado certo.
Os dois trens turísticos da CPTM, Luz-Jundiaí e Luz-Mogi das Cruzes, que apesar de fazerem os mesmos percursos que os trens metropolitanos fazem (estes, com baldeações respectivamente em Francisco Morato e em Guaianazes), vêm agradando aos seus usuários, que lotam principalmente o de Jundiaí a cada fim de semana.
A modernização de trens da mesma CPTM que tem ocorrido especialmente na linha Osasco-Grajaú e na Variante de Poá (não me peçam para dizer a cor pela qual as linhas passaram a ser chamadas meses atrás, porque eu não consigo lembrar delas nem a paulada).
A ABPF, sempre procurando melhorar mais e mais seus passeios turísticos oferecidos aos fins de semana e feriados nas linhas Campinas-Jaguariúna, Piratuba-Marcelino Ramos, Passa-Quatro-Túnel, São Lourenço-Soledade, Rio Negrinho-Rio Natal.
A Perus-Pirapora, em São Paulo e Cajamar, com seus integrantes trabalhando a todo vapor, recuperando leitos e materiais rodantes abandonados há mais de vinte anos.
O esforço da ANPF em Sabaúna, no sentido de conservar a estação e reformar as linhas do pátio para receber os trens prometidos.
Idem quanto ao núcleo da ABPF em Rio do Sul, SC, que mais e mais estende a recuperação dos trilhos na região de Matador e de Subida para aumentar o trajeto de seu trem a vapor na região.
A Norte-Sul continua em obras seguindo para o sul de Tocantins.
O metrô de Fortaleza voltou a se mexer, depois das costumeiras interrupções judiciais.
E, finalmente, o metrô de São Paulo, que vai mesmo. As obras do trecho que vai da estação Alto do Ipiranga até a Vila Prudente estão sendo tocadas. A estação de Tamanduateí (na foto acima, mostrando as plataformas provisórias no sentido São Caetano, foto minha tirada hoje), da CPTM, onde se cruzarão as linhas desta e do metrô, está já em reforma. O elevado sobre a avenida Presidente Wilson, próximo à rua Vemag, já está bastante avançado. Isto, presenciado hoje por mim. Fora isso, a linha 4 continua e já está próxima da fase final, e as obras para a continuação da linha 5 para além do Largo Treze em Santo Amaro também já começaram.
O resto continua empacado pelo Brasil afora. Pena. Os VLTs tão comentados todos os dias nos jornais não saem do papel, com exceção do do Cariri (Crato-Juazeiro), no Ceará, cujo trem segue andando pela linha em fase de testes (eita fase de testes longa...) mas sem estação nenhuma ainda construída (incrível...).
Vamos torcer para que o que deu certo contamine favoravelmente o que não vem dando.
Os dois trens turísticos da CPTM, Luz-Jundiaí e Luz-Mogi das Cruzes, que apesar de fazerem os mesmos percursos que os trens metropolitanos fazem (estes, com baldeações respectivamente em Francisco Morato e em Guaianazes), vêm agradando aos seus usuários, que lotam principalmente o de Jundiaí a cada fim de semana.
A modernização de trens da mesma CPTM que tem ocorrido especialmente na linha Osasco-Grajaú e na Variante de Poá (não me peçam para dizer a cor pela qual as linhas passaram a ser chamadas meses atrás, porque eu não consigo lembrar delas nem a paulada).
A ABPF, sempre procurando melhorar mais e mais seus passeios turísticos oferecidos aos fins de semana e feriados nas linhas Campinas-Jaguariúna, Piratuba-Marcelino Ramos, Passa-Quatro-Túnel, São Lourenço-Soledade, Rio Negrinho-Rio Natal.
A Perus-Pirapora, em São Paulo e Cajamar, com seus integrantes trabalhando a todo vapor, recuperando leitos e materiais rodantes abandonados há mais de vinte anos.
O esforço da ANPF em Sabaúna, no sentido de conservar a estação e reformar as linhas do pátio para receber os trens prometidos.
Idem quanto ao núcleo da ABPF em Rio do Sul, SC, que mais e mais estende a recuperação dos trilhos na região de Matador e de Subida para aumentar o trajeto de seu trem a vapor na região.
A Norte-Sul continua em obras seguindo para o sul de Tocantins.
O metrô de Fortaleza voltou a se mexer, depois das costumeiras interrupções judiciais.
E, finalmente, o metrô de São Paulo, que vai mesmo. As obras do trecho que vai da estação Alto do Ipiranga até a Vila Prudente estão sendo tocadas. A estação de Tamanduateí (na foto acima, mostrando as plataformas provisórias no sentido São Caetano, foto minha tirada hoje), da CPTM, onde se cruzarão as linhas desta e do metrô, está já em reforma. O elevado sobre a avenida Presidente Wilson, próximo à rua Vemag, já está bastante avançado. Isto, presenciado hoje por mim. Fora isso, a linha 4 continua e já está próxima da fase final, e as obras para a continuação da linha 5 para além do Largo Treze em Santo Amaro também já começaram.
O resto continua empacado pelo Brasil afora. Pena. Os VLTs tão comentados todos os dias nos jornais não saem do papel, com exceção do do Cariri (Crato-Juazeiro), no Ceará, cujo trem segue andando pela linha em fase de testes (eita fase de testes longa...) mas sem estação nenhuma ainda construída (incrível...).
Vamos torcer para que o que deu certo contamine favoravelmente o que não vem dando.
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
DO CENTRO AO BAIRRO EM PARNAÍBA
Fiquei praticamente um mês sem ir ao chamado centro histórico de Santana de Parnaíba, que fica a uns seis quilômetros de minha casa. Anteontem tive de ir lá. Na volta, fiquei apreciando o caminho, que tem alguns trechos muito bonitos. Realmente, para se ir do centro a Alphaville, passamos na maior parte pelo campo.
Saímos do lado da Igreja Matriz, sobre uma colina e descemos a curta rua Coronel Raimundo, dando de cara na estrada com o rio Tietê do outro lado, encostadinho. Entramos à esquerda, passamos pelo belíssimo monumento aos bandeirantes fundadores da cidade – Suzana Dias, André Fernandes, Raposo Tavares e outros que de tão bem retratados em estátuas de bronze, parecem vivos – e lodo à direita, quando ao nosso lado está não mais o rio, mas sim a várzea que dele sobrou depois da retificação que a Light fez em 1954.
A rua dá na ponte sobre ele, depois de passarmos por bela casa rural à nossa esquerda, retratada numa postagem feita em 17 de setembro e por algumas casinhas urbanas que dão fundo para a várzea à nossa direita. Cruzar o rio mostra em alguns dias a espuma que vem da barragem e as outras sujeiras flutuantes. Olhando à esquerda, vemos o rio desaparecendo entre os morros de sua margem no sentido do interior. Entramos à direita e seguimos. Nesta rua, que acompanha outra várzea do lado oposto do rio, as construções são pouquíssimas: vemos à esquerda morros que terminam encostados à pista e à direita pequenos ajuntamentos de arvores separando a pista da várzea.
Antes de chegar à barragem, sai para a esquerda, afastando-se do Tietê, uma ladeira morro acima – a estrada da Bela Vista, que leva ao Alphaville e ao bairro do Tanquinho, deserto e anterior ao primeiro. Também aqui vemos parte do bairro “lá em baixo”, poucas edificações e à direita, a serra do Itaqui lá longe. Ainda são poucas as construções, concentradas do lado esquerdo; são em geral galpões para material de construções, lojas de plantas, salão de eventos... nada que preveja uma futura avenida bonita. Na verdade, essas construções cortam a visão do Tanquinho, que ainda basicamente são campos num vale.
Chegamos à “entrada” de Alphaville: é quando se divisa o morro do Votucavaru à esquerda, já com as fraldas junto ao casario de dois Alphavilles, o 10 e o 11 (A foto acima mostra esse ponto. O Votucavaru está à direita da foto, mal dá para ver. Para a esquerda, o centro histórico). Descemos. Subimos. Chegamos à portaria dos Alphavilles 11 e 12, uma de cada lado. Descemos e subimos de novo. A partir daqui, praticamente se vêem apenas muros divisores dos loteamentos e dentro, casas.
Ou seja, estamos em zona urbana. Uma paisagem muito diferente do centro da cidade. Das antigas fazendas Bela Vista e Tamboré, por onde passava por seus campos o antigo “caminho de dentro”, que ligava Parnaíba à Capital, praticamente nada sobrou. Somente alguns tufos de vegetação. Os antigos córregos que ainda existem são maltratados e cheios de mato; o fio de água, que certamente foi bem mais caudaloso no passado, quase não pode ser visto sem prestar atenção.
O último resquício de mata que se vê antes de eu chegar à minha casa é, à direita, o parque municipal da Ilha do Bacuri; ali nem se pode entrar, pois é o estuário do córrego do Barreiro se juntando com o braço morto do Tietê e muito mato com arvores, geralmente pequenas, em volta. Será um dia aberto ao público?
Fim da linha. Cheguei em casa. Outro mundo.
Saímos do lado da Igreja Matriz, sobre uma colina e descemos a curta rua Coronel Raimundo, dando de cara na estrada com o rio Tietê do outro lado, encostadinho. Entramos à esquerda, passamos pelo belíssimo monumento aos bandeirantes fundadores da cidade – Suzana Dias, André Fernandes, Raposo Tavares e outros que de tão bem retratados em estátuas de bronze, parecem vivos – e lodo à direita, quando ao nosso lado está não mais o rio, mas sim a várzea que dele sobrou depois da retificação que a Light fez em 1954.
A rua dá na ponte sobre ele, depois de passarmos por bela casa rural à nossa esquerda, retratada numa postagem feita em 17 de setembro e por algumas casinhas urbanas que dão fundo para a várzea à nossa direita. Cruzar o rio mostra em alguns dias a espuma que vem da barragem e as outras sujeiras flutuantes. Olhando à esquerda, vemos o rio desaparecendo entre os morros de sua margem no sentido do interior. Entramos à direita e seguimos. Nesta rua, que acompanha outra várzea do lado oposto do rio, as construções são pouquíssimas: vemos à esquerda morros que terminam encostados à pista e à direita pequenos ajuntamentos de arvores separando a pista da várzea.
Antes de chegar à barragem, sai para a esquerda, afastando-se do Tietê, uma ladeira morro acima – a estrada da Bela Vista, que leva ao Alphaville e ao bairro do Tanquinho, deserto e anterior ao primeiro. Também aqui vemos parte do bairro “lá em baixo”, poucas edificações e à direita, a serra do Itaqui lá longe. Ainda são poucas as construções, concentradas do lado esquerdo; são em geral galpões para material de construções, lojas de plantas, salão de eventos... nada que preveja uma futura avenida bonita. Na verdade, essas construções cortam a visão do Tanquinho, que ainda basicamente são campos num vale.
Chegamos à “entrada” de Alphaville: é quando se divisa o morro do Votucavaru à esquerda, já com as fraldas junto ao casario de dois Alphavilles, o 10 e o 11 (A foto acima mostra esse ponto. O Votucavaru está à direita da foto, mal dá para ver. Para a esquerda, o centro histórico). Descemos. Subimos. Chegamos à portaria dos Alphavilles 11 e 12, uma de cada lado. Descemos e subimos de novo. A partir daqui, praticamente se vêem apenas muros divisores dos loteamentos e dentro, casas.
Ou seja, estamos em zona urbana. Uma paisagem muito diferente do centro da cidade. Das antigas fazendas Bela Vista e Tamboré, por onde passava por seus campos o antigo “caminho de dentro”, que ligava Parnaíba à Capital, praticamente nada sobrou. Somente alguns tufos de vegetação. Os antigos córregos que ainda existem são maltratados e cheios de mato; o fio de água, que certamente foi bem mais caudaloso no passado, quase não pode ser visto sem prestar atenção.
O último resquício de mata que se vê antes de eu chegar à minha casa é, à direita, o parque municipal da Ilha do Bacuri; ali nem se pode entrar, pois é o estuário do córrego do Barreiro se juntando com o braço morto do Tietê e muito mato com arvores, geralmente pequenas, em volta. Será um dia aberto ao público?
Fim da linha. Cheguei em casa. Outro mundo.
quarta-feira, 23 de setembro de 2009
VIAGENS DE SUD
Em 1940, meu avô Sud Mennucci foi nomeado Delegado Regional do Recenseamento no Estado de São Paulo. O Censo de 1940 seria realizado durante o mês de setembro; antes disso, ele viajou pelo Estado inteiro para dar posse aos delegados regionais das regiões censitárias. Não sei se deu posse a todos, mas a muitos, a julgar pelas viagens e reportagens sobre o assunto que chegaram até mim.
Ele adorava números – para ele, esse cargo era o máximo. Ele podia viajar, dar discursos – que adorava fazer – lidar com números e fazer comparações entre as cidades, quanto cresceram, o que representava o crescimento, etc.
As viagens foram em sua maioria feitas por trem – mas também por carro e até por avião. Pelo menos a viagem São Paulo-Araçatuba ele fez de avião de linha, há fotos dele no aeroporto dessa cidade, sendo recebido por diversas “otoridades”.
Uma vez eu escrevi que o ponto mais próximo que ele teria chegado da cidade que mais tarde levou seu nome, Sud Mennucci, teria sido Araçatuba. Agora fiquei em dúvida, ao achar entre seu acervo uma propaganda de Pereira Barreto, na margem contrária do Tietê a de onde está Araçatuba, e que se pode ver acima deste artigo. O acervo tem muitas dessas propagandas, que geralmente ele conseguia ao visitar esses lugares.
Para ir a Pereira Barreto, o mais lógico seria pegar o trem em Araçatuba e entrar pelo ramal de Lussanvira até este bairro, que, embora junto à margem esquerda do Tietê, ficava exatamente em frente a Pereira Barreto. Ali havia uma ponte rodoviária – o ramal acabava em Lussanvira – e por ela se chegava a Pereira Barreto, numa distância não muito grande.
Ele era recebido com festas, bandas de música, idas a restaurantes – tudo isso ele adorava, essas coisas inflavam o seu ego. Há uma fotografia dele em Ourinhos, com a banda perfilada junto a ele em frente ao largo da estação ferroviária – ele fez todas as cidades da Alta Sorocabana pelo trem da própria. As rodovias nessa região eram muito ruins nessa época, até para se deslocar de uma cidade a outra próxima. Já a região da Mogiana ele parece ter feito em boa parte com automóvel. Deve ter sido um Ford. Ele adorava os Ford e achava Henry Ford um grande exemplo para a humanidade.
O trabalho dele no Censo começou no início de 1940, com os preparativos, e terminou em dezembro do ano seguinte, quando ele completou os cálculos. Mesmo assim, os resultados somente foram apresentados um bom tempo depois.
Como teria sido essa época no Brasil? Na Europa e na Ásia, o mundo em guerra. Na América, ainda nada havia em termos de participação das nações na guerra, o que se deu a partir do fim do século XX. Apesar das dificuldades, o Brasil era uma ilha de tranquilidade. Getúlio Vargas governava com mão de ferro, mas, estando bem com ele, não havia muito com o que se preocupar. Afinal, a guerra não havia chegado em 1940.
Sud levava a sua vida como era possível então. O Censo era para ele mais uma distração do que um trabalho, com certeza. Quanto à cidade que tem seu nome, não existia em 1940. Foi fundada em 1948, por coincidência no ano de sua morte. Recebeu seu nome em 1959 por iniciativa de um senador que o havia conhecido. Fica próxima a Pereira Barreto e no início era um bairro do município.
Ele adorava números – para ele, esse cargo era o máximo. Ele podia viajar, dar discursos – que adorava fazer – lidar com números e fazer comparações entre as cidades, quanto cresceram, o que representava o crescimento, etc.
As viagens foram em sua maioria feitas por trem – mas também por carro e até por avião. Pelo menos a viagem São Paulo-Araçatuba ele fez de avião de linha, há fotos dele no aeroporto dessa cidade, sendo recebido por diversas “otoridades”.
Uma vez eu escrevi que o ponto mais próximo que ele teria chegado da cidade que mais tarde levou seu nome, Sud Mennucci, teria sido Araçatuba. Agora fiquei em dúvida, ao achar entre seu acervo uma propaganda de Pereira Barreto, na margem contrária do Tietê a de onde está Araçatuba, e que se pode ver acima deste artigo. O acervo tem muitas dessas propagandas, que geralmente ele conseguia ao visitar esses lugares.
Para ir a Pereira Barreto, o mais lógico seria pegar o trem em Araçatuba e entrar pelo ramal de Lussanvira até este bairro, que, embora junto à margem esquerda do Tietê, ficava exatamente em frente a Pereira Barreto. Ali havia uma ponte rodoviária – o ramal acabava em Lussanvira – e por ela se chegava a Pereira Barreto, numa distância não muito grande.
Ele era recebido com festas, bandas de música, idas a restaurantes – tudo isso ele adorava, essas coisas inflavam o seu ego. Há uma fotografia dele em Ourinhos, com a banda perfilada junto a ele em frente ao largo da estação ferroviária – ele fez todas as cidades da Alta Sorocabana pelo trem da própria. As rodovias nessa região eram muito ruins nessa época, até para se deslocar de uma cidade a outra próxima. Já a região da Mogiana ele parece ter feito em boa parte com automóvel. Deve ter sido um Ford. Ele adorava os Ford e achava Henry Ford um grande exemplo para a humanidade.
O trabalho dele no Censo começou no início de 1940, com os preparativos, e terminou em dezembro do ano seguinte, quando ele completou os cálculos. Mesmo assim, os resultados somente foram apresentados um bom tempo depois.
Como teria sido essa época no Brasil? Na Europa e na Ásia, o mundo em guerra. Na América, ainda nada havia em termos de participação das nações na guerra, o que se deu a partir do fim do século XX. Apesar das dificuldades, o Brasil era uma ilha de tranquilidade. Getúlio Vargas governava com mão de ferro, mas, estando bem com ele, não havia muito com o que se preocupar. Afinal, a guerra não havia chegado em 1940.
Sud levava a sua vida como era possível então. O Censo era para ele mais uma distração do que um trabalho, com certeza. Quanto à cidade que tem seu nome, não existia em 1940. Foi fundada em 1948, por coincidência no ano de sua morte. Recebeu seu nome em 1959 por iniciativa de um senador que o havia conhecido. Fica próxima a Pereira Barreto e no início era um bairro do município.
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terça-feira, 22 de setembro de 2009
SÃO ESSAS PESSOAS QUE NOS GOVERNAM
Que o Governo do Estado e muitas prefeituras não estejam se importando com a poluição do rio Tietê, eu até acredito, pois nada é feito de peso e coordenado para resolver a situação. Agora, que tenha gente que tome atitudes estúpidas, já é demais.
É curioso que um rio que até sessenta anos atrás ainda fosse passível de ter competições de natação e canoagem esteja hoje em dia na situação em que está na Grande São Paulo. Primeiro quero deixar claro que não sou nenhum especialista em poluição de rios e nem posso dizer que li bastante sobre o que é ou não é feito para resolver de vez esse absurdo que é a alta poluição. Mas também não sou burro.
Para começar, desde o tempo de Mário Covas como governador não ouço falar em grandes obras que pudessem encaminhar a situação para um desfecho feliz. Sei que Covas trabalhou bastante nesse sentido, com a construção de estações de tratamento etc., como a de Barueri, por exemplo. E olhe que jamais fui e continuo não sendo um admirador desse governador. Aqui, no entanto, ele trabalhou bem, principalmente porque seus sucessores pouco fizeram para dar continuidade ao trabalho.
Moro em Santana de Parnaíba, bairro Alphaville, a 500 metros do rio Tietê. Há um desnível entre onde moro e o leito do rio — e, no caso, o leito antigo, que existiu até antes da retificação dos anos 1970. A curva que ele fazia ali foi fechada quando se fez o atalho para unir suas extremidades e separada do leito atual do rio, foi tratada e hoje faz parte do Parque Ecológico. As águas são limpas, ou pelo menos infinitamente mais limpas do que as do rio em si.
Em Parnaíba, os prefeitos e vereadores muito falam do tratamento do rio — o mau cheiro existe e às vezes chega ao limite do suportável —, mas nada fazem. Aliás, pouquíssimo podem fazer, a não ser tratar o esgoto da cidade, coisa que não é feita. O resto depende dos municípios a montante — pela ordem, Barueri, Carapicuíba, Osasco, São Paulo, Guarulhos, Itaquaquecetuba e dali para trás até a nascente: enquanto a água que passa por eles não for tratada, pouco ajuda se a limpar por aqui. Talvez até por isso poucos façam algo de útil, como, por exemplo, tentar limpar a enorme quantidade de detritos que são atirados ao rio, como garrafas plásticas, por exemplo.
O absurdo de toda a história é o que ontem ouvi na Rádio Eldorado, em uma entrevista com um especialista: a cidade de Guarulhos ganhou uma “moratória” de alguém (Governo do Estado?) e não precisará fazer nada pelos próximos trinta anos. Só ela. Isto significa que tudo o que for feito nos municípios a jusante dela vai ser (bastante) prejudicado.
Não é mentira. É verdade. E dane-se a saúde do povo. Danem-se os peixes que não existem mais, o mau cheiro, a espuma, as garrafas de plástico que boiam até se acumular nas margens. É por isso que reafirmo o que falei acima: os governos em geral pouco se importam com o rio Tietê. Se se importassem, agiriam de forma bem diferente.
É curioso que um rio que até sessenta anos atrás ainda fosse passível de ter competições de natação e canoagem esteja hoje em dia na situação em que está na Grande São Paulo. Primeiro quero deixar claro que não sou nenhum especialista em poluição de rios e nem posso dizer que li bastante sobre o que é ou não é feito para resolver de vez esse absurdo que é a alta poluição. Mas também não sou burro.
Para começar, desde o tempo de Mário Covas como governador não ouço falar em grandes obras que pudessem encaminhar a situação para um desfecho feliz. Sei que Covas trabalhou bastante nesse sentido, com a construção de estações de tratamento etc., como a de Barueri, por exemplo. E olhe que jamais fui e continuo não sendo um admirador desse governador. Aqui, no entanto, ele trabalhou bem, principalmente porque seus sucessores pouco fizeram para dar continuidade ao trabalho.
Moro em Santana de Parnaíba, bairro Alphaville, a 500 metros do rio Tietê. Há um desnível entre onde moro e o leito do rio — e, no caso, o leito antigo, que existiu até antes da retificação dos anos 1970. A curva que ele fazia ali foi fechada quando se fez o atalho para unir suas extremidades e separada do leito atual do rio, foi tratada e hoje faz parte do Parque Ecológico. As águas são limpas, ou pelo menos infinitamente mais limpas do que as do rio em si.
Em Parnaíba, os prefeitos e vereadores muito falam do tratamento do rio — o mau cheiro existe e às vezes chega ao limite do suportável —, mas nada fazem. Aliás, pouquíssimo podem fazer, a não ser tratar o esgoto da cidade, coisa que não é feita. O resto depende dos municípios a montante — pela ordem, Barueri, Carapicuíba, Osasco, São Paulo, Guarulhos, Itaquaquecetuba e dali para trás até a nascente: enquanto a água que passa por eles não for tratada, pouco ajuda se a limpar por aqui. Talvez até por isso poucos façam algo de útil, como, por exemplo, tentar limpar a enorme quantidade de detritos que são atirados ao rio, como garrafas plásticas, por exemplo.
O absurdo de toda a história é o que ontem ouvi na Rádio Eldorado, em uma entrevista com um especialista: a cidade de Guarulhos ganhou uma “moratória” de alguém (Governo do Estado?) e não precisará fazer nada pelos próximos trinta anos. Só ela. Isto significa que tudo o que for feito nos municípios a jusante dela vai ser (bastante) prejudicado.
Não é mentira. É verdade. E dane-se a saúde do povo. Danem-se os peixes que não existem mais, o mau cheiro, a espuma, as garrafas de plástico que boiam até se acumular nas margens. É por isso que reafirmo o que falei acima: os governos em geral pouco se importam com o rio Tietê. Se se importassem, agiriam de forma bem diferente.
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
O QUE SABERÁ WILLI?
Os italianos Pasquale Bonini e Assumpta Canalli viviam em Collodi, hoje município de Pistoia, na Itália, e nos anos 1820 tiveram uma filha, Ermínia Bonini, que se casou com Gabriel Lari. Tiveram (pelo menos) duas filhas, Tereza Lari e Assumpta Lari. As duas vieram para o Brasil casadas, a primeira com Amedeo Mennucci e a segunda com um marido de sobrenome Scardigli. Ambas tiveram filhos. A primeira teve sete; a segunda, não sei. Ermínia faleceu em Piracicaba em 1910.
Dos filhos de Tereza, Sud era o terceiro, nascido em Piracicaba em 1892. Casou-se com Maria da Silva Oliveira em Porto Ferreira em 1917, e tiveram cinco filhos. A segunda, Astrea, me teve em 1951, casada com Ernesto Giesbrecht em 1946. Amedeo e Tereza morreram nos anos 1930. Ernesto em 1996.
Eu me casei com Ana Maria Figueiredo Linhares, uma linda carioca e hoje sou pai de três filhos, Alexandre, Filipe e Verônica, e avô de Willi (Guilherme).
Sempre gostei de genealogia, desde pequeno. Tudo o que sei sobre minha família, no entanto (e ainda existem os outros ramos... muita coisa), aprendi com meus pais e avós e em documentos Às vezes encontrados por acaso. Ou então, de arvores genealógicas feitas por outras pessoas, como minha irmã Astarté e meu primo Austen, entre outros.
Há muita gente que não liga a mínima para isso. Sabe quem foram seus avós porque os conheceram; não têm, muitas vezes, a mínima noção do nome de um dos oito bisavós, por exemplo. É um direito de cada um querer ou não saber quem são seus antepassados. Mas acho que é uma das motivações da nossa vida: saber de onde viemos.
Saber quem eram, o que faziam, como viviam. Por exemplo: meu tetravô, Pasquale, a primeira pessoa citada acima, vivia na região de Lucca, na Itália. Provavelmente nasceu lá também. O que fazia? Passou dificuldades naquele início de século 19? Vivia tranquilamente? E sua esposa, Assumpta? Quantos filhos tiveram? Somente Ermínia, minha trisavó? Ela veio junto com sua filha Tereza para o Brasil, em 1888? Acho que não, deve ter vindo depois, talvez por ter ficado viúva: na sua certidão de óbito feita em Piracicaba em 1910 consta que ela era viúva. Assim como na Hospedaria dos Imigrantes não achei seu nome na chegada dos Mennucci em 1888.
Consta também que ela nasceu em 1833: mas certamente foi alguns anos antes. Era costume da família dos Lari modificar até certidões para que a pessoa parecesse mais jovem. Isso continuou nas mulheres da família que foram sobrinhas de Sud até bem recentemente. Olhando a certidão, está muito claro que o número 1833 foi modificado, e eu diria com 95% de certeza que o ano que aparece por baixo é 1823. Ou seja, a velhinha morreu com 87 anos no interior de São Paulo.
O que sobra destas pessoas das quais sabemos o nome, mas nunca as vimos, não as conhecemos? Somente um borrão de tinta em nossa cabeça? Oitenta e sete anos vividos e nada para deixar para seus descendentes? Não se preocuparam com isto? Hoje, quando todos os seus netos já se foram, Ermínia não tem mais ninguém que se lembre de seu rosto, de suas alegrias e de suas tristezas, assim como das histórias que ela devia contar de Pasqualle, de Assumpta... e de meus primos afastados, filhos, netos e bisnetos do tal senhor Scardigli... se não houvesse encontrado essa certidão no meio dos papéis de meu avô, jamais saberia dessa família. Onde estarão hoje?
(Sobre a foto acima: a pessoa é uma Silva e não uma italiana. Não tenho fotos tão antigas assim dos Mennucci e cia. Pessoa que eu conheci, com cerca de 90 anos, em São Paulo. Dela eu me lembro: era minha tia-bisavó portuguesa, Maria de Abreu.)
E Willi, hoje com onze meses com idade e um sorriso quase permanente em seu rosto... terá ele algum interesse um dia em saber tudo isto? Ele, que é hexaneto (existirá esta palavra?) do Pasquale, aquele senhor da Toscana que viveu na época de Napoleão Bonaparte?
Dos filhos de Tereza, Sud era o terceiro, nascido em Piracicaba em 1892. Casou-se com Maria da Silva Oliveira em Porto Ferreira em 1917, e tiveram cinco filhos. A segunda, Astrea, me teve em 1951, casada com Ernesto Giesbrecht em 1946. Amedeo e Tereza morreram nos anos 1930. Ernesto em 1996.
Eu me casei com Ana Maria Figueiredo Linhares, uma linda carioca e hoje sou pai de três filhos, Alexandre, Filipe e Verônica, e avô de Willi (Guilherme).
Sempre gostei de genealogia, desde pequeno. Tudo o que sei sobre minha família, no entanto (e ainda existem os outros ramos... muita coisa), aprendi com meus pais e avós e em documentos Às vezes encontrados por acaso. Ou então, de arvores genealógicas feitas por outras pessoas, como minha irmã Astarté e meu primo Austen, entre outros.
Há muita gente que não liga a mínima para isso. Sabe quem foram seus avós porque os conheceram; não têm, muitas vezes, a mínima noção do nome de um dos oito bisavós, por exemplo. É um direito de cada um querer ou não saber quem são seus antepassados. Mas acho que é uma das motivações da nossa vida: saber de onde viemos.
Saber quem eram, o que faziam, como viviam. Por exemplo: meu tetravô, Pasquale, a primeira pessoa citada acima, vivia na região de Lucca, na Itália. Provavelmente nasceu lá também. O que fazia? Passou dificuldades naquele início de século 19? Vivia tranquilamente? E sua esposa, Assumpta? Quantos filhos tiveram? Somente Ermínia, minha trisavó? Ela veio junto com sua filha Tereza para o Brasil, em 1888? Acho que não, deve ter vindo depois, talvez por ter ficado viúva: na sua certidão de óbito feita em Piracicaba em 1910 consta que ela era viúva. Assim como na Hospedaria dos Imigrantes não achei seu nome na chegada dos Mennucci em 1888.
Consta também que ela nasceu em 1833: mas certamente foi alguns anos antes. Era costume da família dos Lari modificar até certidões para que a pessoa parecesse mais jovem. Isso continuou nas mulheres da família que foram sobrinhas de Sud até bem recentemente. Olhando a certidão, está muito claro que o número 1833 foi modificado, e eu diria com 95% de certeza que o ano que aparece por baixo é 1823. Ou seja, a velhinha morreu com 87 anos no interior de São Paulo.
O que sobra destas pessoas das quais sabemos o nome, mas nunca as vimos, não as conhecemos? Somente um borrão de tinta em nossa cabeça? Oitenta e sete anos vividos e nada para deixar para seus descendentes? Não se preocuparam com isto? Hoje, quando todos os seus netos já se foram, Ermínia não tem mais ninguém que se lembre de seu rosto, de suas alegrias e de suas tristezas, assim como das histórias que ela devia contar de Pasqualle, de Assumpta... e de meus primos afastados, filhos, netos e bisnetos do tal senhor Scardigli... se não houvesse encontrado essa certidão no meio dos papéis de meu avô, jamais saberia dessa família. Onde estarão hoje?
(Sobre a foto acima: a pessoa é uma Silva e não uma italiana. Não tenho fotos tão antigas assim dos Mennucci e cia. Pessoa que eu conheci, com cerca de 90 anos, em São Paulo. Dela eu me lembro: era minha tia-bisavó portuguesa, Maria de Abreu.)
E Willi, hoje com onze meses com idade e um sorriso quase permanente em seu rosto... terá ele algum interesse um dia em saber tudo isto? Ele, que é hexaneto (existirá esta palavra?) do Pasquale, aquele senhor da Toscana que viveu na época de Napoleão Bonaparte?
domingo, 20 de setembro de 2009
O DINHEIRO SEMPRE VALE MAIS DO QUE NOSSAS VIDAS
As notícias deste fim de semana são bastante ruins para quem se interessa pela preservação do patrimônio nacional.
De Campinas, recebi as fotos da chamada vila McHardy, de casas ferroviárias da antiga Mogiana que ficam no velho e abandonado pátio da estação de Guanabara, a principal estação da Mogiana em Campinas enquanto esteve ativa, isto é, até 1977. O Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa (IPEP) comprou a área onde estão as casas. A demolição começou há um mês e meio, com 50 casas de ex-moradores que não tinham vínculo com a ferrovia. Em 45 casas há famílias ligadas ao mundo ferroviário, que exigem uma indenização gorda para saírem de lá.
São casas simples (ver uma delas na fotografia acima, por Marco Henrique Zambello), mas tipicamente ferroviárias, de alvenaria e de madeira, num bairro bastante sossegado, pelo menos naquele ponto. O tal IPEP, uma entidade tecnicamente beneficente, quer construir uma universidade exatamente ali, na área, que tem 103mil metros quadrados. Meu Deus, não há outras áreas em Campinas? E para que uma entidade beneficente quer uma universidade? Perde-se mais uma parte do patrimônio cultural nacional com essa atitude.
No Estadão de hoje, a história da cidade catarinense de Anitápolis, da qual nunca havia ouvido falar. Há mais de 30 anos descobriram rocha fosfática por lá em grande quantidade. Agora finalmente compraram uma área enorme e querem, claro, extrair o fosfato para a produção de fertilizantes. Só que isso vai exigir o uso dos rios na região, ainda “virgens”, alguns deles passando exatamente por uma área chamada de “Acolhida na Colônia”, onde turistas experimentam a vida do campo sem televisão, telefone ou internet.
Se a água for usada, vai ter de ser tratada e devolvida ao rio com a pureza natural – atitude que a indústria compradora da área diz que vai fazer, mas que ninguém acredita. Num país onde as leis não são cumpridas por políticos e grande empresas, quem pode culpar os prejudicados de não acreditarem em promessas? Além do mais, como a cidade fica longe da ferrovia (o ponto mais próximo é Lajes, a mais de cem quilômetros), calcula-se que haverá um tráfego intenso de caminhões da lavra até Lajes, na média de um a cada dez minutos. As estradas não aguentarão.
E na área ferroviária, uma notícia que não é ruim, mas é rançosa de tão velha. Vira e mexe vem à baila o assunto “trem turístico com locomotiva a vapor” em São Carlos, para levar um trem até a Fazenda do Pinhal, belíssima fazenda do século 19 tombada pelo IPHAN. Só que não há meio de isto sair. Agora falam de novo no trem. A locomotiva tem bitola métrica. A linha da antiga Paulista que passa em Rio Claro e é de concessão da ALL tem bitola larga. Isto exigirá a colocação de uma bitola mista na linha ou de rebitolagem da locomotiva, que já existe há muitos anos exposta na Praça Brasil, tendo pertencido à E. F. do Dourado e depois à Companhia Paulista. Desativada desde os anos 1960, exposta às intempéries, vai requerer uma cara reforma para poder voltar a trafegar.
Neste caso de São Carlos, a má notícia não é o trem (que é anunciado para daqui a dois anos), mas as dificuldades técnicas e a eterna promessa que jamais se cumpre. Cumprirão desta vez?
De Campinas, recebi as fotos da chamada vila McHardy, de casas ferroviárias da antiga Mogiana que ficam no velho e abandonado pátio da estação de Guanabara, a principal estação da Mogiana em Campinas enquanto esteve ativa, isto é, até 1977. O Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa (IPEP) comprou a área onde estão as casas. A demolição começou há um mês e meio, com 50 casas de ex-moradores que não tinham vínculo com a ferrovia. Em 45 casas há famílias ligadas ao mundo ferroviário, que exigem uma indenização gorda para saírem de lá.
São casas simples (ver uma delas na fotografia acima, por Marco Henrique Zambello), mas tipicamente ferroviárias, de alvenaria e de madeira, num bairro bastante sossegado, pelo menos naquele ponto. O tal IPEP, uma entidade tecnicamente beneficente, quer construir uma universidade exatamente ali, na área, que tem 103mil metros quadrados. Meu Deus, não há outras áreas em Campinas? E para que uma entidade beneficente quer uma universidade? Perde-se mais uma parte do patrimônio cultural nacional com essa atitude.
No Estadão de hoje, a história da cidade catarinense de Anitápolis, da qual nunca havia ouvido falar. Há mais de 30 anos descobriram rocha fosfática por lá em grande quantidade. Agora finalmente compraram uma área enorme e querem, claro, extrair o fosfato para a produção de fertilizantes. Só que isso vai exigir o uso dos rios na região, ainda “virgens”, alguns deles passando exatamente por uma área chamada de “Acolhida na Colônia”, onde turistas experimentam a vida do campo sem televisão, telefone ou internet.
Se a água for usada, vai ter de ser tratada e devolvida ao rio com a pureza natural – atitude que a indústria compradora da área diz que vai fazer, mas que ninguém acredita. Num país onde as leis não são cumpridas por políticos e grande empresas, quem pode culpar os prejudicados de não acreditarem em promessas? Além do mais, como a cidade fica longe da ferrovia (o ponto mais próximo é Lajes, a mais de cem quilômetros), calcula-se que haverá um tráfego intenso de caminhões da lavra até Lajes, na média de um a cada dez minutos. As estradas não aguentarão.
E na área ferroviária, uma notícia que não é ruim, mas é rançosa de tão velha. Vira e mexe vem à baila o assunto “trem turístico com locomotiva a vapor” em São Carlos, para levar um trem até a Fazenda do Pinhal, belíssima fazenda do século 19 tombada pelo IPHAN. Só que não há meio de isto sair. Agora falam de novo no trem. A locomotiva tem bitola métrica. A linha da antiga Paulista que passa em Rio Claro e é de concessão da ALL tem bitola larga. Isto exigirá a colocação de uma bitola mista na linha ou de rebitolagem da locomotiva, que já existe há muitos anos exposta na Praça Brasil, tendo pertencido à E. F. do Dourado e depois à Companhia Paulista. Desativada desde os anos 1960, exposta às intempéries, vai requerer uma cara reforma para poder voltar a trafegar.
Neste caso de São Carlos, a má notícia não é o trem (que é anunciado para daqui a dois anos), mas as dificuldades técnicas e a eterna promessa que jamais se cumpre. Cumprirão desta vez?
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sábado, 19 de setembro de 2009
ALEGRE VISITA
Hoje recebi uma mensagem de uma pessoa de Miracema, no Rio, divisa com Minas Gerais. Cidade muito simpática e limpa, onde a estação ferroviária desativada há quarenta anos foi conservada como estação rodoviária. Conheci muito rapidamente a cidade, da janela do ônibus, na manhã de um dia de outubro do ano passado. Este entrou e saiu da cidade para embarcar e desembarcar passageiros, como o trem um dia fez.
Eu estava no caminho de uma viagem de cerca de 13 horas até Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, onde um carro foi me buscar para me levar até a cidade de Alegre, ali perto. Fiquei lá três dias. Fui a convite do Instituto Histórico e Geográfico da cidade, que tem a sede na antiga estação ferroviária, esta também desativada há quarenta anos. Ali passava a linha que ligava Cachoeiro, na linha do Litoral, a Espera Feliz, na linha do Manhuaçu, todas antigas linhas da extinta Leopoldina.
Haveria no fim de semana em que eu lá estava uma caminhada pelo leito da antiga linha no sentido de Celina, distrito da cidade que também tinha sua estação. Na verdade, paramos logo após o primeiro túnel, depois de andarmos pelo leito por quase todo o percurso – em alguns trechos era impossível a caminhada, por queda de pontes e por mudança da trilha – praticamente todo ele em aclive, quase sempre acompanhando o rio Alegre, às vezes ao lado, às vezes já lá embaixo, no vale. Lindo lugar.
No meio do caminho paramos em um sítio para tomar alguma coisa e chupar frutas. Ali alguns dos caminhantes começaram a tocar sanfona e cantar algumas músicas locais. Para quem vem de São Paulo, é outro mundo.
Passando o túnel, voltamos. E de ônibus, que foi nos buscar. Enquanto permaneci na cidade, passeei o que pude por ela. Pesquisei no acervo do Instituto, visitei Celina com o meu amigo Marcos, que eu conhecia de tantas colaborações que ele mandou para o meu site, andei no antigo leito da ferrovia no sentido de Rive, que era a estação antes de Alegre. Logo na saída da cidade (a apenas três quarteirões da praça central), o leito cruza o rio Alegre – numa ponte nova, pois a ferroviária está ao nosso lado somente com os belos pilares de pedra expostos – por que a teriam retirado? – e deixa de ter asfalto, para seguir em terra. O rio que ele acompanha depois de cruza-lo de repente desaparece da minha esquerda. Ando um pouco mais e olho para baixo. O rio desaba por uma cachoeira monumental tendo lá em baixo, num desnível acentuadíssimo, uma pequena usina elétrica. Outra vista magnífica.
Na praça central da cidade, alguns belos casarões resistem ao tempo e são conservados como podem. Numa das esquinas, o que pertencia a uma das famílias tradicionais da cidade aparece na fotografia acima. Próximo a ele, um vendedor de churros com doce de leite, a que eu não pude deixar de comparecer. Pequenos restaurantes, barzinhos, mercearias, farmácias e um pequeno parque no jardim central. Cidade bem de interior, mesmo.
Na volta, fui para a pequena estação rodoviária e aguardei o ônibus, que faria o percurso Alegre-São Paulo, via Guaçuí, Carangola, Espera Feliz, Muriaé e Além Paraíba, para depois pegar a via Dutra. Incrível: perdi a saída do ônibus. Contratei então um táxi para me levar a Guaçuí, onde o ônibus estaria me esperando – gentileza da moça da bilheteria de Alegre.
Ótima viagem. Conhecer o Brasil é sempre uma maravilha.
Eu estava no caminho de uma viagem de cerca de 13 horas até Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, onde um carro foi me buscar para me levar até a cidade de Alegre, ali perto. Fiquei lá três dias. Fui a convite do Instituto Histórico e Geográfico da cidade, que tem a sede na antiga estação ferroviária, esta também desativada há quarenta anos. Ali passava a linha que ligava Cachoeiro, na linha do Litoral, a Espera Feliz, na linha do Manhuaçu, todas antigas linhas da extinta Leopoldina.
Haveria no fim de semana em que eu lá estava uma caminhada pelo leito da antiga linha no sentido de Celina, distrito da cidade que também tinha sua estação. Na verdade, paramos logo após o primeiro túnel, depois de andarmos pelo leito por quase todo o percurso – em alguns trechos era impossível a caminhada, por queda de pontes e por mudança da trilha – praticamente todo ele em aclive, quase sempre acompanhando o rio Alegre, às vezes ao lado, às vezes já lá embaixo, no vale. Lindo lugar.
No meio do caminho paramos em um sítio para tomar alguma coisa e chupar frutas. Ali alguns dos caminhantes começaram a tocar sanfona e cantar algumas músicas locais. Para quem vem de São Paulo, é outro mundo.
Passando o túnel, voltamos. E de ônibus, que foi nos buscar. Enquanto permaneci na cidade, passeei o que pude por ela. Pesquisei no acervo do Instituto, visitei Celina com o meu amigo Marcos, que eu conhecia de tantas colaborações que ele mandou para o meu site, andei no antigo leito da ferrovia no sentido de Rive, que era a estação antes de Alegre. Logo na saída da cidade (a apenas três quarteirões da praça central), o leito cruza o rio Alegre – numa ponte nova, pois a ferroviária está ao nosso lado somente com os belos pilares de pedra expostos – por que a teriam retirado? – e deixa de ter asfalto, para seguir em terra. O rio que ele acompanha depois de cruza-lo de repente desaparece da minha esquerda. Ando um pouco mais e olho para baixo. O rio desaba por uma cachoeira monumental tendo lá em baixo, num desnível acentuadíssimo, uma pequena usina elétrica. Outra vista magnífica.
Na praça central da cidade, alguns belos casarões resistem ao tempo e são conservados como podem. Numa das esquinas, o que pertencia a uma das famílias tradicionais da cidade aparece na fotografia acima. Próximo a ele, um vendedor de churros com doce de leite, a que eu não pude deixar de comparecer. Pequenos restaurantes, barzinhos, mercearias, farmácias e um pequeno parque no jardim central. Cidade bem de interior, mesmo.
Na volta, fui para a pequena estação rodoviária e aguardei o ônibus, que faria o percurso Alegre-São Paulo, via Guaçuí, Carangola, Espera Feliz, Muriaé e Além Paraíba, para depois pegar a via Dutra. Incrível: perdi a saída do ônibus. Contratei então um táxi para me levar a Guaçuí, onde o ônibus estaria me esperando – gentileza da moça da bilheteria de Alegre.
Ótima viagem. Conhecer o Brasil é sempre uma maravilha.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
O CASTELO DOS ABUTRES
Hoje recebi um anúncio sobre o Encontro Regional de Preservação e Revitalização Ferroviária, que acontecerá no dia 08 de outubro próximo, em Leopoldina, Minas. Haverá palestras, almoços, etc. Não fui convidado (acho que eu nada represento para a conservação histórica das ferrovias no Brasil, embora eu saiba por terceiros que meu nome é sempre citado nesse tipo de congressos e encontros), recebi o convite também por meio de terceiros.
Independente disso, acho curioso que o tal encontro seja realizado numa cidade que conseguiu liquidar com tudo o que havia de ferroviário nela, mesmo tendo sido ela o ponto de origem da Estrada de Ferro Leopoldina. Deviam se envergonhar do que fizeram depois que o trem deixou de ir para a cidade, em 1964.
Embora fosse um curto ramal de doze quilômetros que partia de Vista Alegre, na linha do Centro da Leopoldina, foi ela o primeiro objetivo da ferrovia a partir de Porto Novo. A linha chegou à cidade em 1877. Mais tarde, acabou se transformando em ramal, com o enorme crescimento da ferrovia e alteração de prioridades. Em 1965 o ramal foi extinto e a estação desativada. Foi depois demolida e os trilhos arrancados.
Ao contrário do que se pensa, a ferrovia não deve seu nome à Imperatriz Leopoldina, primeira esposa de D. Pedro I e mãe de D. Pedro II. A cidade, anteriormente chamada de Feijão Cru, homenageou a segunda filha de Pedro II, também Leopoldina, e não a Imperatriz. A ferrovia, por sua vez, homenageou a cidade, que, por sua vez, liquidou, como já dito acima, seu passado ferroviário tão importante historicamente.
Deve ser a praga que caiu sobre os Habsburgos. Os Habsburgos, como se sabe, eram uma dinastia austríaca que teve o seu primeiro Imperador (Kaiser) em 1291, ainda como regente do Sacro Império Romano-Germânico, e se perpetuou com poucas exceções até o final desse Império, em 1806, quando os Habsburgos tomaram para si o título de Imperadores da Áustria. O nome vem de Habichtsburg, ou seja, “castelo dos abutres” em alemão. Daí vem o abutre (e não águia) de duas cabeças do brasão da família. Nome sinistro? Dizem que existia uma maldição sobre eles, que os levava a diversas tragédias.
A dinastia acabou em 1918, logo após o final da Primeira Guerra Mundial, não sem antes trazer diversas tragédias à família do Imperador Francisco José, que governou de 1848 a 1916. Morreu em plena guerra, logo ele, que pensava que vivia num conto de fadas, como era o Império no século XIX. Sua esposa, a Imperatriz Elisabeth, também chamada de Sissi (que apareceu em quatro filmes de Hollywood, sempre representada por Romy Schneider), morreu assassinada em 1898, quando já estava separada do marido havia um bom tempo. Ou seja, o romance que aparecia nos filmes de Sissi não deu muito certo.
Seu filho Rodolfo suicidou-se com a amante no episódio de Mayerling, em 1889. O irmão do Imperador, Maximiliano, foi assassinado no México em 1868. Seu sobrinho, Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, foi assassinado em Serajevo (1914) com a esposa, em fato que foi o estopim da Primeira Guerra Mundial. Seu sobrinho-neto, Carlos I, foi coroado Imperador em dezembro de 1916 e foi destronado menos de dois anos depois, tendo falecido em 1922, bastante jovem.
O que tem a Leopoldina com isto? Bom, a Imperatriz Leopoldina era a irmã do Imperador Fernando I da Áustria e prima de Francisco José. A princesa Leopoldina era sua neta. Morreu muito jovem. Tanto esta como D. Pedro II, destronado em 1889, eram Habsburgos. A maldição estava neles.
Parece que a maldição passou para a ferrovia da cidade com o nome da princesa. O castelo dos abutres atacou mais uma vez.
Independente disso, acho curioso que o tal encontro seja realizado numa cidade que conseguiu liquidar com tudo o que havia de ferroviário nela, mesmo tendo sido ela o ponto de origem da Estrada de Ferro Leopoldina. Deviam se envergonhar do que fizeram depois que o trem deixou de ir para a cidade, em 1964.
Embora fosse um curto ramal de doze quilômetros que partia de Vista Alegre, na linha do Centro da Leopoldina, foi ela o primeiro objetivo da ferrovia a partir de Porto Novo. A linha chegou à cidade em 1877. Mais tarde, acabou se transformando em ramal, com o enorme crescimento da ferrovia e alteração de prioridades. Em 1965 o ramal foi extinto e a estação desativada. Foi depois demolida e os trilhos arrancados.
Ao contrário do que se pensa, a ferrovia não deve seu nome à Imperatriz Leopoldina, primeira esposa de D. Pedro I e mãe de D. Pedro II. A cidade, anteriormente chamada de Feijão Cru, homenageou a segunda filha de Pedro II, também Leopoldina, e não a Imperatriz. A ferrovia, por sua vez, homenageou a cidade, que, por sua vez, liquidou, como já dito acima, seu passado ferroviário tão importante historicamente.
Deve ser a praga que caiu sobre os Habsburgos. Os Habsburgos, como se sabe, eram uma dinastia austríaca que teve o seu primeiro Imperador (Kaiser) em 1291, ainda como regente do Sacro Império Romano-Germânico, e se perpetuou com poucas exceções até o final desse Império, em 1806, quando os Habsburgos tomaram para si o título de Imperadores da Áustria. O nome vem de Habichtsburg, ou seja, “castelo dos abutres” em alemão. Daí vem o abutre (e não águia) de duas cabeças do brasão da família. Nome sinistro? Dizem que existia uma maldição sobre eles, que os levava a diversas tragédias.
A dinastia acabou em 1918, logo após o final da Primeira Guerra Mundial, não sem antes trazer diversas tragédias à família do Imperador Francisco José, que governou de 1848 a 1916. Morreu em plena guerra, logo ele, que pensava que vivia num conto de fadas, como era o Império no século XIX. Sua esposa, a Imperatriz Elisabeth, também chamada de Sissi (que apareceu em quatro filmes de Hollywood, sempre representada por Romy Schneider), morreu assassinada em 1898, quando já estava separada do marido havia um bom tempo. Ou seja, o romance que aparecia nos filmes de Sissi não deu muito certo.
Seu filho Rodolfo suicidou-se com a amante no episódio de Mayerling, em 1889. O irmão do Imperador, Maximiliano, foi assassinado no México em 1868. Seu sobrinho, Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, foi assassinado em Serajevo (1914) com a esposa, em fato que foi o estopim da Primeira Guerra Mundial. Seu sobrinho-neto, Carlos I, foi coroado Imperador em dezembro de 1916 e foi destronado menos de dois anos depois, tendo falecido em 1922, bastante jovem.
O que tem a Leopoldina com isto? Bom, a Imperatriz Leopoldina era a irmã do Imperador Fernando I da Áustria e prima de Francisco José. A princesa Leopoldina era sua neta. Morreu muito jovem. Tanto esta como D. Pedro II, destronado em 1889, eram Habsburgos. A maldição estava neles.
Parece que a maldição passou para a ferrovia da cidade com o nome da princesa. O castelo dos abutres atacou mais uma vez.
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quinta-feira, 17 de setembro de 2009
PARNAÍBA NO SÉCULO XIX
Durante quatro anos eu pesquisei diversos livros da Câmara Municipal da Prefeitura de Santana de Parnaíba desde o início do século XIX até 1984. Também li livro a livro que estavam nos arquivos da Delegacia da cidade, e que remontavam também ao século XIX. Fui à Cúria de Jundiaí algumas vezes para ler os livros de Tombo da Paróquia de Parnaíba até os dias atuais.
Fora isso, consegui uma série de notas em livros diversos que levavam a fatos passados em Parnaíba durante os séculos passados até os últimos anos. Algumas vezes os achados foram meramente acidentais.
Finalmente, escrevi trinta e cinco páginas sobre a historia do município, com seus bairros e sua sede, nos anos 1800. Os anos 1900 ainda estão sendo escritos.
Os anos 1800 foram colocados numa página específica na Wikipedia três dias atrás. Se alguém tiver interesse em ler o que era uma cidade estagnada no tempo no século XIX, basta clicar aqui e ler.
Era uma das cidades mais pobres da Província, decadente e isolada, apesar de próxima a São Paulo. Cidade em que pouquíssima coisa acontecia, mas há alguns fatos interessantes. Não se conhecem fotos da cidade ou de outras partes do município no século XIX, exceto uma da Igreja Matriz (1887) e algumas mostrando algumas instalações da Cia. Melhoramentos, que ficava no município até 1934, mas em um ponto bastante afastado e de difícil acesso para quem vinha da sede.
A foto acima mostra uma casa da cidade, já do século XX e ainda em pé, próxima ao centro histórico.
Fora isso, consegui uma série de notas em livros diversos que levavam a fatos passados em Parnaíba durante os séculos passados até os últimos anos. Algumas vezes os achados foram meramente acidentais.
Finalmente, escrevi trinta e cinco páginas sobre a historia do município, com seus bairros e sua sede, nos anos 1800. Os anos 1900 ainda estão sendo escritos.
Os anos 1800 foram colocados numa página específica na Wikipedia três dias atrás. Se alguém tiver interesse em ler o que era uma cidade estagnada no tempo no século XIX, basta clicar aqui e ler.
Era uma das cidades mais pobres da Província, decadente e isolada, apesar de próxima a São Paulo. Cidade em que pouquíssima coisa acontecia, mas há alguns fatos interessantes. Não se conhecem fotos da cidade ou de outras partes do município no século XIX, exceto uma da Igreja Matriz (1887) e algumas mostrando algumas instalações da Cia. Melhoramentos, que ficava no município até 1934, mas em um ponto bastante afastado e de difícil acesso para quem vinha da sede.
A foto acima mostra uma casa da cidade, já do século XX e ainda em pé, próxima ao centro histórico.
quarta-feira, 16 de setembro de 2009
REVISTAS REGIONAIS
Tenho em meus arquivos muitas revistas antigas. A maioria foi comprada em sebos pelo fato de ter algum artigo que me interessava. Outras estavam no acervo de meu avô e ficaram para o meu.
Todas são interessantes pelo fato de retratarem fatos da época, na própria época. Há as revistas que falavam do Brasil todo e há as regionais, como a retratada em cima (Sala de Espera, de Piracicaba, número 5, de setembro de 1922).
Essas revistas regionais são na maioria das vezes verdadeiros tesouros. Há lá informações locais que dificilmente se poderia ter de outras fontes. Embora Piracicaba nesse tempo fosse uma das dez maiores cidades do Estado (hoje, não é pequena, mas foi para baixo na lista...), era, como ainda é hoje, muito menor do que a Capital e não merecia tanta atenção.
Por que meu avô guardou essa revista (e a de número três, também) eu posso até imaginar. Nessa existe um artigo dele sobre a inauguração do ramal de Piracicaba da Companhia Paulista e também uma reportagem com fotos do dia dessa inauguração. Maravilhoso. A qualidade da fotografia não é das melhores, mas a sua raridade acaba por anular essa, digamos, desvantagem.
O artigo que ele escreveu acabou oitenta anos depois sendo um achado para mim. Escrevi um texto para a Revista Ferroviária cerca de seis anos atrás e o editor, no final, pediu-me que achasse um texto que descrevesse uma inauguração de ferrovia no passado. Eu tinha alguns. Mostrei a ele, ao que ele respondeu: queria um não que retratasse a presença das autoridades, a banda que tocou e o coquetel que foi servido (como é a grande maioria deles), mas sim um em que o escritor escrevesse a sua visão do que poderia essa abertura representar para a nova linha e para a cidade.
Foi aí que me lembrei – demorou um pouco – desse artigo. Meu avô fazia exatamente isso, com mapa e tudo. Tanto que transcrevi o artigo e mandei ao editor, mas ele preferiu publicar o artigo como ele era – ou seja, escaneou-o. Era muito melhor, realmente.
Enfim, as revistas regionais tinham um valor grande, assim como os pequenos jornais dessas cidades. Muito desse material se perdeu pelos anos. Mas o que sobrou, comigo ou em outros acervos, é realmente uma fonte de conhecimento de diferentes épocas.
O que vejo hoje é preocupante: a Internet substitui essas revistas, que existem cada vez menos nas cidades do interior. No futuro, onde vão estar armazenadas essas informações? Alguém se preocupará em gravar cada uma delas em memória virtual? Se isso não ocorrer, as informações perder-se-ão da mesma forma, ou até pior, do que os jornais e revistas desaparecidos durante todos esses anos.
Esperamos que nossos arquivistas, os quais existem aos milhares espalhados pelo mundo afora, lembrem-se desses detalhes, para que os pesquisadores de daqui a cinquenta ou cem anos possam achar as informações necessárias para seus trabalhos.
Todas são interessantes pelo fato de retratarem fatos da época, na própria época. Há as revistas que falavam do Brasil todo e há as regionais, como a retratada em cima (Sala de Espera, de Piracicaba, número 5, de setembro de 1922).
Essas revistas regionais são na maioria das vezes verdadeiros tesouros. Há lá informações locais que dificilmente se poderia ter de outras fontes. Embora Piracicaba nesse tempo fosse uma das dez maiores cidades do Estado (hoje, não é pequena, mas foi para baixo na lista...), era, como ainda é hoje, muito menor do que a Capital e não merecia tanta atenção.
Por que meu avô guardou essa revista (e a de número três, também) eu posso até imaginar. Nessa existe um artigo dele sobre a inauguração do ramal de Piracicaba da Companhia Paulista e também uma reportagem com fotos do dia dessa inauguração. Maravilhoso. A qualidade da fotografia não é das melhores, mas a sua raridade acaba por anular essa, digamos, desvantagem.
O artigo que ele escreveu acabou oitenta anos depois sendo um achado para mim. Escrevi um texto para a Revista Ferroviária cerca de seis anos atrás e o editor, no final, pediu-me que achasse um texto que descrevesse uma inauguração de ferrovia no passado. Eu tinha alguns. Mostrei a ele, ao que ele respondeu: queria um não que retratasse a presença das autoridades, a banda que tocou e o coquetel que foi servido (como é a grande maioria deles), mas sim um em que o escritor escrevesse a sua visão do que poderia essa abertura representar para a nova linha e para a cidade.
Foi aí que me lembrei – demorou um pouco – desse artigo. Meu avô fazia exatamente isso, com mapa e tudo. Tanto que transcrevi o artigo e mandei ao editor, mas ele preferiu publicar o artigo como ele era – ou seja, escaneou-o. Era muito melhor, realmente.
Enfim, as revistas regionais tinham um valor grande, assim como os pequenos jornais dessas cidades. Muito desse material se perdeu pelos anos. Mas o que sobrou, comigo ou em outros acervos, é realmente uma fonte de conhecimento de diferentes épocas.
O que vejo hoje é preocupante: a Internet substitui essas revistas, que existem cada vez menos nas cidades do interior. No futuro, onde vão estar armazenadas essas informações? Alguém se preocupará em gravar cada uma delas em memória virtual? Se isso não ocorrer, as informações perder-se-ão da mesma forma, ou até pior, do que os jornais e revistas desaparecidos durante todos esses anos.
Esperamos que nossos arquivistas, os quais existem aos milhares espalhados pelo mundo afora, lembrem-se desses detalhes, para que os pesquisadores de daqui a cinquenta ou cem anos possam achar as informações necessárias para seus trabalhos.
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terça-feira, 15 de setembro de 2009
DE KOMBI ATÉ JOÃO PESSOA
Depois que meus pais voltaram da Universidade de Illinois, em Urbana, USA, em setembro de 1957, estavam sem dinheiro. Ao contrário da viagem que eles fizeram à Suíça em 1953, desta vez eu e minha irmã fomos com eles. Tudo isso saiu caro – a casa no Sumaré foi alugada por um ano (fomos em setembro de 1956) e quando voltamos tivemos ainda de esperar um tempo para podermos reocupar a casa. Fomos para a casa de minha avó na Vila Mariana.
Trouxemos a televisão dos Estados Unidos – antes disso, não tínhamos televisão (não fazia falta). Mas o carro teve de ficar lá – e aqui meu pai ficou sem carro durante todo o ano de 1958. Só comprou um carro no início de 1959 – um Studebaker 1951. Em 1961, comprou uma Kombi e em 1964, vendeu-a e comprou outra mais nova. Colocou cortininhas nas janelas e decidiu ir para um congresso no Recife levando a família em janeiro de 1965, de carro. Eu estava com 14 anos.
Colocamos os bancos traseiros um de frente para o outro e pronto. Tínhamos uma sala. Fechávamos a cortina quando entrava muito sol. Uma festa. Que cinto de segurança, que nada – eles nem existiam. Viajei sentado no chão muitas vezes. A viagem foi feita em partes. No primeiro dia, deixamos São Paulo e fomos até a cidade de Leopoldina, em Minas. Procuramos o hotel e por lá ficamos durante a noite. Era assim: meu pai não reservava hotel e fosse o que Deus quisesse. Porém, era para irmos mais longe nesse dia – mas um acidente onde uma criança atravessou a pista descendo de um monte de terra ao lado da estrada em Três Rios acabou tomando-nos tempo nessa cidade. Meu pai não conseguiu brecar, pegou o menino – de uns sete anos – e levou-o ao hospital, onde ele engessou as duas pernas. Meu pai pagou tudo e fomos embora. Era assim.
No segundo dia, dormimos em Teófilo Ottoni e no dia seguinte paramos em Governador Valadares, onde meu pai tinha família – parte dos Giesbrechts está lá, pois meu bisavô morreu lá depois de ter sido prefeito. Conversas mil, seguimos no mesmo dia até Jequié. Dormimos nessa cidade baiana. No quarto dia, chegamos a Salvador, onde dormimos por duas noites num hotel no centro da cidade. É, nessa época havia hotéis decentes no centro. Lá também meu pai tinha primos, que vieram de Santa Catarina. Gente com cara de alemães, mas com sotaque baiano. Conhecemos a cidade e as praias, além do sítio deles no Cabula.
No quinto dia fomos a Aracaju, visitamos a cidade e seguimos até Penedo, onde havia uma balsa para cruzar o São Francisco. Cruzamos e dormimos na cidade, lado alagoano. No dia seguinte seguimos direto até o Recife. Em Alagoas, a estrada era de terra com pedaços de asfalto no meio (já havia sido asfaltada). Tínhamos de desviar dos pedaços. Em Recife era o congresso, ficamos três semanas lá, visitamos praias em vários pontos do litoral sul. No hotel, no centro da cidade, os jogadores dos times principais do São Paulo e do Corinthians estavam também hospedados, pois havia um pentagonal com eles e os times do Náutico, Santa Cruz e Sport. Fomos a um dos jogos, aliás, dois: era rodada dupla na Ilha do Retiro. Ou Aflitos? Não me lembro. Lembro que joguei botão no saguão do hotel com os jogadores do São Paulo, e futebol em Boa Viagem com três jogadores do Corinthians.
Um dia esticamos até João Pessoa para conhecer a cidade. Foi o ponto mais distante da viagem. Foi ótima. Por isso me lembro desses detalhes, valeu a pena. Na volta, fizemos mais ou menos o mesmo caminho, exceto que do Recife fomos a Paulo Afonso – uma estrada de terra horrorosa, que levamos o dia todo para fazer. Conhecemos a cachoeira e dormimos num hotel de lá – que não era grande coisa. No dia seguinte, voltamos a Salvador, por Alagoinhas.
Mais dois dias em Salvador e finalmente a viagem de volta para São Paulo. Que saudades. Estradas ruins, mas quem ligava? Meu pai gostava e não reclamava, ele queria era conhecer os lugares. Boas lembranças de tempos excelentes.
Trouxemos a televisão dos Estados Unidos – antes disso, não tínhamos televisão (não fazia falta). Mas o carro teve de ficar lá – e aqui meu pai ficou sem carro durante todo o ano de 1958. Só comprou um carro no início de 1959 – um Studebaker 1951. Em 1961, comprou uma Kombi e em 1964, vendeu-a e comprou outra mais nova. Colocou cortininhas nas janelas e decidiu ir para um congresso no Recife levando a família em janeiro de 1965, de carro. Eu estava com 14 anos.
Colocamos os bancos traseiros um de frente para o outro e pronto. Tínhamos uma sala. Fechávamos a cortina quando entrava muito sol. Uma festa. Que cinto de segurança, que nada – eles nem existiam. Viajei sentado no chão muitas vezes. A viagem foi feita em partes. No primeiro dia, deixamos São Paulo e fomos até a cidade de Leopoldina, em Minas. Procuramos o hotel e por lá ficamos durante a noite. Era assim: meu pai não reservava hotel e fosse o que Deus quisesse. Porém, era para irmos mais longe nesse dia – mas um acidente onde uma criança atravessou a pista descendo de um monte de terra ao lado da estrada em Três Rios acabou tomando-nos tempo nessa cidade. Meu pai não conseguiu brecar, pegou o menino – de uns sete anos – e levou-o ao hospital, onde ele engessou as duas pernas. Meu pai pagou tudo e fomos embora. Era assim.
No segundo dia, dormimos em Teófilo Ottoni e no dia seguinte paramos em Governador Valadares, onde meu pai tinha família – parte dos Giesbrechts está lá, pois meu bisavô morreu lá depois de ter sido prefeito. Conversas mil, seguimos no mesmo dia até Jequié. Dormimos nessa cidade baiana. No quarto dia, chegamos a Salvador, onde dormimos por duas noites num hotel no centro da cidade. É, nessa época havia hotéis decentes no centro. Lá também meu pai tinha primos, que vieram de Santa Catarina. Gente com cara de alemães, mas com sotaque baiano. Conhecemos a cidade e as praias, além do sítio deles no Cabula.
No quinto dia fomos a Aracaju, visitamos a cidade e seguimos até Penedo, onde havia uma balsa para cruzar o São Francisco. Cruzamos e dormimos na cidade, lado alagoano. No dia seguinte seguimos direto até o Recife. Em Alagoas, a estrada era de terra com pedaços de asfalto no meio (já havia sido asfaltada). Tínhamos de desviar dos pedaços. Em Recife era o congresso, ficamos três semanas lá, visitamos praias em vários pontos do litoral sul. No hotel, no centro da cidade, os jogadores dos times principais do São Paulo e do Corinthians estavam também hospedados, pois havia um pentagonal com eles e os times do Náutico, Santa Cruz e Sport. Fomos a um dos jogos, aliás, dois: era rodada dupla na Ilha do Retiro. Ou Aflitos? Não me lembro. Lembro que joguei botão no saguão do hotel com os jogadores do São Paulo, e futebol em Boa Viagem com três jogadores do Corinthians.
Um dia esticamos até João Pessoa para conhecer a cidade. Foi o ponto mais distante da viagem. Foi ótima. Por isso me lembro desses detalhes, valeu a pena. Na volta, fizemos mais ou menos o mesmo caminho, exceto que do Recife fomos a Paulo Afonso – uma estrada de terra horrorosa, que levamos o dia todo para fazer. Conhecemos a cachoeira e dormimos num hotel de lá – que não era grande coisa. No dia seguinte, voltamos a Salvador, por Alagoinhas.
Mais dois dias em Salvador e finalmente a viagem de volta para São Paulo. Que saudades. Estradas ruins, mas quem ligava? Meu pai gostava e não reclamava, ele queria era conhecer os lugares. Boas lembranças de tempos excelentes.
segunda-feira, 14 de setembro de 2009
O RIO DE JANEIRO DE 1927
Meu avô Sud trabalhou no censo escolar do Rio de Janeiro durante quase todo o primeiro semestre de 1927. Abaixo, na carta enviada a Maria Mennucci, sua esposa, que ficou em São Paulo, algumas impressões sobre a cidade. Infelizmente a carta não tem data, mas deve ser do princípio de sua estada.
“Fui domingo visitar o Horto Florestal, cujo diretor é o Francisco Iglesias, um conterrâneo e velho amigo. Fiquei lá toda a tarde. Almoçamos e jantamos na casa de meu amigo e só à noite é que viemos dar uma volta pela cidade.
O Horto Florestal é um sítio maravilhoso. Aliás, em matéria de maravilhas o Rio não tem competidor em parte alguma do mundo. Isto aqui é um assombro de paisagem, que nos deixa boquiabertos e encantados a cada instante. Dizem as crônicas que o Horto era a estação de verão de D. Leopoldina, a infeliz rainha brasileira. Como gostava de história natural, nenhum lugar lhe prestaria mais a esse estudo do que nesse anfiteatro natural que se formou num recôncavo da serra.
Ontem, continuando minha inspeção censitária, dei a volta de Santa Teresa, num caminho que fica mais ou menos paralelo à estrada de ferro que leva ao Corcovado. Eu já perdi o hábito das exclamações ruidosas de prazer e de admiração, mas tenho aqui de abandonar o meu ar de sobriedade e fazer côo todos os outros.
Hoje vou dar a volta da Tijuca (a volta pequena, porque a grande, que vai terminar em Jacarepaguá eu já fiz).
Com todas essas belezas, o Rio é a certos aspectos uma cidade intragável. Tem zonas imundas e sujas. Perto da cidade, na Ponta do Caju, tem duas praias infectas. E uma delas se chama por cúmulo de ironia a Praia do Retiro Saudoso. Os subúrbios do Rio estão abandonados há anos. Não têm melhoramento algum, nem sequer o simples calçamento. Seguramente há uns três bons quatriênios que nada se faz por aqueles lados, onde mora a verdadeira população operosa da cidade. Mas os prefeitos só cuidavam do lado onde residem os vagabundos, que, por isso que não têm que fazer, sobra tempo que farte para fazer reclamações.
Ainda continuo a pensar, a propósito de nossa mudança para cá, aquilo mesmo que te disse na última carta. Ou eles me pagam o mínimo de três contos de réis ou eu não fico. O que é bonito deve ser para todos. Trabalhar enquanto os outros gozam,,, ah não. Trabalhar por trabalhar fico em São Paulo onde ninguém estranha que a gente se mate.
Por hoje chega. Abraços ao pessoal e abraços do teu Sud.”
Meus avós jamais se mudaram para o Rio. Ficaram em São Paulo por toda a vida.
“Fui domingo visitar o Horto Florestal, cujo diretor é o Francisco Iglesias, um conterrâneo e velho amigo. Fiquei lá toda a tarde. Almoçamos e jantamos na casa de meu amigo e só à noite é que viemos dar uma volta pela cidade.
O Horto Florestal é um sítio maravilhoso. Aliás, em matéria de maravilhas o Rio não tem competidor em parte alguma do mundo. Isto aqui é um assombro de paisagem, que nos deixa boquiabertos e encantados a cada instante. Dizem as crônicas que o Horto era a estação de verão de D. Leopoldina, a infeliz rainha brasileira. Como gostava de história natural, nenhum lugar lhe prestaria mais a esse estudo do que nesse anfiteatro natural que se formou num recôncavo da serra.
Ontem, continuando minha inspeção censitária, dei a volta de Santa Teresa, num caminho que fica mais ou menos paralelo à estrada de ferro que leva ao Corcovado. Eu já perdi o hábito das exclamações ruidosas de prazer e de admiração, mas tenho aqui de abandonar o meu ar de sobriedade e fazer côo todos os outros.
Hoje vou dar a volta da Tijuca (a volta pequena, porque a grande, que vai terminar em Jacarepaguá eu já fiz).
Com todas essas belezas, o Rio é a certos aspectos uma cidade intragável. Tem zonas imundas e sujas. Perto da cidade, na Ponta do Caju, tem duas praias infectas. E uma delas se chama por cúmulo de ironia a Praia do Retiro Saudoso. Os subúrbios do Rio estão abandonados há anos. Não têm melhoramento algum, nem sequer o simples calçamento. Seguramente há uns três bons quatriênios que nada se faz por aqueles lados, onde mora a verdadeira população operosa da cidade. Mas os prefeitos só cuidavam do lado onde residem os vagabundos, que, por isso que não têm que fazer, sobra tempo que farte para fazer reclamações.
Ainda continuo a pensar, a propósito de nossa mudança para cá, aquilo mesmo que te disse na última carta. Ou eles me pagam o mínimo de três contos de réis ou eu não fico. O que é bonito deve ser para todos. Trabalhar enquanto os outros gozam,,, ah não. Trabalhar por trabalhar fico em São Paulo onde ninguém estranha que a gente se mate.
Por hoje chega. Abraços ao pessoal e abraços do teu Sud.”
Meus avós jamais se mudaram para o Rio. Ficaram em São Paulo por toda a vida.
domingo, 13 de setembro de 2009
ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS SEM HISTÓRIA
Estava eu aqui este fim de semana pesquisando sobre duas estações das quais me foram mandadas fotografias. Mais especificamente, as estações de Catiara e de Batista Frazão, ambas em Minas Gerais e por coincidência relativamente próximas entre si.
Como sempre, fui à Internet tentar achar alguma coisa sobre elas, além das fotos que recebi. Fiquei até surpreso com o que achei sobre a de Catiara. Esta estação não é nem sede de município, é uma vila pequena e pobre, de acordo com a descrição que me foi passada pelo autor das fotos. Porém, teve um passado bastante movimentado. Achei três ou quatro relatos sobre “os bons tempos” de Catiara, quando nesta estação se embarcava toda a produção de leite da região de Patrocínio, na entrada do Triângulo Mineiro e próximo à divisa com Goiás.
Um deles dizia que ela teria sido a segunda estação do Estado de Minas em movimento, perdendo apenas para a de Juiz de Fora. Pareceu-me um exagero, mas deu para perceber por outros relatos que o movimento era bastante intenso – estou falando de cargas como leite e derivados de carne. E se a vila hoje é pequena e pobre – está no município de Serra do Salitre – é porque já há muito tempo os caminhões passaram a transportar tudo e de outros lugares que embarcavam antes no trem em Catiara, fechando de vez uma estação já sem movimento.
Procurei também informações sobre a estação de Batista Frazão, sem muitas esperanças de achar algo. Afinal, estações construídas a partir de meados dos anos 1970 somente serviam como pátios de cruzamentos, não havia trens de passageiros para usá-las e muito menos carga miúda. Além disso, eram sempre construídas longe da civilização. Então, não há lembranças, não há recordações, é como se nada existisse ali. O povo não os conhece, somente vai até elas quem gosta de ver movimento de trens.
Isso é um dos fatores que torna difícil a pesquisa histórica das ferrovias e suas estações a partir dessa época. É muito mais fácil conseguir-se informações de tempos mais antigos, por mais paradoxal que seja. A partir do final dos anos 1960, os relatórios anuais das empresas ferroviárias, quando existiam, já eram simplesmente cadernos com fotos e um ou outro comentário sobre algumas realizações, mais dados financeiros. Uma inauguração de trecho, quando era citada, não dava os mesmos dados detalhados dos relatórios de antigamente. Pior: existem relatórios dos anos 1990 que escrevem mentiras. O que dirão pesquisadores quando os lerem daqui a cem anos?
Uma forma de se obter dados é a consulta a jornais da época, mas mesmo estes muitas vezes não dão os detalhes e algumas vezes infelizmente contem erros por falta de uma boa pesquisa na época. E há que se saber o dia exato do evento, senão perde-se um enorme tempo folheando papel. Consegui saber a data de inauguração da EF-045 - a variante Araguari-Celso Bueno, onde está a estação de Batista Frazão, num livro escrito sobre o Batalhão Mauá, o 2º Batalhão Ferroviário que construiu essa e outras linhas, sediado em Araguari. Mesmo este, no entanto, não tem o nome das estações do trecho nem sua quilometragem. O trecho foi aberto em maio de 1984.
As recordações de quem conheceu a estação de Catiara (foto acima de Eduardo Marini) são de saudade, são sobre o que acontecia ali, o movimento, a vila próxima. Sobre Batista Frazão, isso não existe e somente virá a existir se um dia voltarem trens de passageiros e alguma pequena vila se formar em volta dela. Coisa altamente improvável, digamos, praticamente impossível.
Como sempre, fui à Internet tentar achar alguma coisa sobre elas, além das fotos que recebi. Fiquei até surpreso com o que achei sobre a de Catiara. Esta estação não é nem sede de município, é uma vila pequena e pobre, de acordo com a descrição que me foi passada pelo autor das fotos. Porém, teve um passado bastante movimentado. Achei três ou quatro relatos sobre “os bons tempos” de Catiara, quando nesta estação se embarcava toda a produção de leite da região de Patrocínio, na entrada do Triângulo Mineiro e próximo à divisa com Goiás.
Um deles dizia que ela teria sido a segunda estação do Estado de Minas em movimento, perdendo apenas para a de Juiz de Fora. Pareceu-me um exagero, mas deu para perceber por outros relatos que o movimento era bastante intenso – estou falando de cargas como leite e derivados de carne. E se a vila hoje é pequena e pobre – está no município de Serra do Salitre – é porque já há muito tempo os caminhões passaram a transportar tudo e de outros lugares que embarcavam antes no trem em Catiara, fechando de vez uma estação já sem movimento.
Procurei também informações sobre a estação de Batista Frazão, sem muitas esperanças de achar algo. Afinal, estações construídas a partir de meados dos anos 1970 somente serviam como pátios de cruzamentos, não havia trens de passageiros para usá-las e muito menos carga miúda. Além disso, eram sempre construídas longe da civilização. Então, não há lembranças, não há recordações, é como se nada existisse ali. O povo não os conhece, somente vai até elas quem gosta de ver movimento de trens.
Isso é um dos fatores que torna difícil a pesquisa histórica das ferrovias e suas estações a partir dessa época. É muito mais fácil conseguir-se informações de tempos mais antigos, por mais paradoxal que seja. A partir do final dos anos 1960, os relatórios anuais das empresas ferroviárias, quando existiam, já eram simplesmente cadernos com fotos e um ou outro comentário sobre algumas realizações, mais dados financeiros. Uma inauguração de trecho, quando era citada, não dava os mesmos dados detalhados dos relatórios de antigamente. Pior: existem relatórios dos anos 1990 que escrevem mentiras. O que dirão pesquisadores quando os lerem daqui a cem anos?
Uma forma de se obter dados é a consulta a jornais da época, mas mesmo estes muitas vezes não dão os detalhes e algumas vezes infelizmente contem erros por falta de uma boa pesquisa na época. E há que se saber o dia exato do evento, senão perde-se um enorme tempo folheando papel. Consegui saber a data de inauguração da EF-045 - a variante Araguari-Celso Bueno, onde está a estação de Batista Frazão, num livro escrito sobre o Batalhão Mauá, o 2º Batalhão Ferroviário que construiu essa e outras linhas, sediado em Araguari. Mesmo este, no entanto, não tem o nome das estações do trecho nem sua quilometragem. O trecho foi aberto em maio de 1984.
As recordações de quem conheceu a estação de Catiara (foto acima de Eduardo Marini) são de saudade, são sobre o que acontecia ali, o movimento, a vila próxima. Sobre Batista Frazão, isso não existe e somente virá a existir se um dia voltarem trens de passageiros e alguma pequena vila se formar em volta dela. Coisa altamente improvável, digamos, praticamente impossível.
sábado, 12 de setembro de 2009
ENTRE O MATO E OS PERNILONGOS
Esta tarde outra vez fui dar as caras no Corredor, um pátio da Estrada de Ferro Perus-Pirapora. Mais uma vez falo desta ferrovia no blog. Lá estavam vários integrantes do grupo que se diverte tentando – e conseguindo – dar um jeito nesta ferrovia de quase cem anos e que viveu no abandono total por vinte.
Existem atualmente cerca de sete quilômetros de linha que pode ser utilizada, tudo recuperado por esse pessoal batalhador. A uma certa altura, pegamos o trolinho movido a gasolina para ir até o ponto em que duas árvores caíram sobre a linha no dia da chuvarada em São Paulo (8 de setembro), no sentido de Perus. No outro sentido, de Cajamar, há pelo menos dez árvores caídas. Seu corte vai ficar para outro dia.
O que é pitoresco é que os passageiros do trole têm de se desviar dos cipós e galhos que invadem a área dos trilhos e se proteger dos inúmeros pernilongos que existem por ali, principalmente a partir da tarde. O pessoal leva sempre seus Autans e Repelexes da vida. Quanto ao mato, a conservação e corte têm de ser constantes, principalmente no verão — ele invade rapidamente o leito e cobre os trilhos.
Avançamos com o trolinho — éramos cinco pessoas, sendo que temos sempre de ter quatro no mínimo para girá-lo no extremo da linha transitável, devido ao seu peso – até o ponto em que caiu a primeira árvore, cheia de galhos. Foram quarenta minutos para cortá-la e afastá-la dos trilhos.
A segunda árvore foi mais fácil. Enorme, mas sem galhos, foi bem mais rápido. Chegamos então ao final da linha, ponto em que, no quilômetro dois, uma estrada de terra a corta, estando os trilhos debaixo de pelo menos um metro de terra. Do outro lado eles continuam. As negociações para tirar os trilhos do soterramento e se construir ali uma passagem de nível estão bem avançadas.
Ali giramos o trole e voltamos. Pegaram carona mais três pessoas que haviam vindo a pé desde o Corredor. Estas pessoas estavam na pedreira em Cajamar, onde está a maior parte das locomotivas abandonadas. Uma delas foi desmontada para recuperação. Tudo feito por prazer. Até duas semanas atrás, ela estava infestada de abelhas, mato e galhos, junto com outras. Agora vai ser posta para rodar.
Este tipo de associação de preservação de ferrovias — há diversas no Brasil — atua realmente dessa forma: as pessoas fazem tudo de graça e se divertem. Capinam mato, serram árvores, montam e desmontam carros, vagões e locomotivas, constroem pátios, como se tudo fosse uma pequena maquete de “trem elétrico”. A Perus-Pirapora não é uma exceção.
Claro que todas lutam com falta de dinheiro. Verbas têm de ser levantadas por doações, pela mensalidade dos associados, por ajuda em material e/ou trabalho, e alguém corre atrás de tudo isso. No caso aqui, está funcionando porque as pessoas são sérias. Um deles trabalhou na ferrovia, e também seu pai, enquanto ela esteve ativa, até 1983.
Mais uma vez, parabéns a todos eles e pelo excelente trabalho de liderança que o Julio está fazendo. Esperamos que em 2014 a ferrovia possa comemorar seu centenário em situação bem melhor do que está hoje, assim como hoje ela está em situação muito melhor do que estava há dois anos.
Na foto acima, o pátio do Corredor, visto no sentido de Perus. Há dois anos, metade dele era um matagal e apenas uma linha podia ser vista.
Existem atualmente cerca de sete quilômetros de linha que pode ser utilizada, tudo recuperado por esse pessoal batalhador. A uma certa altura, pegamos o trolinho movido a gasolina para ir até o ponto em que duas árvores caíram sobre a linha no dia da chuvarada em São Paulo (8 de setembro), no sentido de Perus. No outro sentido, de Cajamar, há pelo menos dez árvores caídas. Seu corte vai ficar para outro dia.
O que é pitoresco é que os passageiros do trole têm de se desviar dos cipós e galhos que invadem a área dos trilhos e se proteger dos inúmeros pernilongos que existem por ali, principalmente a partir da tarde. O pessoal leva sempre seus Autans e Repelexes da vida. Quanto ao mato, a conservação e corte têm de ser constantes, principalmente no verão — ele invade rapidamente o leito e cobre os trilhos.
Avançamos com o trolinho — éramos cinco pessoas, sendo que temos sempre de ter quatro no mínimo para girá-lo no extremo da linha transitável, devido ao seu peso – até o ponto em que caiu a primeira árvore, cheia de galhos. Foram quarenta minutos para cortá-la e afastá-la dos trilhos.
A segunda árvore foi mais fácil. Enorme, mas sem galhos, foi bem mais rápido. Chegamos então ao final da linha, ponto em que, no quilômetro dois, uma estrada de terra a corta, estando os trilhos debaixo de pelo menos um metro de terra. Do outro lado eles continuam. As negociações para tirar os trilhos do soterramento e se construir ali uma passagem de nível estão bem avançadas.
Ali giramos o trole e voltamos. Pegaram carona mais três pessoas que haviam vindo a pé desde o Corredor. Estas pessoas estavam na pedreira em Cajamar, onde está a maior parte das locomotivas abandonadas. Uma delas foi desmontada para recuperação. Tudo feito por prazer. Até duas semanas atrás, ela estava infestada de abelhas, mato e galhos, junto com outras. Agora vai ser posta para rodar.
Este tipo de associação de preservação de ferrovias — há diversas no Brasil — atua realmente dessa forma: as pessoas fazem tudo de graça e se divertem. Capinam mato, serram árvores, montam e desmontam carros, vagões e locomotivas, constroem pátios, como se tudo fosse uma pequena maquete de “trem elétrico”. A Perus-Pirapora não é uma exceção.
Claro que todas lutam com falta de dinheiro. Verbas têm de ser levantadas por doações, pela mensalidade dos associados, por ajuda em material e/ou trabalho, e alguém corre atrás de tudo isso. No caso aqui, está funcionando porque as pessoas são sérias. Um deles trabalhou na ferrovia, e também seu pai, enquanto ela esteve ativa, até 1983.
Mais uma vez, parabéns a todos eles e pelo excelente trabalho de liderança que o Julio está fazendo. Esperamos que em 2014 a ferrovia possa comemorar seu centenário em situação bem melhor do que está hoje, assim como hoje ela está em situação muito melhor do que estava há dois anos.
Na foto acima, o pátio do Corredor, visto no sentido de Perus. Há dois anos, metade dele era um matagal e apenas uma linha podia ser vista.
sexta-feira, 11 de setembro de 2009
DESINFORMAÇÃO
Lembro-me que em 1996, quando comecei a pesquisar ferrovias, olhava para a estação de Porto Ferreira e os trilhos ainda meio cobertos de mato que vinham desde o viaduto da via Anhanguera até a estação, e ficava em dúvida se os trens ainda passavam por ali. Afinal, havia trilhos e uma estação, certo?
Errado. Para a primeira pessoa que perguntei, a resposta veio seca: não. Perguntei há quanto tempo, e veio a resposta: há alguns anos. Era verdade. Os últimos trens que passaram por ali foram cargueiros, no final dos anos 1980. Aí, fui aprendendo: o que eu havia ouvido nos últimos anos era quase verdadeiro: trens de passageiros não rodam mais no Brasil.
Era quase verdadeiro, porque no início dos anos 1990, sobreviviam – isso eu descobri depois – trens de passageiros cambaleantes em quase todos os Estados brasileiros. Esses poucos trens acabaram quase todos até meados de 1996. No meio desse ano, a RFFSA não tinha mais trem nenhum rodando. Já a Vale do Rio Doce tinha, como ainda tem, o Vitória-Minas e o da Estrada de Ferro Carajás. A Fepasa ainda tinha, em 1996, os trens das antigas linhas-tronco da Paulista, Araraquarense, Sorocabana, Mogiana e de lambuja, tinha ainda o Santos-Juquiá e o Embu-Guaçu-Santos.
Os três últimos acabaram em 1997. O resto foi acabando aos poucos até março de 2001, já puxados por uma mambembe e desinteressada Ferroban e literalmente vazios. Sem discutir as razões pelas quais isso aconteceu, pois já falei sobre isto em outros artigos, o interessante é que até hoje, oito anos depois do apocalipse, ainda recebo e-mails de pessoas (bem) desinformadas perguntando se existem trens de passageiros ligando uma determinada cidade a outra, que ele gostaria de refazer um passeio que fez na infância, etc.
Eu já coloquei na primeira página de meu site (o das estações ferroviárias, mas que fala muito mais do que somente estações) uma nota dizendo quais são os trens que restam no Brasil (os da Vale, o do Amapá, os metropolitanos e os turísticos), mas parece que ninguém lê ou acredita. Fico realmente surpreso com essa falta de informação. O que é uma pena, pois isso mostra que ainda existem pessoas que se lembram dos trens, querem mostrar aos filhos como era e... é impossível.
Resta a eles pegar um dos trens turísticos, sempre feitos com carros e locomotivas antigas. Qualquer trem de linha decente que se introduza hoje teria de ter carros mais modernos. Mas que diabo! Falo isso e me lembro que os trens da Vale ainda usam carros antigos reformados. Sim, são confortáveis, mas já são praticamente peças de museu.
E fala-se em trem-bala entre o Rio, São Paulo e Campinas. Esse, não tem jeito: se ele sair um dia, vai ter de ser com tudo novo, senão não será um trem-bala. Os únicos trens no Brasil que têm em alguns casos unidades novas são os metropolitanos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Há trens metropolitanos que andam em diversas capitais do País que ainda usam carros e unidades bem antigos, como os Toshiba reformados de Salvador ou os lendários húngaros ultra-recauchutados de Teresina. E os metrôs, claro.
Errado. Para a primeira pessoa que perguntei, a resposta veio seca: não. Perguntei há quanto tempo, e veio a resposta: há alguns anos. Era verdade. Os últimos trens que passaram por ali foram cargueiros, no final dos anos 1980. Aí, fui aprendendo: o que eu havia ouvido nos últimos anos era quase verdadeiro: trens de passageiros não rodam mais no Brasil.
Era quase verdadeiro, porque no início dos anos 1990, sobreviviam – isso eu descobri depois – trens de passageiros cambaleantes em quase todos os Estados brasileiros. Esses poucos trens acabaram quase todos até meados de 1996. No meio desse ano, a RFFSA não tinha mais trem nenhum rodando. Já a Vale do Rio Doce tinha, como ainda tem, o Vitória-Minas e o da Estrada de Ferro Carajás. A Fepasa ainda tinha, em 1996, os trens das antigas linhas-tronco da Paulista, Araraquarense, Sorocabana, Mogiana e de lambuja, tinha ainda o Santos-Juquiá e o Embu-Guaçu-Santos.
Os três últimos acabaram em 1997. O resto foi acabando aos poucos até março de 2001, já puxados por uma mambembe e desinteressada Ferroban e literalmente vazios. Sem discutir as razões pelas quais isso aconteceu, pois já falei sobre isto em outros artigos, o interessante é que até hoje, oito anos depois do apocalipse, ainda recebo e-mails de pessoas (bem) desinformadas perguntando se existem trens de passageiros ligando uma determinada cidade a outra, que ele gostaria de refazer um passeio que fez na infância, etc.
Eu já coloquei na primeira página de meu site (o das estações ferroviárias, mas que fala muito mais do que somente estações) uma nota dizendo quais são os trens que restam no Brasil (os da Vale, o do Amapá, os metropolitanos e os turísticos), mas parece que ninguém lê ou acredita. Fico realmente surpreso com essa falta de informação. O que é uma pena, pois isso mostra que ainda existem pessoas que se lembram dos trens, querem mostrar aos filhos como era e... é impossível.
Resta a eles pegar um dos trens turísticos, sempre feitos com carros e locomotivas antigas. Qualquer trem de linha decente que se introduza hoje teria de ter carros mais modernos. Mas que diabo! Falo isso e me lembro que os trens da Vale ainda usam carros antigos reformados. Sim, são confortáveis, mas já são praticamente peças de museu.
E fala-se em trem-bala entre o Rio, São Paulo e Campinas. Esse, não tem jeito: se ele sair um dia, vai ter de ser com tudo novo, senão não será um trem-bala. Os únicos trens no Brasil que têm em alguns casos unidades novas são os metropolitanos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Há trens metropolitanos que andam em diversas capitais do País que ainda usam carros e unidades bem antigos, como os Toshiba reformados de Salvador ou os lendários húngaros ultra-recauchutados de Teresina. E os metrôs, claro.
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
O DIA DEPOIS DE AMANHÃ
Do “Estado de S. Paulo” de 10/9/2009, dois dias após a enchente do dia 8 em São Paulo:
MP quer suspensão de obra na Marginal (politicagem) e Serra culpa natureza por estragos (o óbvio, desde que não houvesse culpa humana histórica de diversos lados).
SP está preparada para enchentes, afirma Kassab (acho que ele mora em outra cidade).
Prefeito volta a culpar gestão petista (de Marta, mas e os outros prefeitos antes dela?).
Prefeito acaba enfrentando fúria de moradora (de Itaquera, que jogou toda a culpa no atual prefeito). Ela está certa somente em parte.
O prefeito negou que o corte de 20% no orçamento da varrição e coleta de lixo contribuiu com alagamentos (obviamente contribuiu) e prometeu punir as cinco empresas responsáveis pelo serviço com o rompimento do contrato (alguém acredita?).
Ceagesp perde R$ 220 mil e planeja reforma (só agora? Não é a primeira vez que ele inunda).
Garis ameaçam paralisar varrição das ruas de São Paulo na próxima semana (mais gente atrapalhando em vez de ajudar num momento difícil).
Marginais amanheceram cheias de lixo.
Até os cones quebrados do CET ficaram à margem da pista.
“A boca de lobo entupiu. É que faz uma semana que a Prefeitura não recolhe o lixo aqui” (de uma moradora dos Campos Elíseos).
“Os carroceiros recolhem entulho e material de construção dos apartamentos de Higienópolis e descarregam em qualquer lugar nas ruas daqui e embaixo do Minhocão” (de outro morador dos Campos Elíseos).
Do mesmo morador: “Antes, o caminhão de lixo passava todo dia. Agora não. Ele passa uma vez por semana. Quando chove, a água arrasta tudo isso”.
Do dia anterior (9 de setembro): Em Osasco, uma pessoa morre e 3 estão desaparecidas (no deslizamento de terra que houve ali. As pessoas se negam a mudar dali).
Conclusão: as inundações, enchentes e alagamentos vão continuar por muito tempo. Foto acima: O Estado de S. Paulo, 9/9/2009, por Antonio Milena: Ponte da Anhanguera sobre a Marginal do Tietê.
MP quer suspensão de obra na Marginal (politicagem) e Serra culpa natureza por estragos (o óbvio, desde que não houvesse culpa humana histórica de diversos lados).
SP está preparada para enchentes, afirma Kassab (acho que ele mora em outra cidade).
Prefeito volta a culpar gestão petista (de Marta, mas e os outros prefeitos antes dela?).
Prefeito acaba enfrentando fúria de moradora (de Itaquera, que jogou toda a culpa no atual prefeito). Ela está certa somente em parte.
O prefeito negou que o corte de 20% no orçamento da varrição e coleta de lixo contribuiu com alagamentos (obviamente contribuiu) e prometeu punir as cinco empresas responsáveis pelo serviço com o rompimento do contrato (alguém acredita?).
Ceagesp perde R$ 220 mil e planeja reforma (só agora? Não é a primeira vez que ele inunda).
Garis ameaçam paralisar varrição das ruas de São Paulo na próxima semana (mais gente atrapalhando em vez de ajudar num momento difícil).
Marginais amanheceram cheias de lixo.
Até os cones quebrados do CET ficaram à margem da pista.
“A boca de lobo entupiu. É que faz uma semana que a Prefeitura não recolhe o lixo aqui” (de uma moradora dos Campos Elíseos).
“Os carroceiros recolhem entulho e material de construção dos apartamentos de Higienópolis e descarregam em qualquer lugar nas ruas daqui e embaixo do Minhocão” (de outro morador dos Campos Elíseos).
Do mesmo morador: “Antes, o caminhão de lixo passava todo dia. Agora não. Ele passa uma vez por semana. Quando chove, a água arrasta tudo isso”.
Do dia anterior (9 de setembro): Em Osasco, uma pessoa morre e 3 estão desaparecidas (no deslizamento de terra que houve ali. As pessoas se negam a mudar dali).
Conclusão: as inundações, enchentes e alagamentos vão continuar por muito tempo. Foto acima: O Estado de S. Paulo, 9/9/2009, por Antonio Milena: Ponte da Anhanguera sobre a Marginal do Tietê.
quarta-feira, 9 de setembro de 2009
OS ÓRGÃOS FEDERAIS DELIRAM!...
No último dia 4 de setembro, apareceu na mídia uma notícia de estarrecer. O DNIT, que administra (em parte, mas isso não é dito na reportagem) os bens da morta-viva RFFSA, afirma em reunião na qual estavam presentes representantes do IPHAN, da ANTT, do BNDES e do SPU (espero que todos os leitores saibam a que órgãos se referem essas siglas) que “podemos transformar vagões, trilhos e imóveis que estão se deteriorando ou sendo depredados em lugares habitáveis, que a população possa desfrutar de lazer e que possam ser integrados a roteiros turísticos”, pois “percebemos uma demanda crescente por pequenos trechos de ferrovias, estações, vagões e locomotivas para fins turísticos”.
Ora! Até que enfim eles perceberam isso! Entidades preservacionistas e mesmo pessoas físicas e jurídicas interessadas em bens da RFFSA já se manifestam quanto a isso há pelo menos trinta anos e pelo jeito somente agora os “governamentais” ficaram sabendo. Não deviam saber, pois receber algo da RFFSA, de graça ou pago, é algo que sempre foi extremamente difícil nesse período. Parece até que a RFFSA preferia deixar o material apodrecendo a que cedê-lo a terceiros (e olhe, parece meeeesmo!).
Outra pérola que a notícia dá conta é que “o diretor geral do DNIT relatou que 28 mil quilômetros de trilhos pertencentes à antiga RFFSA foram concedidos à iniciativa privada, mas a autarquia ainda administra cerca de 30 mil quilômetros, além de grande quantidade de imóveis”. Puxa, então tínhamos 58 mil quilômetros de ferrovia e não sabíamos! Sempre se soube que chegou no máximo a 37 mil, incluindo as ferrovias da Vale do Rio Doce, que jamais foram pertencentes à RFFSA. Parece que vamos ter de contratar advogados para saber como desapareceram mais de 20 mil quilômetros de trilhos e ninguém viu, tanto antes como depois do sumiço!
Em resumo: a conversa deve ter sido muito animada, e, como sempre, nada mudará, pois a burocracia estatal é algo escorchante e não vai mudar. Há prefeituras pelo Brasil que querem comprar pátios ferroviários e seus imóveis há anos e simplesmente não conseguem.
Ah! E ainda segundo a notícia, dia 23 de setembro tem outra reunião. Aguardem mais novidades. Enquanto isso, o carro que estava apodrecendo em Triagem Paulista, Bauru, como se pode ver na foto por mim tirada no dia 30 de junho do ano passado, continua apodrecendo. Mas nem vender como sucata para levantar dinheiro para pagar as dívidas da defunta...
Ora! Até que enfim eles perceberam isso! Entidades preservacionistas e mesmo pessoas físicas e jurídicas interessadas em bens da RFFSA já se manifestam quanto a isso há pelo menos trinta anos e pelo jeito somente agora os “governamentais” ficaram sabendo. Não deviam saber, pois receber algo da RFFSA, de graça ou pago, é algo que sempre foi extremamente difícil nesse período. Parece até que a RFFSA preferia deixar o material apodrecendo a que cedê-lo a terceiros (e olhe, parece meeeesmo!).
Outra pérola que a notícia dá conta é que “o diretor geral do DNIT relatou que 28 mil quilômetros de trilhos pertencentes à antiga RFFSA foram concedidos à iniciativa privada, mas a autarquia ainda administra cerca de 30 mil quilômetros, além de grande quantidade de imóveis”. Puxa, então tínhamos 58 mil quilômetros de ferrovia e não sabíamos! Sempre se soube que chegou no máximo a 37 mil, incluindo as ferrovias da Vale do Rio Doce, que jamais foram pertencentes à RFFSA. Parece que vamos ter de contratar advogados para saber como desapareceram mais de 20 mil quilômetros de trilhos e ninguém viu, tanto antes como depois do sumiço!
Em resumo: a conversa deve ter sido muito animada, e, como sempre, nada mudará, pois a burocracia estatal é algo escorchante e não vai mudar. Há prefeituras pelo Brasil que querem comprar pátios ferroviários e seus imóveis há anos e simplesmente não conseguem.
Ah! E ainda segundo a notícia, dia 23 de setembro tem outra reunião. Aguardem mais novidades. Enquanto isso, o carro que estava apodrecendo em Triagem Paulista, Bauru, como se pode ver na foto por mim tirada no dia 30 de junho do ano passado, continua apodrecendo. Mas nem vender como sucata para levantar dinheiro para pagar as dívidas da defunta...
terça-feira, 8 de setembro de 2009
NADANDO EM SÃO PAULO
Hoje é mais um dia na história de São Paulo em que a cidade sofre de um mal crônico: inundações e alagamentos. Na foto acima, as crianças se divertem numa inundação em dezembro de 1930 no Bom Retiro (Jornal O Tempo, 30/12/1930). Aqui nos sites da Internet falam em mais de 50 pontos de alagamento na cidade inteira. Está chovendo quase sem parar desde as primeiras horas da manhã. Como moro em Santana de Parnaíba, nem me arrisquei a pegar o carro e ir para o escritório em Pinheiros.
Amanhã os jornais vão pela enésima vez procurar culpados. Mas na verdade todos nós sabemos quem eles são. Posso repetir: são eles (não necessariamente nessa ordem) o prefeito atual, os antigos prefeitos (basicamente, todos), o próprio povo, as construtoras, os rios (bom, eles sempre existiram)...
Culpar os rios e córregos é interessante. Eles seriam culpados apenas se houvessem se formado após a implantação da cidade, que, claro, foi gradativa. Uma chuva como a de hoje, 150 anos atrás, também causava diversos alagamentos. Só que não havia tráfego de automóveis. Os carros da época eram carros de boi ou tróleis. Claro, talvez eles não passassem também pelas poças, mas, enfim, numa época em que todos tinham o tempo como seu aliado e não hoje, como seu inimigo, quem ligava?
O problema é que a administração paulistana começou a canalizar rios (abertos ou fechados) e permitir a ocupação, legal ou ilegal, das margens dos rios e córregos, inundáveis ou não. E hoje eles inundam mais do que antes, porque as construtoras fazem prédios e mais prédios (e antes faziam casas e mais casas) em locais que já inundavam antes e em locais que não inundavam. Nestes últimos, onde havia terra que absorvia a água para os lençóis freáticos, passou a haver cimento ou concreto impermeável.
As águas da chuva passaram cada vez mais a deslizar sobre o asfalto das ruas que antes eram de terra, do pátio das casas e dos prédios que antes eram de terra, e finalmente entrar nas bocas de lobo que deságuam em galerias de águas pluviais e depois nos rios e córregos. E as bocas de lobo passaram a recolher não somente água, mas todo o tipo de sujeira que as entope, tanto fora como internamente.
O povo, que sempre achou que rios e córregos são lugares de jogar lixo e continuou a jogar de tudo, inclusive pneus e sofás. Lembro-me das dragagens do rio Tietê que traziam uma quantidade gigantesca de pneus, que se empilhavam ao lado das Marginais. Dos córregos mal-cheirosos cheios de pedaços de madeira e de sofás velhos.
Há 150 anos, jogar algo no córrego também era infelizmente comum. Só que a cidade era pequena e o número de cursos d’água dentro de seus limites era pequeno. Hoje há inúmeros cursos – a céu aberto, canalizados ou não, e debaixo do leito das ruas e avenidas.
Se os administradores antigos tivessem coibido a construção de bairros inteiros em locais alagáveis ou potencialmente alagáveis, se tivessem se preocupado em tentar estabelecer um índice de impermeabilização do solo... se...
Enfim, nada fizeram neste sentido e continuam não fazendo. Quando se esgota a cota de construção de edifícios em algum bairro, simplesmente vota-se nova cota. Baseado em quê, não se sabe.
E vamos ter inundações catastróficas por muitos e muitos anos ainda. É só esperar para ver.
Amanhã os jornais vão pela enésima vez procurar culpados. Mas na verdade todos nós sabemos quem eles são. Posso repetir: são eles (não necessariamente nessa ordem) o prefeito atual, os antigos prefeitos (basicamente, todos), o próprio povo, as construtoras, os rios (bom, eles sempre existiram)...
Culpar os rios e córregos é interessante. Eles seriam culpados apenas se houvessem se formado após a implantação da cidade, que, claro, foi gradativa. Uma chuva como a de hoje, 150 anos atrás, também causava diversos alagamentos. Só que não havia tráfego de automóveis. Os carros da época eram carros de boi ou tróleis. Claro, talvez eles não passassem também pelas poças, mas, enfim, numa época em que todos tinham o tempo como seu aliado e não hoje, como seu inimigo, quem ligava?
O problema é que a administração paulistana começou a canalizar rios (abertos ou fechados) e permitir a ocupação, legal ou ilegal, das margens dos rios e córregos, inundáveis ou não. E hoje eles inundam mais do que antes, porque as construtoras fazem prédios e mais prédios (e antes faziam casas e mais casas) em locais que já inundavam antes e em locais que não inundavam. Nestes últimos, onde havia terra que absorvia a água para os lençóis freáticos, passou a haver cimento ou concreto impermeável.
As águas da chuva passaram cada vez mais a deslizar sobre o asfalto das ruas que antes eram de terra, do pátio das casas e dos prédios que antes eram de terra, e finalmente entrar nas bocas de lobo que deságuam em galerias de águas pluviais e depois nos rios e córregos. E as bocas de lobo passaram a recolher não somente água, mas todo o tipo de sujeira que as entope, tanto fora como internamente.
O povo, que sempre achou que rios e córregos são lugares de jogar lixo e continuou a jogar de tudo, inclusive pneus e sofás. Lembro-me das dragagens do rio Tietê que traziam uma quantidade gigantesca de pneus, que se empilhavam ao lado das Marginais. Dos córregos mal-cheirosos cheios de pedaços de madeira e de sofás velhos.
Há 150 anos, jogar algo no córrego também era infelizmente comum. Só que a cidade era pequena e o número de cursos d’água dentro de seus limites era pequeno. Hoje há inúmeros cursos – a céu aberto, canalizados ou não, e debaixo do leito das ruas e avenidas.
Se os administradores antigos tivessem coibido a construção de bairros inteiros em locais alagáveis ou potencialmente alagáveis, se tivessem se preocupado em tentar estabelecer um índice de impermeabilização do solo... se...
Enfim, nada fizeram neste sentido e continuam não fazendo. Quando se esgota a cota de construção de edifícios em algum bairro, simplesmente vota-se nova cota. Baseado em quê, não se sabe.
E vamos ter inundações catastróficas por muitos e muitos anos ainda. É só esperar para ver.
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
PORTO UNIÃO DA VITÓRIA
Se existem duas cidades que em alguma época da minha vida eu cismei que queria porque queria conhecer, são Viena, na Áustria, e União da Vitória, no Paraná. Acabei conhecendo uma pequena parte de Viena numa noite e na manhã seguinte, quando estive em Milão, em 1995, e tomei um avião à tarde para Viena e depois voltei na manhã seguinte. Valeu a pena? Sim, claro! Viena é belíssima.
Não há comparação entre Viena e União da Vitória/Porto União. Em 2002, comecei a estudar as ferrovias no Paraná e em Santa Catarina e “descobri” que havia uma cidade (ou melhor, duas – gêmeas!) em que a estação ferroviária estava dividida ao meio, com uma metade em cada Estado e o que dividia boa parte delas era a linha da E. F. São Paulo-Rio Grande, depois Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Chamavam-se União da Vitória, no Paraná, e Porto União, em Santa Catarina. Até 1942 existiam duas estações. Nesse ano se completou a estação de União para as duas – depois renomeada como Porto União da Vitória, que juntava os dois nomes (e que já havia sido o nome da cidade no século 19, quando pertencia toda ela ao Paraná e antes de ela ser dividida em 1917).
Junto com meu filho, que também gostou da história e insistiu para que fôssemos para lá o mais cedo possível, aportamos na cidade catarinense de Porto União em 2003, num dia frio de setembro; quando descemos do ônibus (a 10 horas de São Paulo). A temperatura estava exatamente dois graus positivos, às seis da manhã. Fomos ao hotel andando – ficava a dois quarteirões da rodoviária – e deixando as coisas, eu fui (Alexandre ficou dormindo) à estação ferroviária, que ficava a um quarteirão somente dali.
Incrível – não eram ainda sete horas e já havia um enorme movimento de gente. Uma locomotiva a vapor sendo “esquentada”, pois iria sair para um passeio até o pé do Morro de São João, onde a ferrovia sobe mais de 600 metros em 50 quilômetros. Melhor dia para chegar lá, impossível.
Comecei a conversar com as pessoas, que se mostravam intrigadas pelo fato de eu ter viajado dez horas de ônibus desde São Paulo para pegar o trem que sairia de manhã ali. Eu expliquei minha admiração pela cidade e o que me atraía a ela. Porém, voltando à cidade mais quatro vezes pelo menos desde essa época – a última foi no ano passado – me empolguei cada vez mais com a magia que a cidade transmite.
Além da estação curiosa (a foto acima é dela, tomada por Alexandre Giesbrecht em 13/9/2003: do lado direito da linha, Santa Catarina), do fato de atravessar a linha e mudar de estado, noto que embora haja uma certa rivalidade implícita entre as pessoas de cada cidade, há ao mesmo tempo uma amizade muito grande entre eles – ao ponto de que muita gente que lá mora não saber exatamente em que cidade está, dependendo do local (quem for de lá vai negar, mas é isso mesmo). Existe um ponto em que a linha foi retificada em 1950, mas a divisa não – então, naquela parte da cidade, mais ao sul de Porto União, a linha atual passa dentro desta e não divide nada – mas alguns metros mais para oeste, uma rua tortuosa que era o leito da linha anterior tem várias placas de “Divisa de Estados Paraná-Santa Catarina”.
Uma filha de polonês com ucraniana faz casacos maravilhosos para bebês e crianças e exporta para os dois países, além da simpatia com que nos recebe. Ao mesmo tempo, é historiadora da cidade. Na cidade lá no alto do morro, Mattos Costa, a historiadora de lá conta sobre os tempos da Guerra do Contestado, que chegou lá com uma carnificina brutal, mas não chegou nunca a União da Vitória, embora a população tenha fugido uma vez pensando que o ataque fosse iminente (agosto de 1914).
Foi ela que me contou as histórias e previsões do velho monge João Maria. João Maria não era nada bobo; ele tinha bons conhecimentos de geologia, e fez previsões, do alto de um dos morros de Porto União, ao olhar para a pequena cidade do final do século 19, que “quando a cruz caísse, a grande serpente sufocaria a cidade”. A cruz foi colocada por ele em cima desse morro. A serpente é o rio Iguaçu, que serpenteia numa grande curva que pode ser vista do alto desse morro, em volta da cidade. O morro tem terreno arenoso. A cruz caiu em 1905, em 1910 e em 1983, ano das três grandes enchentes da cidade. As águas levaram o solo onde ela estava, da mesma forma que inundaram a cidade varrida pela serpente. A crença no monge somente aumentou por todos esses anos e em todas essas ocasiões. Prova disso é que, quando estive a última vez na cidade, houve – e eu presenciei – às sete da noite a inauguração de um parque no local de onde está colocada a cruz. Políticos, vereadores, prefeito e algumas autoridades estavam presentes e discursando no local, com grande afluência de público. Nota: na hora da cerimônia, chovia bastante. Eu, sem guarda-chuva, fiquei encharcado e tive de voltar para o hotel. Porém, desta vez, a cruz não caiu, e a cidade não foi inundada.
Não há comparação entre Viena e União da Vitória/Porto União. Em 2002, comecei a estudar as ferrovias no Paraná e em Santa Catarina e “descobri” que havia uma cidade (ou melhor, duas – gêmeas!) em que a estação ferroviária estava dividida ao meio, com uma metade em cada Estado e o que dividia boa parte delas era a linha da E. F. São Paulo-Rio Grande, depois Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Chamavam-se União da Vitória, no Paraná, e Porto União, em Santa Catarina. Até 1942 existiam duas estações. Nesse ano se completou a estação de União para as duas – depois renomeada como Porto União da Vitória, que juntava os dois nomes (e que já havia sido o nome da cidade no século 19, quando pertencia toda ela ao Paraná e antes de ela ser dividida em 1917).
Junto com meu filho, que também gostou da história e insistiu para que fôssemos para lá o mais cedo possível, aportamos na cidade catarinense de Porto União em 2003, num dia frio de setembro; quando descemos do ônibus (a 10 horas de São Paulo). A temperatura estava exatamente dois graus positivos, às seis da manhã. Fomos ao hotel andando – ficava a dois quarteirões da rodoviária – e deixando as coisas, eu fui (Alexandre ficou dormindo) à estação ferroviária, que ficava a um quarteirão somente dali.
Incrível – não eram ainda sete horas e já havia um enorme movimento de gente. Uma locomotiva a vapor sendo “esquentada”, pois iria sair para um passeio até o pé do Morro de São João, onde a ferrovia sobe mais de 600 metros em 50 quilômetros. Melhor dia para chegar lá, impossível.
Comecei a conversar com as pessoas, que se mostravam intrigadas pelo fato de eu ter viajado dez horas de ônibus desde São Paulo para pegar o trem que sairia de manhã ali. Eu expliquei minha admiração pela cidade e o que me atraía a ela. Porém, voltando à cidade mais quatro vezes pelo menos desde essa época – a última foi no ano passado – me empolguei cada vez mais com a magia que a cidade transmite.
Além da estação curiosa (a foto acima é dela, tomada por Alexandre Giesbrecht em 13/9/2003: do lado direito da linha, Santa Catarina), do fato de atravessar a linha e mudar de estado, noto que embora haja uma certa rivalidade implícita entre as pessoas de cada cidade, há ao mesmo tempo uma amizade muito grande entre eles – ao ponto de que muita gente que lá mora não saber exatamente em que cidade está, dependendo do local (quem for de lá vai negar, mas é isso mesmo). Existe um ponto em que a linha foi retificada em 1950, mas a divisa não – então, naquela parte da cidade, mais ao sul de Porto União, a linha atual passa dentro desta e não divide nada – mas alguns metros mais para oeste, uma rua tortuosa que era o leito da linha anterior tem várias placas de “Divisa de Estados Paraná-Santa Catarina”.
Uma filha de polonês com ucraniana faz casacos maravilhosos para bebês e crianças e exporta para os dois países, além da simpatia com que nos recebe. Ao mesmo tempo, é historiadora da cidade. Na cidade lá no alto do morro, Mattos Costa, a historiadora de lá conta sobre os tempos da Guerra do Contestado, que chegou lá com uma carnificina brutal, mas não chegou nunca a União da Vitória, embora a população tenha fugido uma vez pensando que o ataque fosse iminente (agosto de 1914).
Foi ela que me contou as histórias e previsões do velho monge João Maria. João Maria não era nada bobo; ele tinha bons conhecimentos de geologia, e fez previsões, do alto de um dos morros de Porto União, ao olhar para a pequena cidade do final do século 19, que “quando a cruz caísse, a grande serpente sufocaria a cidade”. A cruz foi colocada por ele em cima desse morro. A serpente é o rio Iguaçu, que serpenteia numa grande curva que pode ser vista do alto desse morro, em volta da cidade. O morro tem terreno arenoso. A cruz caiu em 1905, em 1910 e em 1983, ano das três grandes enchentes da cidade. As águas levaram o solo onde ela estava, da mesma forma que inundaram a cidade varrida pela serpente. A crença no monge somente aumentou por todos esses anos e em todas essas ocasiões. Prova disso é que, quando estive a última vez na cidade, houve – e eu presenciei – às sete da noite a inauguração de um parque no local de onde está colocada a cruz. Políticos, vereadores, prefeito e algumas autoridades estavam presentes e discursando no local, com grande afluência de público. Nota: na hora da cerimônia, chovia bastante. Eu, sem guarda-chuva, fiquei encharcado e tive de voltar para o hotel. Porém, desta vez, a cruz não caiu, e a cidade não foi inundada.
domingo, 6 de setembro de 2009
FERROVIAS NO LIMBO
A quantidade de ferrovias projetadas ou dadas em concessão pelos Governos a interessados que já existiram no Brasil é simplesmente espantosa. Talvez seja impossível de se as enumerar. Ultimamente andei tentando juntar as indicações que tenho, mas até isso se torna difícil, pois há muitas referências espalhadas em meus livros e arquivos digitais.
Elas vão desde uma simples concessão assinada cujos projetos finais nunca foram apresentados até alguns trechos de linha que chegaram a ser assentados e com estações construídas, mas que jamais tiveram tráfego oficial – no máximo, um ou outro teste de linha. Claro que existem também ramais e prolongamentos de ferrovias existentes e que também foram projetados, tiveram estudos vários e em alguns casos até o leito aberto para receber trilhos – isto quando não os receberam.
O que dá para se perceber em inúmeros casos, principalmente os que receberam concessão mas jamais avançaram, é que existia uma espécie de mercado de concessões: o interessado pedia e recebia uma concessão governamental para construir uma estrada de ferro não com a intenção de construí-la, mas sim com a pretensão de vende-la para um interessado com dinheiro e vontade para fazê-la.
E havia gente que ganhou muito dinheiro com a venda de concessões: o mais célebre foi o engenheiro Teixeira Soares, aquele que construiu a Curitiba-Paranaguá e foi diretor de diversas ferrovias entre 1880 e 1927, ano de sua morte. A concessão que se tornou a São Paulo-Rio Grande, por exemplo, foi vendida no seu todo ou em parte diversas vezes antes que os trechos fossem construídos, no caso, separadamente, entre os anos 1890 e 1910, quando todo o trecho da concessão original ficou pronto. Teixeira permanecia, no entanto, como sócio em cada uma das companhias que surgia ou que ele mesmo criava para comprar as concessões.
Ferrovias que chegaram a ter trechos construídos, alguns deles com linhas, houve, por exemplo, a Taubaté-Ubatuba (ver acima foto de uma ponte construída nas obras desta ferrovia), em fins do século 19 e a E. F. Oeste de São Paulo, que chegou a ter trilhos ligando Taiúva a Taiaçu. Fala-se também que o trecho Crateús- Piquet Carneiro, no Ceará, teve trilhos assentados e estações construídas. Outra que avançou bastante em obras, mas parou foi a ferrovia Itararé-Fartura. O ramal de Dourados, da Sorocabana, que funcionou entre 1958 e 1980, teve seu prolongamento de Euclides da Cunha até Rosana bastante avançado, sem entretanto ter tido assentamento de trilhos. A Mangaratiba-Angra dos Reis, da Central do Brasil, esteve no mesmo estágio. Há muitos outros exemplos.
O grande número, entretanto, ficava com as que foram concessionadas e tiveram ou não estudos mais avançados, como algumas das quais somente se ouvem falar lendo livros ou jornais antigos: a Dom Pedro I, ligando São Francisco do Sul a Porto Alegre (SC/RS); a União da Vitória-Foz do Iguaçu (PR); a Porto Alegre-Rio Grande (RS); a “nova” Curitiba-Paranaguá (com um percurso totalmente diferente do atual e mais ao sul, no PR); a Cianorte-Umuarama (PR); a Barueri-Pirapora do Bom Jesus (SP); A e. f. Camamu-Jequitinhonha (BA); a E. F. do Chuí (RS); a E. F. Itajaí a Passo Fundo (SC/RS); a E. F. Tietê-Rio das Pedras (SP); a E. F. Ouro Fino a Socorro (MG/SP); a E. F. Ibitinga-Itanhaém (SP); a E. F. Jaú a Itapura (SP); a E. F. São Paulo a Juquiá (SP); a Araucária-Agudos do Sul (PR); a Curitiba-Guaratuba (PR); a São Sebastião-Minas (SP/MG); a Pirapora-Brasília (MG/GO).
A lista é muito, mas muito, mais extensa.
Elas vão desde uma simples concessão assinada cujos projetos finais nunca foram apresentados até alguns trechos de linha que chegaram a ser assentados e com estações construídas, mas que jamais tiveram tráfego oficial – no máximo, um ou outro teste de linha. Claro que existem também ramais e prolongamentos de ferrovias existentes e que também foram projetados, tiveram estudos vários e em alguns casos até o leito aberto para receber trilhos – isto quando não os receberam.
O que dá para se perceber em inúmeros casos, principalmente os que receberam concessão mas jamais avançaram, é que existia uma espécie de mercado de concessões: o interessado pedia e recebia uma concessão governamental para construir uma estrada de ferro não com a intenção de construí-la, mas sim com a pretensão de vende-la para um interessado com dinheiro e vontade para fazê-la.
E havia gente que ganhou muito dinheiro com a venda de concessões: o mais célebre foi o engenheiro Teixeira Soares, aquele que construiu a Curitiba-Paranaguá e foi diretor de diversas ferrovias entre 1880 e 1927, ano de sua morte. A concessão que se tornou a São Paulo-Rio Grande, por exemplo, foi vendida no seu todo ou em parte diversas vezes antes que os trechos fossem construídos, no caso, separadamente, entre os anos 1890 e 1910, quando todo o trecho da concessão original ficou pronto. Teixeira permanecia, no entanto, como sócio em cada uma das companhias que surgia ou que ele mesmo criava para comprar as concessões.
Ferrovias que chegaram a ter trechos construídos, alguns deles com linhas, houve, por exemplo, a Taubaté-Ubatuba (ver acima foto de uma ponte construída nas obras desta ferrovia), em fins do século 19 e a E. F. Oeste de São Paulo, que chegou a ter trilhos ligando Taiúva a Taiaçu. Fala-se também que o trecho Crateús- Piquet Carneiro, no Ceará, teve trilhos assentados e estações construídas. Outra que avançou bastante em obras, mas parou foi a ferrovia Itararé-Fartura. O ramal de Dourados, da Sorocabana, que funcionou entre 1958 e 1980, teve seu prolongamento de Euclides da Cunha até Rosana bastante avançado, sem entretanto ter tido assentamento de trilhos. A Mangaratiba-Angra dos Reis, da Central do Brasil, esteve no mesmo estágio. Há muitos outros exemplos.
O grande número, entretanto, ficava com as que foram concessionadas e tiveram ou não estudos mais avançados, como algumas das quais somente se ouvem falar lendo livros ou jornais antigos: a Dom Pedro I, ligando São Francisco do Sul a Porto Alegre (SC/RS); a União da Vitória-Foz do Iguaçu (PR); a Porto Alegre-Rio Grande (RS); a “nova” Curitiba-Paranaguá (com um percurso totalmente diferente do atual e mais ao sul, no PR); a Cianorte-Umuarama (PR); a Barueri-Pirapora do Bom Jesus (SP); A e. f. Camamu-Jequitinhonha (BA); a E. F. do Chuí (RS); a E. F. Itajaí a Passo Fundo (SC/RS); a E. F. Tietê-Rio das Pedras (SP); a E. F. Ouro Fino a Socorro (MG/SP); a E. F. Ibitinga-Itanhaém (SP); a E. F. Jaú a Itapura (SP); a E. F. São Paulo a Juquiá (SP); a Araucária-Agudos do Sul (PR); a Curitiba-Guaratuba (PR); a São Sebastião-Minas (SP/MG); a Pirapora-Brasília (MG/GO).
A lista é muito, mas muito, mais extensa.
sábado, 5 de setembro de 2009
MÁXIMO DE MOURA SANTOS
Este senhor, um professor, foi um grande amigo de meu avô Sud. É impressionante o volume de cartas e bilhetes que ele escreveu ao meu avô no período mais ou menos de 1928 ao final dos anos 1930. É verdade também que eles foram sócios numa escola particular (o Ginásio Moura Santos) no final dos anos 1920, e que com a crise de 1929 entrou em crise também.
Nesta escola, eram três sócios: ele, Sud e Maneco (Manoel da Silva Oliveira), este cunhado de Sud e o irmão mais velho de minha avó Maria. Curioso – Máximo não se dava com Maneco (não consegui descobrir por quê), mas este se mantinha na sociedade por causa de Sud. E, na crise, quem “segurou o rojão” foi exatamente Maneco, dando inclusive a cara para bater – o que levou a um bilhete de Máximo se desculpando com Sud por ter sido sempre intolerante com Maneco.
A escola acabou sobrevivendo e se tornou, através de algumas modificações societárias e objetivos, de uma forma ou de outra, transformando-se, por volta de 1931, no Colégio Moura Santos, nome pouco depois alterado para Ginásio Paulistano. Sud voltou a ser sócio de Máximo alguns meses depois da fundação do colégio. Foi vendido para outro dono por volta de 1934. Chegou a ser considerada uma das melhores escolas de São Paulo.
Eu não conheci Máximo, embora ele tenha sobrevivido a meu avô e vivido até bem depois de meu nascimento, creio que até os anos 1970, mas lembro-me, antes de saber de suas aventuras com meu avô, de ter utilizado livros didáticos de sua autoria na escola.
Máximo era extremamente fiel à amizade que tinha com Sud. Dá para se notar isso nas cartas escritas por ele. Mesmo após a saída de Sud, que vendeu sua participação na escola no final de 1929 para os outros dois sócios, a amizade não se rompeu. No episódio da Revolução de 1932, quando meu avô teve de se esconder no Embu (no sítio de Maneco) por quase três meses por ter sido acusado de traidor dos ideais da Revolução (e ele não era), Máximo foi o mensageiro das notícias da família com Sud. Minha avó Maria ficou isolada com as filhas Lélia e Mévia na casa da Vila Mariana, enquanto os filhos mais velhos – minha mãe inclusive – foram mandados para São Simão na casa da tia Angélica. Máximo também mantinha Sud informado das notícias da revolta e das mentiras publicadas sobre meu avô (como a que ele havia sido capturado no Mato Grosso, onde jamais esteve).
Em 1929, a escola mudou-se para a rua Domingos de Moraes, onde Sud também passou a morar com a família enquanto a casa da rua Capitão Cavalcanti estava sendo terminada. Nessa casa (vista acima, em foto de 1929), nasceu a terceira filha do casal, Lélia (1929-2002). A casa ficava, segundo lembra minha mãe, no lado par da rua, não muito longe da rua Capitão Cavalcanti, provavelmente (minha mãe não tem certeza) entre as ruas Araxans (hoje Sud Mennucci) e França Pinto. O número da casa era 148, mas, com a mudança da numeração para métrica, em fins dos anos 1930, esse número hoje pouco quer dizer em termos de localização. Já foi infelizmente demolida.
Nesta escola, eram três sócios: ele, Sud e Maneco (Manoel da Silva Oliveira), este cunhado de Sud e o irmão mais velho de minha avó Maria. Curioso – Máximo não se dava com Maneco (não consegui descobrir por quê), mas este se mantinha na sociedade por causa de Sud. E, na crise, quem “segurou o rojão” foi exatamente Maneco, dando inclusive a cara para bater – o que levou a um bilhete de Máximo se desculpando com Sud por ter sido sempre intolerante com Maneco.
A escola acabou sobrevivendo e se tornou, através de algumas modificações societárias e objetivos, de uma forma ou de outra, transformando-se, por volta de 1931, no Colégio Moura Santos, nome pouco depois alterado para Ginásio Paulistano. Sud voltou a ser sócio de Máximo alguns meses depois da fundação do colégio. Foi vendido para outro dono por volta de 1934. Chegou a ser considerada uma das melhores escolas de São Paulo.
Eu não conheci Máximo, embora ele tenha sobrevivido a meu avô e vivido até bem depois de meu nascimento, creio que até os anos 1970, mas lembro-me, antes de saber de suas aventuras com meu avô, de ter utilizado livros didáticos de sua autoria na escola.
Máximo era extremamente fiel à amizade que tinha com Sud. Dá para se notar isso nas cartas escritas por ele. Mesmo após a saída de Sud, que vendeu sua participação na escola no final de 1929 para os outros dois sócios, a amizade não se rompeu. No episódio da Revolução de 1932, quando meu avô teve de se esconder no Embu (no sítio de Maneco) por quase três meses por ter sido acusado de traidor dos ideais da Revolução (e ele não era), Máximo foi o mensageiro das notícias da família com Sud. Minha avó Maria ficou isolada com as filhas Lélia e Mévia na casa da Vila Mariana, enquanto os filhos mais velhos – minha mãe inclusive – foram mandados para São Simão na casa da tia Angélica. Máximo também mantinha Sud informado das notícias da revolta e das mentiras publicadas sobre meu avô (como a que ele havia sido capturado no Mato Grosso, onde jamais esteve).
Em 1929, a escola mudou-se para a rua Domingos de Moraes, onde Sud também passou a morar com a família enquanto a casa da rua Capitão Cavalcanti estava sendo terminada. Nessa casa (vista acima, em foto de 1929), nasceu a terceira filha do casal, Lélia (1929-2002). A casa ficava, segundo lembra minha mãe, no lado par da rua, não muito longe da rua Capitão Cavalcanti, provavelmente (minha mãe não tem certeza) entre as ruas Araxans (hoje Sud Mennucci) e França Pinto. O número da casa era 148, mas, com a mudança da numeração para métrica, em fins dos anos 1930, esse número hoje pouco quer dizer em termos de localização. Já foi infelizmente demolida.
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
LARANJA AZEDA
O nome pode ser engraçado, mas é o nome de um posto telegráfico que fica no município de Pirassununga, perto da divisa com o município de Porto Ferreira. Mais curioso ainda é que existiu uma estação, hoje já demolida, com o nome de Laranja Doce, esta em Martinópolis, do outro lado do Estado, junto a Presidente Prudente.
O posto foi aberto em 1886, mas o chalezinho que ficou até hoje foi construído em 1891 pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Sua função era regular a bifurcação de linhas que ali existia. Para nordeste, Santa Cruz das Palmeiras, pelo ramal de Santa Veridiana. Para noroeste, Porto Ferreira, na continuação do ramal de Descalvado. O nome de “chalet” foi a própria Paulista quem deu, no relatório em que descrevia sua construção.
Descaracterizado, com o madeirame que enfeitava a queda do telhado da plataforma, parece-se hoje com uma casinha comum. Sem trilhos, sem nada por perto que lembre a ferrovia ali arrancada em 1997, estava em 2003 habitada por gente simples que provavelmente invadiu uma construção que a ferrovia não mais queria nem com ela se importava.
Em volta, uma ou outra construção, afastadas umas das outras, e mato, muito mato. No pequeno vale ao lado, o córrego da Laranja Azeda. A primeira referência que li sobre o local foi saber que meu bisavô (outro! Afinal, são sempre quatro, não são?) Daniel Carvalho de Oliveira havia trabalhado ali em 1881, ainda na época em que a ferrovia apenas passava por ali sem posto algum para parar e ainda sem a bifurcação.
É muito provável que ele tenha trabalhado ali como funcionário da Paulista. Ele havia vindo de Rio Claro, onde também trabalhara para a ferrovia. O que fez em Laranja Azeda não dá para saber; nada ficou registrado. Conserva de linha? Possível, porém sabe-se que existiu uma cerâmica no local, que já não funciona mais e que também não sei se já existia há 130 anos atrás. Ele poderia ter trabalhado nela.
De lá, Daniel foi para Porto Ferreira, muito próxima, cidade que nasceu com a estação em janeiro de 1880. Voltou para Portugal e retornou ao Brasil para casar-se com Constancia da Silva, que veio de Portugal para Porto Ferreira como “noiva encomendada”, por recomendação de seu irmão, amigo de Daniel. Constancia era 23 anos mais nova que Daniel. No Porto, como chamavam, tiveram treze filhos, entre os quais Maria, minha avó por parte de mãe.
Laranja Azeda, por sua vez, praticamente acabou. Chamar aquilo de bairro rural é um exagero. Mesmo com a estrada que liga Pirassununga a Emas muito próxima, a falta da cerâmica e da ferrovia parece que liquidou de vez o local. O chalet ainda existia em 2003, mas jamais voltei ao local, nem sei se a construção ainda está lá. Espero que sim, pois ela e o local marcam um pouco da memória de minha família.
O posto foi aberto em 1886, mas o chalezinho que ficou até hoje foi construído em 1891 pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Sua função era regular a bifurcação de linhas que ali existia. Para nordeste, Santa Cruz das Palmeiras, pelo ramal de Santa Veridiana. Para noroeste, Porto Ferreira, na continuação do ramal de Descalvado. O nome de “chalet” foi a própria Paulista quem deu, no relatório em que descrevia sua construção.
Descaracterizado, com o madeirame que enfeitava a queda do telhado da plataforma, parece-se hoje com uma casinha comum. Sem trilhos, sem nada por perto que lembre a ferrovia ali arrancada em 1997, estava em 2003 habitada por gente simples que provavelmente invadiu uma construção que a ferrovia não mais queria nem com ela se importava.
Em volta, uma ou outra construção, afastadas umas das outras, e mato, muito mato. No pequeno vale ao lado, o córrego da Laranja Azeda. A primeira referência que li sobre o local foi saber que meu bisavô (outro! Afinal, são sempre quatro, não são?) Daniel Carvalho de Oliveira havia trabalhado ali em 1881, ainda na época em que a ferrovia apenas passava por ali sem posto algum para parar e ainda sem a bifurcação.
É muito provável que ele tenha trabalhado ali como funcionário da Paulista. Ele havia vindo de Rio Claro, onde também trabalhara para a ferrovia. O que fez em Laranja Azeda não dá para saber; nada ficou registrado. Conserva de linha? Possível, porém sabe-se que existiu uma cerâmica no local, que já não funciona mais e que também não sei se já existia há 130 anos atrás. Ele poderia ter trabalhado nela.
De lá, Daniel foi para Porto Ferreira, muito próxima, cidade que nasceu com a estação em janeiro de 1880. Voltou para Portugal e retornou ao Brasil para casar-se com Constancia da Silva, que veio de Portugal para Porto Ferreira como “noiva encomendada”, por recomendação de seu irmão, amigo de Daniel. Constancia era 23 anos mais nova que Daniel. No Porto, como chamavam, tiveram treze filhos, entre os quais Maria, minha avó por parte de mãe.
Laranja Azeda, por sua vez, praticamente acabou. Chamar aquilo de bairro rural é um exagero. Mesmo com a estrada que liga Pirassununga a Emas muito próxima, a falta da cerâmica e da ferrovia parece que liquidou de vez o local. O chalet ainda existia em 2003, mas jamais voltei ao local, nem sei se a construção ainda está lá. Espero que sim, pois ela e o local marcam um pouco da memória de minha família.
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