domingo, 3 de maio de 2009

APOCALYPSE NOW

Em 1898, a Companhia Melhoramentos do Rio de Janeiro entregou para tráfego uma ferrovia que ligava a estação de São Francisco Xavier, da Central do Brasil, a Entre Rios (hoje Três Rios), também da Central, em bitola métrica. Era uma alternativa melhor, em termos de linha, na época, para os exportadores da região de Entre Rios para enviarem suas mercadorias para o Porto do Rio de Janeiro. Era uma iniciativa particular. A linha não tinha túneis e era mais de 20 quilômetros mais curta do que a linha do Centro da Central. Nessa época esta última linha ainda não era duplicada e nem eletrificada, o que, fora a bitola, em teoria, faria os clientes passarem a utilizar a nova alternativa.

As coisas, no entanto, não se passaram da forma imaginada, por uma série de fatores. Cinco anos depois (1903), a Central do Brasil comprou a linha e a incorporou à sua rede, criando uma estação de partida para ela na nova estação de Alfredo Maia de onde passou a sair (e não mais de São Francisco Xavier). Em 1913, o estreitamento da bitola da linha que ligava Entre Rios a Porto Novo do Cunha (de larga, 1m60, para métrica) fez com que o Porto do Rio de Janeiro estivesse ligado não somente a Minas quanto também à Leopoldina, que iniciava suas linha ali em Porto Novo, sentido interior de Minas Gerais.

Mesmo na Central, a densidade de tráfego era relativamente pequena. A linha Auxiliar – este passou a ser seu nome – carregava passageiros e cargas, encontrava-se com a linha do Centro em Belém (hoje Japeri), onde se separava de novo, mas não era uma linha que realmente “auxiliasse” nas subida da serra, especialmente depois de 1914, quando a linha do Centro passou a ter linha dupla em praticamente todo o seu trecho em terras fluminenses. Aos poucos foi sendo utilizada pela Leopoldina, e, em 1965, com o fechamento da já obsoleta linha desta que ligava o Rio a Petrópolis e dali a Três Rios, passou a ser utilizada somente pelos trens desta. Mesmo o transporte de passageiros definhava: não na Baixada, onde era uma das linhas de subúrbio, mas também na subida da serra, onde a densidade populacional era baixa e somente existia realmente uma cidade de mais peso – Miguel Pereira. O ramal que saía dali para Vassouras e Valença não era suficiente para aumentar significativamente o tráfego na serra.

A linha foi sendo utilizada cada vez menos até que, em 1996, foi entregue em concessão à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). A partir daí, sem interesse desta, foi literalmente abandonada – exceto em sua parte da Baixada, onde, nos anos 1970, havia sido retificada em bitola dupla para servir de escoamento das cargas da Central de Japeri ao porto. Com isso, as linhas do Centro e Auxiliar na Baixada puderam ser liberadas para o tráfego exclusivo dos trens metropolitanos do Rio.

O fato é que a ferrovia que completa 111 anos este ano está abandonadíssima. Em muitos trechos teve seus trilhos roubados. A FCA não se importa e os órgãos de fiscalização do Governo muito menos. As entidades de preservação somente se interessaram pelos trechos próximos a Miguel Pereira e a Paraíba do Sul, onde rodam eventualmente pequenos trens turísticos com locomotivas a vapor. O mato cobre tudo e em algumas regiões os trilhos somente se mantêm no leito porque o acesso é difícil, longe de qualquer área urbana. Enquanto no trecho já no alto da Serra, na região da Linha do Centro, as cidades cresceram e se espalharam, na região da linha Auxiliar isto acabou não acontecendo.

Quais seriam as alternativas? Bem, o lógico seria que ou se retirasse a concessão da FCA para se oferecer o trecho para concessão de outras empresas, mesmo de finalidade turística (será que haveria empresas interessadas?) ou, enfim, de arrancar tudo e vender leito de linha, sucata de trilhos e propriedades lindeiras a terceiros, para levantar recursos para pagar as dívidas da RFFSA com seus antigos funcionários. O fato é que não se faz nem uma coisa nem outra. Por outro lado, a FCA tem a obrigação contratual de conservar a linha, mas não se importa a mínima com isto.

Este artigo teve o apoio do cartunista Carlos Latuff, que percorreu vários trechos na serra a pé e forneceu a fotografia atual da antiga parada de Taboões.

4 comentários:

  1. Prezado Ralph, ontem estive em Coroados e Glicério e inclusive tirei umas fotos recentes das estações.
    A de Coroados encontra-se meio abandonada, grafitada, mas a prefeitura fez parques e área verde nas suas redondezas, o que indica uma potencial restauração.
    A estação de Glicério encontra-se surpreendentemente bem conservada, inclusive encontrei um funcionário da ALL que toma conta do local, não por acaso por ali ser o depósito de ferramentas do pessoal da manutenção.
    Infelizmente, as estações de Penápolis e Birigui foram alugadas para uma empresa, que não faz a menor questão de zelar pelos prédios. Curiosamente, o dono da empresa foi candidato a prefeito de Araçatuba pelo mesmo partido que privatizou a RFFSA. Irônico, não?
    A estação de Guararapes também encontra-se abandonada e em petição de miséria, toda pichada e vandalizada.
    Caso tenhas interesse em fotos recentes, posso cedê-las sem qualquer compromisso, basta entrar em contato comigo.

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  2. Caro Marcelo, se puder, mande algumas fotos para eu poder atualizar. Obrigado - Ralph

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  3. Ralph,
    Estou envolvido com e recuperação de umtrecho de 4 km da Linha auxiliar entre Governador portela e Miguel Pereira, após a FCA abandonar o trecho definitivamente em 1998, um grupo de ferroviários se agrupou no que futuramente seria a AFPF - Associação Fluminense de Preservação Ferroviária, estes homens mantiveram em operação sozinhos sem subvenção alguma do governo quase 30 km de linha tentando conservar o trecho para no futuro um possível retorno do trem azul. Quando a cerca de 5 anos atrás surgiu o projeto do trem turístico de Paraíba do Sul, e ao mesmo tempo a prefeitura de Miguel Pereira demolia tudo o que encontrava pela frente relacionado a ferrovia, os veículos usados na manutenção da via e diversos materiais foram cedidos a prefeitura de Paraíba do Sul, o trem da estrada real foi construído lá, operou durante um tempo e quando o governo daquela cidade mudou de mãos acabou-se, só que o detalhe é que o material cedido foi retido pela prefeitura daquela cidade e obviamente vandalizado.
    As entidades tem interessse em botar em operação a máxima extensão possível da ferrovia, mas com todas as esferas do governo ou contra ou neutras não há santo que faça milagre.

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  4. Victor, é incrível como essas histporias de preservação têm vais-e-vens. Numa hora tudo corre bem, há apoio da prefeitura, etc. Na outra, muda a prefeitura, tudo some, dinheiro, material... como é difícil a preservação (não somente ferroviária) no Brasil. Sei de vários casos muito parecidos com estes pelo Brasil afora. Daria um livro...

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