Rua Voluntários da Pátria: a foto não faz jus à beleza da rua.
Estive mais uma vez em Araraquara neste final de semana, após quase três anos de ausência. Gosto muito da cidade, tenho amigos lá. Andei mais uma vez pela rua 5, ou Voluntários da Pátria, que chamei de uma das mais bonitas do mundo (pelos seus oitis centenários enfileirados) e fui criticado. O brasileiro não dá valor ao que tem. Só seria uma das mais bonitas se estivesse em Nova York ou em Paris, pelo visto. Em Araraquara não serve.
Vi muitas demolições. A cidade começa a se encher de prédios altos demais e desnecessários. Como desnecessária é a maior obra do município atualmente: a construção de uma variante de catorze quilômetros entre as estações do Ouro e de Tutoia. Isso vai tirar um pouco mais (em quilômetros) de trilhos do centro da cidade. Ou melhor, no limite da cidade antiga, da cidade original, que de há muito ultrapassou os trilhos para o lado de lá. Basta ver de que lado está a entrada da estação ferroviária.
O pátio atual é estreito e muito comprido. Toneladas de locomotivas, vagões e carros de passageiros enferrujados e depredados se espremem nos seus desvios ao longo das ruas que acompanham o pátio. No hotel em que fiquei hospedado, na avenida Sete de Setembro, eu tinha uma visão de parte do imenso pátio e também da curva de noventa graus que existe pouco à direita da velha estação.
Todos esses trilhos serão arrancados depois que a variante estiver pronta, o que não deve acontecer antes do final do ano que vem. O movimento de terra será grande. A área é extensa. O prefeito não perderá a oportunidade de construir o anseio de todo político: uma avenida. Ele deve saber que avenidas de há muito são focos de degradação, muito mais do que mantendo a ferrovia no espaço e, claro, limpando-a, coisa que ele nem a ALL fazem. Ele deve saber, mas não conta para ninguém.
A variante, em foto tirada no sentido de Tutoia, bem próxima desta.
A variante é, no meu modo de ver, inútil. Araraquara não tem trânsito que exija tantas passagens de nível assim sobre a linha. O dinheiro para a construção dessa variante - que em alguns pontos próximos a Tutoia, esta na divisa com o município de Américo Brasiliense, já tem até trilhos. Em Tutoia ficará o novo pátio ferroviário que será deslocado do da estação atual. Desse novo pátio só existe hoje a terraplanagem e mais nada. Há muito o que se fazer ali. Sem ele, a variante não vai servir para muita coisa. Não haverá, aparentemente, nenhum pátio de cruzamento nos catorze quilômetros de linha nova, o que faz com que Tutoia precise ter um, o mais rápido possível.
A cidade não precisa nem da variante nem dos trilhos. Do que precisa, então? Certamente de muita coisa, mas de duas dá para saber já: transporte público é uma delas. Uma limpeza nos desvios da linha é outra. A quantidade de veículos sucateados é impressionante. Aquilo deve ser propriedade do DNIT, que não os retira, nem se lembra deles, provavelmente. Eles certamente atrapalham a ALL, pois diminuem sua área para manobras, mas ela certamente não vai gastar dinheiro seu para tirar aquilo dali para enfiar em outra área.
Ela sabe que daqui a dois anos isso terá de sair dali de qualquer jeito e os custos recairão sobre a Prefeitura, louca para fazer sua avenida. Para tirar os trilhos, terá de remover a sucata. E aí, a ALL vai ter um pátio novo de graça. Deveria ser ela a fazer a variante, mas na estranha concessão ferroviária do governo, quem paga tudo isto é ele, ou seja, nós.
Pra que tirar os trilhos, afinal? Por que não manter a linha principal e implantar um VLT - Veículo Leve sobre Trilhos - ali? Dar transporte público decente para o povo da cidade? Durante os inúmeros e enfadonhos discursos que ouvi durante a inauguração do museu ferroviário da ABPF/Prefeitura/Uniara na noite deste sábado na gare da velha estação, o prefeito chegou a falar sobre isso como uma possibilidade. Não falou em avenida. Mesmo assim, eu sinceramente duvido disto. Da mesma forma, um dos vereadores, que já foi ferroviário, este sim, defendeu com mais ênfase este transporte. Mas sabe como é, político é político. E muda de ideia com uma facilidade inacreditável.
Se a linha fosse mantida ali, com a retirada de boa parte dos desvios e de toda a sucata (que, se reformada com o ajardinamento ao longo dos trilhos em vez do mato que ali cresce, daria um museu vivo) e a restauração de toda a imensa vila ferroviária ao longo dos trilhos e a passagem de trens (VLTs) novos por ali, Araraquara seria uma nova cidade.
De qualquer forma, ela será nova. A retirada da ferrovia que já passa ali há quase cento e trinta anos, desde que a Rioclarense do Conde do Pinhal chegou apitando ali em 1885 vai mudar muito o aspecto da cidade. Se para melhor ou para pior, será uma questão de opinião e a coisa ser bem feita. Espera-se que se faça uma coisa (VLT num corredor arrumado) ou outra (a famigerada avenida) e não a terceira opção, que seria o abandono total do espaço ferroviário e sua invasão por mendigos e adeptos do crack, o que seria desastroso; não se pode, no entanto, ter tanta certeza, neste país de políticos irresponsáveis e corruptos, que essa não é uma possibilidade.
A nova Araraquara, de qualquer forma, não terá uma ferrovia. No máximo terá um bonde moderno como o VLT passando no que um dia foi a linha. Isto está muito claro. Mesmo que haja uma reviravolta que fizesse, quase como um milagre, os trens de passageiros retornarem, a estação teria de ser construída ao longo da variante - e com um acesso e transporte decente. De qualquer forma, a cidade não é tão grande assim que faça que se perca tanto tempo assim para nela se chegar e tomar o hipotético trem.
O mapa atual de Araraquara, divulgado num panfleto da cidade. O escaneamento foi parcial. Mostra a parte central (canto inferior esquerdo, com várias manchas cinzas). A ferrovia não aparece, mas existe: vem do alto da figura, à direita da avenida que corcoveia no sentido norte (ali é Tutoia), desce pelo espaço branco e vazio entre as ruas, segue no sentido da cruz que aparece em baixo, depois faz uma curva de 90 graus para nordeste e sobe novamente pelos espaços em branco, sentido Ouro
Essa nova Araraquara esquecerá num instante a linha. Daqui a dez, vinte anos, quando alguém chegar ali e perguntar pela estação ferroviária, poderá facilmente ouvir o seu interlocutor responder: mas aqui não tem estação ferroviária. Esta resposta eu ouvi em Piracicaba há doze anos atrás quando fiz a mesma pergunta. Afinal, eu consegui um mapa das ruas da cidade razoavelmente bem feito - aparecem todas as ruas do município - e que não mostra em local algum a linha férrea. Afinal, para que mostraria? Só passa carga, mesmo...
As locomotivas apitam ao longe várias vezes por dia. O barulho dos imensos comboios com, em média, cem vagões cada, passam bem devagar pela estação, noite e dia. Ninguém parece se incomodar. E não vão se incomodar quando eles desaparecerem. Afinal, quando o córrego entre a cidade velha e a estação desapareceu também, debaixo de uma avenida, entubado como vários outros na forma de galeria de águas pluviais, alguém ligou para isso? Ahn? Tem córrego na cidade? Onde? Chama-se como, mesmo? Mas o córrego foi uma das razões pelas quais Araraquara está onde está há quase duzentos anos. A ferrovia ajudou-a a se estabelecer como cidade grande. O que fará a cidade no seu terceiro século de vida, então?
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Deu vontade de conhecer Araraquara. Valeus!
ResponderExcluirA cidade é muito atrasada! Por isso Ribeirão e São CArlos passaram-lhe a frente
ResponderExcluirCaro Ralph,
ResponderExcluirGostaria de parabenizar por mais este trabalho (como sempre, sou seu fã). Como morador de Araraquara - ou Aracoara - há 12 anos posso esclarecer alguns fatos:
O comentarista anterior tem razão, São Carlos e Ribeirão Preto são mais jovens porem maiores. Mas mesmo assim recomendo que todos venham conhecer.
Quanto à mudança no cenário da cidade, é impossível não acontecer. O projeto está atrasado, mas não volta a traz. As verbas já foram liberadas e as obras estão progredindo. O prazo de entrega é pra setembro de 2012.
Como amante da ferrovia, adoro ouvir o apito das locos ecoando na cidade. Sentirei saudades. E não quero discutir a necessidade ou vantagens. Só vou dizer o tenho ouvido aqui...
A construção de uma avenida nunca foi citada. Há o projeto chamado Parque dos Trilhos, que pra mim é um pouco confuso. Dizem que será feito neste nobilíssimo local uma imensa área verde com áreas esportivas e de lazer, pista de Cooper, paço municipal, entre outras poucas construções. O mais forte argumento é de incluir a Vila Xavier (maior bairro da cidade, do lado posterior da linha) ao centro, desobstruindo as poucas vias de acesso. Já ouvi também a intenção da construção de um VLT e também a intenção de manter uma linha para trem turístico, com destino a Bueno de Andrada (distrito).
O fato é que acho difícil fazer isso tudo funcionar junto: a construção de 5 a 10 ruas para inclusão do bairro, linha para trem turístico, VLTs, pista de cooper e uma área verde que corte a cidade.
Realmente a Via Expressa está deixando de ser expressa e o fantasma da grande avenida sempre sondará. Mas nunca entrou nos discursos.
Eles chamam de Parque dos Trilhos, um local que não terá trilho algum. A solução seria bem simples:Era só tirar o pátio de manobras e as rotundas.O pátio em frente a plataforma seria apenas para estacionar e guardar os VLTs. A linha da antiga Cia Paulista com destino a Américo Brasiliense, Sta.Lucia e Rincão tem pouquissimo movimento, mas poderia ser utilizada no trecho Jd. das Hortências(zona sul), passando pelo Centro e chegando ao parquedo Pinheirinho(zona Leste). Daqui há uns 20anos, quando houver um governo que gosta de transportes coletivos ferroviários e quiser implantar a volta do trem, Araraquara ficará de fora, ou vai ter que correr e construir uma estaçãozinha lá na PQP. E vai ficar caríssimo para dar estrutura e ainda mandar linhas de ônibus pra lá. Araraquara tinha troleibus e simplesmente os exterminou. Agora vai exterminar com as ferrovias em seu perímetro urbano. Acho que está na hora de eu parar de lutar pela ferrovia na cidade e pegar minha mala e ir embora deste país nojento.
ResponderExcluir