segunda-feira, 22 de agosto de 2011

PAUL DELEUSE E A ALL

Estação de Evangelista de Souza - O Estado de S. Paulo, 22/8/2011

Em fevereiro do longínquo ano de 1916, uma combalida Estrada de Ferro Araraquara - que operava desde 1898 e que, na época ia da cidade de Araraquara até São José do Rio Preto com bitola métrica - teve sua massa falida arrematada em leilão por uma certa São Paulo Northern Railroad Co..

Esta empresa tinha como seu representante legal um francês de nome Paul Deleuse, cujos escritórios ficavam na então capital do estado do Rio de Janeiro, Niterói. Não demorou muito a se descobrir que somente seis dias antes do leilão essa companhia havia sido autorizada a operar no Brasil. Cheirava mal.

Durante a administração Northern, a ferrovia foi quase que totalmente sucateada. Não havia manutenção e nem qualquer compra de material.

Quase quatro anos anos depois, em novembro de 1919, a ferrovia - que jamais deixou de operar, nem durante sua falência - foi desapropriada por Altino Arantes, então presidente (governador) do estado de São Paulo, pela necessidade de se manter funcionando uma ferrovia com renda baixíssima e que não apresentava balanços nem relatórios, sendo deficitária ao extremo. A estatização de 1919 foi o pico de uma greve total dos empregados que já não recebiam salários.

Em 1927, Paul Deleuse foi assassinado no Rio de Janeiro.

Quase cem anos depois, o caderno Metrópole, do jornal O Estado de S. Paulo de hoje, traz uma reportagem sobre os desmandos da concessionária de ferrovias ALL - mais um - na estação de Evangelista de Souza, no alto da serra do Mar, na linha da antiga Sorocabana, ramal de Mairinque-Santos. Essa linha hoje é conhecida geralmente pelo nome "Corredor de Exportação". Na matéria consta inclusive meu nome dando uma pequena declaração.

A estação está encravada numa área de proteção de mananciais dentro do município de São Paulo e somente é atingível depois de um longo percurso em terra vindo ou da antiga estação ferroviária de Engenheiro Marsilac ou de outra de nome Barragem. As duas não existem mais há muitos anos, mas deixaram pequenos bairros à sua volta.

O problema é que manter material rodante enferrujado e também em alguns casos vazando óleo não é nada recomendável para uma região que deveria ser protegida. Multas já foram aplicadas, mas nada têm resolvido - se bem que provavelmente nunca são pagas, também.

A quantidade de acidentes na ALL, que opera em mais quatro estados e tem sua sede administrativa em Curitiba, não é nada invejável. Pelo menos duas a três vezes por mês são noticiados na imprensa.

Nada tenho contra essa empresa, mas, como brasileiro, gostaria muito de ver alguém operando com seriedade. Quem tem uma concessão de serviço de transporte, portanto, de infraestrutura e que exigiu milhões de dólares durante cento e cinquenta anos, precisa não somente pensar em ter lucro, mas também saber que tem uma responsabilidade muito grande com o bom funcionamento e com o crescimento do país.

Não é o que vem acontecendo no casod a ALL. Claramente, eles não se importam com as críticas e com os acidentes. Manutenção parece que somente existe quando algo acontece. Diversas linhas que foram dadas em concessão hoje não são operadas. Que não digam que não há oportunidades de transporte na Alta Paulista, Alta Sorocabana, Alta Noroeste, ao longo da antiga E. F. São Paulo-Minas e outras. O que parece é que eles somente querem algo que dê bastante dinheiro e que exija um mínimo de investimento - ou que o cliente pague tudo para transportar.

O país está sendo prejudicado. O governo federal não regula coisa alguma. O governo do estado, que já foi dono das linhas através da FEPASA e hoje não é mais, já que ela foi dada quase de graça ao governo da União em 1998 em troca de dívidas, deveria se importar com isso, sim. Não é dono das linhas, mas o estado está perdendo muito com a incompetência da concessionária que tem a maior quilometragem de ferrovias operando (ou não operando) em São Paulo.

Eu já estou cansado de ver as coisas serem mal feitas pelo país afora e ninguém se importar com isso. No final, tudo isso sai do meu, do seu bolso. As ferrovias paulistas, que até o final ainda eram as mais rentáveis do país, hoje são em sua maioria um monte de sucata. Pouquíssima carga é recolhida no Estado. A maior parte é carga de passagem, que apenas usa o porto de Santos. A velha EFA de Paul Deleuse é hoje apenas um corredor de composições compridas que vêm lá dos confins do Mato Grosso para desaguar em Santos. A velha Paulista, que um dia foi a melhor ferrovia do Brasil e uma das cinco melhores do mundo, hoje somente vê o seu trecho entre Campinas e Araraquara operando e o resto jogado às traças.

Saudosismo? Não, vontade de termos gente competente e trabalhadora usando o que deve ser bem utilizado.

E qualquer semelhança entre a ALL e a Northern de Deleuse será apenas coincidência?

Um comentário:

  1. Não é só a ALL que age assim, mas ela é a campeã. Quem deverá ser assassinado para que as coisas melhorem?

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